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Jovens já não conseguem comprar casa própria nas cidades

Contornos de uma casa vistos na escuridão
A casa própria continua sendo um sonho não realizado para um número cada vez maior de casais jovens na Suíça. No cantão de Zurique, menos de 10% das pessoas entre 30 e 40 anos de idade têm condições de comprar uma casa. Keystone / Michael Buholzer

Mesmo oferecendo 200 mil francos a mais que o valor estimado, um jovem casal foi recusado na compra de uma casa na Suíça. O caso ilustra a crise habitacional que exclui a classe média do mercado.

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“Vocês simplesmente não quiseram o suficiente.” A declaração da vendedora, uma herdeira, continuou ecoando por muito tempo na mente do jovem casal.

O casal havia feito uma oferta por uma casa geminada em uma cidade suíça de tamanho médio. Uma casa com cerca de 100 anos, que não passava por nenhuma reforma há mais de meio século.

“O valor desse imóvel é de no máximo 1,49 milhão de francos”, dissera o banco. O casal ofereceu 1,7 milhão – mais de 200 mil francos suíços a mais. Não foi o suficiente. Ou, como resumiu a vendedora: “Nem de longe.”

Sonhos frustrados

É uma experiência comum entre muitos casais e famílias na Suíça. A escassez de terrenos, os juros baixos e o fluxo constante de mão de obra vinda dos países vizinhos têm impulsionado cada vez mais a demanda por imóveis.

Os preços de casas e apartamentos próprios explodiram nos últimos anos. Somente entre 2017 e 2024, o aumento médio na Suíça foi superior a 30%.

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Após a pandemia de Covid-19, houve um “salto de preços inacreditável”, diz Ursina Kubli, diretora de pesquisa imobiliária do Banco Cantonal de Zurique (ZKB). As regiões mais procuradas ficaram ainda mais caras. Mas mesmo em áreas remotas os preços subiram. “A maré levanta todos os barcos”, diz Kubli.

Para o ano corrente, o ZKB prevê um aumento de 4,5% nos preços no Cantão de Zurique, e a mesma taxa para 2026. Isso significa: no cantão mais populoso da Suíça, uma casa unifamiliar média ficará mais de 140 mil francos suíços mais cara em apenas dois anos.

As economias dos assalariados comuns já não conseguem acompanhar. Consequência: o sonho da casa própria vai se afastando cada vez mais diante dos olhos da classe média.

Em 2024, segundo o ZKB, apenas 9% dos casais entre 30 e 40 anos conseguiam arcar com o custo de uma casa unifamiliar média no Cantão de Zurique – 4% a menos do que cinco anos antes.

Ricos conseguem acompanhar

Considerando todos os tipos de propriedade, faixas etárias e regiões do país, a taxa de moradia própria na Suíça está hoje em 36% – ou seja, essa é a proporção de pessoas que vivem em imóvel próprio na Suíça. “Esse número diminuiu nos últimos anos”, afirma Robert Weinert, analista-chefe da Wüest Partner.

Essa consultoria comparou salários e preços dos imóveis por região. O resultado: para 58% dos lares suíços com dois adultos economicamente ativos, os preços atuais são altos demais para que possam comprar um apartamento próprio. E uma casa unifamiliar se tornou inacessível para 79% dessas famílias.

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Brunaupark from the air

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“A distribuição desigual de renda e patrimônio faz com que poucos tenham muito dinheiro, mas ainda são suficientes para puxar os preços para cima”, salienta Weinert. Isso vale especialmente para casas unifamiliares.

Pois, em tal segmento, a oferta não cresce mais, mas diminui, ao menos nas regiões centrais, onde casas antigas vêm sendo demolidas e substituídas por empreendimentos com apartamentos próprios.

Claudio Saputelli, chefe de análise imobiliária do grande banco suíço UBS, concorda com a avaliação de Weinert. E acrescenta: comparar a renda média com os preços pagos é olhar para o mercado sob a ótica errada. “Se olharmos apenas para o grupo que consegue comprar uma casa, a situação não parece tão dramática”, aponta Saputelli. Os salários dos que ganham bem conseguem acompanhar a alta do mercado imobiliário.

“Fenda na sociedade”

Os sentimentos que essa disparada dos preços de imóveis desperta na população em geral podem ser vistos com clareza nos comentários nas redes sociais.

No Reddit, por exemplo, um usuário comenta o post de outro que espera comprar uma casa na Suíça da seguinte forma: “Onde é que você quer comprar? Se for em Zurique, esquece… Hoje em dia nada está supervalorizado… É o teu dinheiro que já não vale mais nada.”

Recentemente, o jornal Tages-Anzeiger, de Zurique, publicou a manchete: “Mesmo quem ganha 200 mil francos suíços já não consegue mais comprar um imóvel”. Os países anglófonos chamam isso de housing affordability crisis ou simplesmente housing crisis – crise de acessibilidade à moradia ou crise habitacional. Reino Unido, Estados Unidos e Austrália são apenas alguns exemplos de países que já passaram (ou passam) por essa experiência.

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Casas na Suíça

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Suíços podem ficar sem casa para morar

Este conteúdo foi publicado em De acordo com o jornal NZZ am Sonntag, a Suíça está caminhando para sua maior falta de habitações em 30 anos.

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“A crise está abrindo uma fenda no tecido social”, afirma Christian Hilber, economista especializado em mercado imobiliário e professor na London School of Economics e também na Universidade de Zurique.

