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Rosas para a cantora sem voz

Dieter se apaixonou pela cantora aos doze anos de idade. swissinfo.ch

A atriz e cantora alemã Hildegard Knef, famosa por suas interpretações em vários filmes controvertidos e sucessos na Broadway, tem um grande fã na Suíça.

Depois do seu falecimento em fevereiro de 2002, Dieter Bornemann resolveu imortalizá-la através de uma exposição no Museu Gay de Berlim.

Seus olhos azuis impressionam. Sua voz encanta. Dieter Bornemann prefere os gestos para explicar como ele venera Hildegard Knef. O suíço coloca seu rosto com carinho ao lado do da atriz e cantora alemã, que está representada num pôster em tamanho natural colocado estrategicamente na entrada do museu.

A exposição que ele organizou em homenagem a Knef é intitulada “Halt mich fest” (Me segure firme). Ela está instalada no Museu Gay em Berlim, uma instituição criada em 1986 e única no mundo. Centenas de objetos expostos foram coletados cuidadosamente por ele desde os doze anos de idade.

Hoje com 50, Dieter manter o ar juvenil e a capacidade de se emocionar. Ele nunca esquece da primeira vez que escutou a canção “Berlin, dein Gesicht hat Sommersprossen” (Berlim, seu rosto tem sardas de verão) cantada por Knef num dos seus famosos álbuns. Sua melodia ficaria para sempre marcada na memória.

Em 1970 ele viveu uma experiência que marcaria sua vida: conhecer Berlim numa viagem com os pais e ver Hildegard Knef ao vivo num show em Zurique. Três anos depois Dieter conseguiria encontrá-la pessoalmente.

– Desde então passei a nutrir uma paixão silenciosa por ela. Uma paixão marcada pela sensibilidade, humor e sobretudo pela linguagem sem palavras, que saem do coração. Esse é um amor que vai além da morte – descreve Dieter.

Mostrar sua coleção ao público é, para ele, não apenas falar sobre uma das mais famosas artistas alemãs, mas também dizer que carreiras como essa já não existem mais.

Multimídia

À primeira vista, a exposição lembra mais o arquivo de um simples colecionador: capas de disco, fotos, reproduções de pinturas, artigos de jornal e até mesmo uma vitrine com alguns objetos curiosos como cílios postiços e óculos em formatos exóticos utilizados pela estrela.

Porém os elementos multimídia, como um vídeo realizado sobre sua vida e alto-falantes que emitem as músicas cantadas por Hildegard Knef com a famosa voz rouca, sua marca registrada – Ella Fitzgerald a qualificava de “a melhor cantora sem voz” – dão uma impressão realmente impactante da sua áurea.

Dessa forma exposição se transforma num local de relembrança para os fãs e de descoberta para as gerações mais novas, que conhecem Knef apenas pelo fato dela ter se tornado ícone dos homossexuais europeus nos anos setenta.

Dieter Bornemann pertence a um grupo exclusivo de fãs, os que a acompanharam durante a carreira, viveram muitas vezes sua presença e que continuam cultuando sua imagem mesmo após a morte.

O jornal popular Bild Zeitung retratou-o numa matéria de capa como “O amigo gay da grande Knef”. Mas na vida profissional, Dieter Bornemann peca mais pela típica descrição helvética: ele trabalha como recepcionista de um banco privado num dos endereços mais finos da Suíça, a Bahnhofsstrasse.

Nudez provoca escândalo

A exposição é montada de forma cronológica e começa com os pontos mais importantes da vida da atriz e cantora. O visitante descobre que sua carreira, assim como a história da Alemanha, é cheia de altos e baixos, tragédias e momentos de glória.

As fotos mostram ela ainda moçinha, encantadora aos 15 anos, quando conseguiu um lugar de aprendiz de animação no UFA, o famoso estúdio de cinema em Berlim. Seus primeiros passos no palco foram dados quando o grande chefe, Wolfgang Liebeneiner, descobriu em 1942 sua talentosa (e bela) funcionária, oferecendo-a um curso de dramaturgia na escola de cinema de Babelsberg.

Dois anos depois Knef começou a ter um caso com Ewald von Demandowsky, considerado o diretor de cinema do “Reich” nazista. Antes mesmo de terminar a Segunda Guerra Mundial, ela chegou a receber os seus primeiros papéis nos filmes “Unter den Brücken” (Debaixo da ponte – 1944) e “Fahrt ins Glück” (Viagem à alegria – 1945)

Em 1946, Knef estreou como artista principal no primeiro filme alemão a ser rodado depois do conflito: “Die Mörder sind unter uns” (Os assassinos estão entre nós – 1946). O sucesso internacional da película levou-a aos Estados Unidos, onde Hollywood lhe ofereceu contrato e chances profissionais. Além de conhecer Marlene Dietrich, seu grande modelo, a atriz também se tornou cidadã americana.

Hildegard Knef retornou em 1950 temporariamente para a Alemanha, onde faria o papel principal no filme “Die Sünderin” (A pecadora). Este seria responsável pelo maior escândalo da Alemanha do pós-guerra, devido à exibição de uma curta cena onde Knef aparece nua. Os protestos da Igreja pela tematização da prostituição no filme e nudez fazem como que o “Die Sünderin” tenha mais de sete milhões de entradas vendidas apenas na Alemanha.

