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Pouco de Glauber e muito de Sganzerla

Helena Ignez, autora de "A Reinvenção da Rua, Uma Reflexão" swissinfo.ch

Com altos e baixos, cerca filmes brasileiros, do fim dos anos 60 para cá, foram apresentados no festival suíço de cinema, em Friburgo, inclusive o restaurado Terra em Transe de Glauber Rocha.

Como fio condutor da retrospectiva, a atriz e cineasta Helena Ignez.

Essa retrospectiva no Festival Internacional de Filmes de Friburgo (FIFF) foi uma oportunidade excepcional de trazer ao público europeu uma parcela da memória cinematográfica brasileira.

Levando à frente o projeto, Marina Mottin, co-diretora artística, acha ter acertado em cheio ao escolher Helena Ignez como “fil rouge” (fio condutor).

Helena – vale lembrar – foi mulher de Glauber por período de dois anos. Uma vez separada do gênio do Cinema Novo, casou-e com Rogério Sganzerla, figura destacada do cinema experimental.

Podia-se imaginar que os dois ex-maridos (Glauber faleceu em 1981 e Sganzerla em 2004) predominassem na retrospectiva. De Glauber vieram apenas Terra em Transe, uma cópia restaurada qualificada de “maravilhosa” por Mottin; e a primeira obra do cineasta baiano, O Pátio, de 1959.

Dá-se o desconto: pelo menos alguns filmes de Glauber Rocha costumam “freqüentar” eventos como o de Friburgo.

Algumas decepções

Mas na cidade suíça o que ocorreu foi mais um festival de Sganzerla, pois os filmes deste cineasta representavam praticamente um terço da retrospectiva: 7 longas e um curta.

O retrospecto incluiu obras muito interessantes do realizador como O Bandido da Luz Vermelha (1968), Nem Tudo é Verdade (1986) ou o Signo do Caos (2003).

Alguns filmes, como Copacabana Meu Amor (1970) e Sem Essa Aranha (do mesmo ano) deram (a falsa) impressão de terem envelhecido mal. Isso porque as cópias deixavam a desejar, decepcionando algumas pessoas do público que não esperaram o fim da projeção.

Para Marina, o mérito do Festival consiste em ter mostrado a necessidade de restauração de obras tão importantes da filmografia brasileira, “porque se trata de um segmento da história do cinema do país que deve ser revalorizado”, realça.

Bressane e os demais

Outro cineasta bem representado em Friburgo foi Júlio Bressane, com Cara a Cara (1967), Cuidado, Madame (1970), A Família do Barulho (1970) e São Jerônimo (1999), proporcionando ótima ocasião de conhecer um dos grandes realizadores brasileiros.

De 3 demais cineastas representados vieram apenas uma obra, respectivamente: A Grande Feira (1961), de Roberto Pires; O Grito da Terra (1964), de Olney São Paulo; O Padre e a Moça (1965), de Joaquim Pedro de Andrade.

Mas não podemos esquecer Anônimo e Incomum (1991), curta de Sganzerla, realizador sempre instigante e A Reinvenção da Rua, Uma Reflexão, em que Helena Ignez assina seu primeiro documentário.

A “reflexão” é sobre os Sem-teto de Nova York e de São Paulo e está relacionada à obra do arquiteto Vito Acconci, tido como “ícone internacional da Arte Pública”.

O cativante documentário, montado por Rogério Sganzerla – “foi o último trabalho dele”, lembra Ignez – mostra em particular uma instalação realizada durante 60 dias debaixo do viaduto Glicério, em São Paulo, servindo de morada para os desabrigados.

Tributo a Sganzerla

E vale também destacar nessa verdadeira homenagem ao cinema brasileiro o filme O Elogio da Luz – um documentário de média-metragem de 53′ – que traça o percurso humano e artístico de Sganzerla. É um verdadeiro tributo ao cineasta, assinado por Joel Pizzini e Paloma Rocha.

Quem assiste ao filme pode perceber os laços afetivos que ligam os dois realizadores ao cineasta. (Paloma é filha de Helena Ignez, mulher de Sganzerla, e Pizzini é marido de Paloma).

Resta que pela retrospectiva no FIFF se tem uma boa idéia do Cinema Novo e do Cinema Experimental que o sucedeu, “uma boa idéia do cinema por onde atravessou Helena Ignez: basicamente Júlio Bressane e Rogério Sganzerla”, realça Paloma Rocha.

Faltaram, por exemplo, filmes de Nelson Pereira dos Santos, um precursor do Cinema Novo. E de Joaquim Pedro de Andrade veio apenas O Padre e a Moça.

Um cinema de resistência

No entanto, a presença de filmes de Glauber Rocha e Rogério Sganzerla foi valiosa: “Os dois foram os mais intransigentes; filmaram com o corpo, deram a vida pela arte”, destaca Joël Pizzini.

Por seu lado, referindo-se à retrospectiva, José Araújo – que concorreu ao principal prêmio com A Tentação do Irmão Sebastião – lembra a importância de mostrar às novas gerações os filmes antigos “para saber de onde vem uma certa estética, uma certa preocupação…”

E Araújo, autor do surpreendente e elogiado O Sertão das Memórias destaca:”Nos festivais de cinema a gente vê que o pessoal da nova geração já não sabe como o cinema de resistência cresceu nos anos 60 nos países emergentes”.

Ele conclui que a preocupação do Festival de Friburgo é excelente pelo fato de trazer ao público “a história desse tipo de cinema que resiste aos tempos, à globalização e aos poderes do mercado”.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa, de Friburgo

O Festival de Filmes de Friburgo abriu uma janela a quase 50 anos de cinema brasileiro em uma retrospectiva em torno de Helena Ignez, musa de Glauber Rocha e depois de Rogério Sganzerla, dois grandes da cinematografia do Brasil.

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