Comparada ao Reino Unido, a Suíça, segundo Hilber, está um pouco atrasada em tal crise. Se compararmos os preços de hoje com os da década de 1970, vemos que, corrigidos pela inflação, os imóveis no Reino Unido subiram 405% (do 1º trimestre de 1970 ao 4º trimestre de 2024), enquanto na Suíça o aumento foi “apenas” de 106%.

Hilber atribui isso às restrições de planejamento urbano que há muito tempo freiam a atividade de construção no Reino Unido. Já na Suíça, o ordenamento territorial foi tratado de forma bastante flexível até o início da década de 2010. De fato, boa parte da alta nos preços ocorreu a partir desse período.

Isso também se reflete em uma comparação publicada recentemente pela consultoria Wüest Partner sobre a evolução relativa dos preços de imóveis nos países da OCDE nos últimos 10 anos.

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Formação de patrimônio desigual

Nos Estados Unidos, onde a housing crisis persiste há anos, três quartos da população consideram o acesso à moradia própria um problema crescenteLink externo.

Sarah Dickerson, pesquisadora do Kenan Institute of Private Enterprise, vinculado à Escola de Economia da Universidade da Carolina do Norte, observa um certo desânimo entre as gerações mais jovens. “Ter uma casa própria ainda é uma parte importante do sonho americano, mas cresce a percepção de que esse sonho se tornou inalcançável para muitos.”

Dickerson identifica um dos principais problemas na crescente disparidade entre ricos e pobres. A casa própria, nos EUA, sempre foi, para amplas camadas da sociedade, um instrumento de geração e acúmulo de riqueza. Agora, muitos estão excluídos dessa possibilidade. Só consegue entrar no mercado quem tem pais abastados. Com isso, a desigualdade social tende a se aprofundar a longo prazo.

Vivendo em casa própria

Também na Suíça, muitos patrimônios se formaram a partir da compra de imóveis. No entanto, o peso social da casa própria é menor, devido ao sistema previdenciário e de saúde bem estruturado.

Esse fator se reflete na taxa de proprietários: a Suíça sempre teve índices baixos em comparação internacional. Enquanto pouco mais de um terço da população suíça vive em imóvel próprio, nos Estados Unidos e no Reino Unido essa proporção chega a dois terços. Em países com previdência fraca, como a Romênia, a taxa de propriedade ultrapassa os 95%.

A baixa taxa de propriedade na Suíça é algo incomum, especialmente considerando que o país oferece condições de financiamento extremamente favoráveis. Uma hipoteca, desde que não ultrapasse dois terços do valor do imóvel, não precisa ser amortizada, aliás, há até incentivos fiscais para manter a dívida em aberto.

No entanto, na concessão de hipotecas, os bancos aplicam uma taxa de juro hipotética de 5% para avaliar a capacidade financeira dos compradores. Soma-se a isso 1% do valor do imóvel destinado à manutenção, além dos custos adicionais. A soma desses dois valores não pode exceder um terço da renda bruta anual da pessoa ou do casal, se isso for respeitado, considera-se que a hipoteca é “sustentável”.

As taxas de juros hipotecários são baixas em comparação internacional, atualmente entre 1,4% e 1,6% para hipotecas fixas de dez anos. Com as recentes quedas nas taxas de juros, comprar na Suíça um imóvel voltou a ser mais barato do que alugar, o que alimenta ainda mais a alta dos preços.

Estratégias de compra

Hoje, na Suíça, muitas famílias jovens da classe média só conseguem seguir adiante reduzindo suas expectativas, por exemplo, ampliando o raio de busca por imóveis. E é exatamente isso que tem acontecido, segundo dados de plataformas imobiliárias, afirma Ursina Kubli, especialista da ZKB.

Outra possibilidade é herdar um imóvel da própria família, um cenário bastante comum. “Cerca de metade das casas são transferidas dentro da própria família”, assinala Ursina Kubli.

Uma estratégia viável, bastante difundida no Reino Unido, mas pouco comum na Suíça, é comprar o que se pode pagar, mesmo que o imóvel não seja ideal, com o objetivo de acompanhar a valorização do mercado. Mais tarde, vende-se a casa e adquire-se algo mais adequado.

Por outro lado, esperar por uma grande correção no mercado suíço promete pouco sucesso. Com a contínua imigração vinda da UE e uma taxa de vacância de imóveis que ameaça cair abaixo de 1%, a crise imobiliária no país tende a se agravar.

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Além disso, o dinheiro barato e a instabilidade nos mercados financeiros tornam o chamado “buy to let” (comprar para alugar), especialmente de apartamentos recém-construídos, uma opção atraente. Isso faz com que jovens famílias concorram, na hora da compra de imóveis em regime de condomínio, com baby boomers financeiramente consolidados que querem aplicar seu capital.

Não há sinais de que os preços vão cair tão cedo, essa é a avaliação compartilhada por quase todos os especialistas consultados pela swissinfo.ch.

Saputelli, do UBS, aponta que a única possibilidade de correção no mercado imobiliário seria uma recessão prolongada – cenário que, para famílias de classe média, está longe de ser desejável.

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Debate
Moderador: Marc Leutenegger

Você já sentiu falta de moradia e aluguéis caros?

Na Suíça, falta moradia e os aluguéis disparam. A imigração cresce, mas a construção não acompanha. Gentrificação avança e a crise habitacional se agrava. Acontece o mesmo onde você vive?

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Edição: Balz Rigendinger

Adaptação: Karleno Bocarro

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