Na época a atriz sofreu com a moral vigente. Foi discriminada a ponto de não poder mais freqüentar lugares públicos como restaurantes. A situação insuportável obrigou-a a sair do país.

Nos EUA, Knef encenou com artistas famosos como Gregory Peck em alguns filmes e realizou 675 apresentações como “Ninotschka”, um papel no musical da Broadway “Silk Stockings”. Nesta época, ela havia sido procurada por Cole Porter, que queria vê-la nos seus palcos. A atriz alegou que não sabia cantar, mas acabou sucumbindo às idéias do autor.

Cantora e o câncer

Enquanto o musical era um sucesso (1954/55), sua vida pessoal mergulhava em crise. Hildegard se separou do primeiro marido e casou com o ator americano David Cameron. A segunda separação lhe custou toda a fortuna. Para ela e sua filha Tinta isto significou um recomeço. Do zero. E desta vez, como cantora.

Em 1963 ela publicou seu primeiro disco “So oder so ist das Leben” (Assim ou assim é a vida). Em 1965, Knef começou a escrever suas próprias canções. O LP “Ich seh die Welt durch deine Augen” (Eu vejo o mundo através dos seus olhos) com letras próprias acabou se tornando um sucesso de vendas. No mesmo ano ela começou a fazer as primeiras turnês.

A partir de então, diversos textos de sua própria autoria se tornariam canções famosas como “Für mich soll’s rote Rosen regnen” (Para mim devem chover rosas vermelhas) ou “Ich bin den weiten Weg gegangen” (Eu caminhei o longo caminho).

Em 1970 ela lançou sua autobiografia “Der geschenkte Gaul” (O cavalo presenteado), um sucesso editorial traduzido em 17 idiomas. Dentre outras, Knef conta como foi obrigada a passar vários dias sozinha ao lado de uma mulher morta num porão de um prédio bombardeado em Berlim ou como se fantasiou de homem para não ser violentada pelos soldados das tropas russas, nos últimos dias da guerra.

Durante as décadas seguintes a cantora lançou outros discos e livros. O “Das Urteil” (A Sentença) foi um relato da sua luta contra o câncer. O livro também se transformou em sucesso e escândalo, sobretudo pela forma aberta como Knef falou da doença e do vício em metadona, uma das conseqüências do tratamento.

Altos e baixos

A partir de 1977 os discos Hildegard Knef já não vendiam tão bem. Ela se divorciou e casou pela terceira vez com um nobre empobrecido. Nessa fase da vida, a estrela entrou em guerra com a mídia. Sua vida dispendiosa, o divórcio e a maneira franca com que falava das operações plásticas – uma das suas frase famosas dizia que “uma operação plástica no rosto é melhor do que valium” enchiam as colunas sociais nos jornais alemães.

Em 1982, ela e a família decidiram abandonar a Europa para refugiar-se em Los Angeles. Numa casa simples, a cantora passou uma boa temporada pintando, escrevendo e, muito raramente, atuando como atriz coadjuvante em filmes de segunda categoria.

Em 1987, Hildegard Knef retornou aos palcos alemães no papel de “Fräulein Schneider”, no musical “Cabaret” de Fred Ebb, que era apresentado no Theater des Westens, em Berlim. Ao retornar à Alemanha definitivamente em 1989, ela já estava falida.

Os últimos anos da sua vida foram marcados pela doença. Com exceção de alguns relançamentos de antigos sucessos e alguns shows esporádicos, a cantora quase não saia de casa. Depois de lutar contra um câncer de pulmão, a fumante inveterada iria falecer em Berlim em 1 de fevereiro de 2002, aos 76 anos.

Sem tempo para orgulho

– Hildegard Knef foi muito importante para o meu amadurecimento. Ele me ajudou a descobrir quem eu sou realmente. Seus sofrimentos e a capacidade de dar a volta por cima depois das tragédias foram o que sempre me chamaram atenção nela – reforça Dieter Bornemann, para explicar por que se sentiu tão atraído pela artista.

No dia em que Hildegard Knef faleceu, seu pai telefonou-lhe para transmitir a triste notícia. Na mesma hora Dieter pegou o avião para Berlim, conseguindo chegar ainda a tempo de jogar as últimas rosas no seu túmulo.

A decisão de montar uma exposição partiu da emoção que sentiu com a perda.

– Não sou um colecionador clássico, mas sim alguém que fez sua própria vida acompanhando a vida de Knef. Agora acho importante compartilhar meus sentimentos com outras pessoas.

O suíço se lembra que ela foi um tipo especial de mulher, a ícone de uma geração de mães e filhas que faziam questão de realçar seu lado intelectual e independente, porém sem deixar de lado a feminilidade. Em Hildegard Knef, ele vê uma típica berlinense que, como Marlene Dietrich, via a vida com o prisma de um humor sarcástico.

Durante uma das últimas entrevistas, Knef respondeu ao repórter que lhe perguntou se tinha orgulho da sua obra. Ela respondeu laconicamente: – “Não! Quem tem tempo para ser orgulhoso de algo, não passa de um desprezível pedaço do nada”.

swissinfo, Alexander Thoele

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