
Vai sobrar armas no mercado

Soldados na Suíça têm direito a um presente muito especial do exército ao cumprir o serviço militar obrigatório: suas armas pessoais. Nenhuma lei os impede de vender os fuzis e pistolas nos classificados.
Essa falha coloca as autoridades numa posição desagradável. Especialistas alertam para o perigo.
Em cada suíço esconde-se um soldado. O exército de milícia é uma tradição arraigada, que nem os últimos plebiscitos populares conseguiram extinguir.
A Suíça não é o único país a adotar esse sistema de defesa, porém a diferença está no detalhe: os jovens se alistam aos 18 anos e só terminam de cumprir o serviço aos 30. Durante esse período, ele guarda o equipamento militar em casa, incluindo a baioneta, o fuzil e a pistola.
Depois de quitar suas obrigações, muitos dos ex-soldados decidem se apropriar do material. Não só isso é permitido por lei, como o exército ainda oferece os formulários necessários para o trâmite. A única condição é que as armas sejam travadas por especialistas.
Falha na lei
Como mostra uma pesquisa realizada com soldados em Zurique, 57% destes levam seus fuzis para casa depois de cumprir o serviço militar. No caso das pistolas o número é maior: 75%.
Porém os tempos mudaram. O exército suíço quer reduzir seus efetivos de 500 mil soldados regulares para apenas 100 mil. Até o final de 2005, todos os recrutas nascidos antes de 1974 serão dispensados. No ano passado, 120 mil jovens receberam sua carta de dispensa.
Esse esvaziamento geral das casernas tem o seu lado negativo: nos últimos três anos, mais de 150 mil fuzis e pistolas foram dados de presente aos reservistas. De acordo com estatísticas oficiais, 324.484 armas militares estão em posse de cidadãos suíços, o que transforma o país num dos mais armados do planeta. E manter uma arma em casa não exige nem documento de porte. A nova lei de armas, que entrou em vigor a partir de 1999, se esqueceu desse detalhe.
Fuzis nos classificados de jornal
Guido Balmer, porta-voz do Ministério da Justiça, lembra que tudo é permitido por lei: – “Pelo artigo dois, as forças armadas na Suíça não colocam restrições para a posse de armas militares”. Seus proprietários podem não apenas mantê-las nos armários, como também vendê-las, como mostra uma investigação informal realizada pelo jornal suíço “Tagesanzeiger”.
Muitos comerciantes de armas recebem diariamente ofertas dos ex-soldados. Porém como suas armas não são valorizadas nos círculos de colecionadores, seus preços são consequentemente reduzidos.
A única medida prevista pelo governo para controlar a circulação do material é a criação de um banco de dados. Este irá registrar todas as compras e vendas de armamentos no país.
Críticas de várias organizações
Muitos grupos pacifistas e organizações criticam a política liberal de armas na Suíça. O argumento mais importante é o número elevado de suicídios e violência conjugal. Muitos acidentes graves são provocados por armas militares esquecidas nos armários. Martin Killias, professor e criminalista na Universidade de Lausanne, é um dos defensores mais arraigados da introdução de restrições ao porte de armas na Suíça(ver reportagem “Suíça é supermercado de armas”).
Por outro lado, colecionadores, políticos de direita e os tradicionalistas defendem a liberdade da posse de fuzis e pistolas militares. Além de ser uma tradição helvética, seus porta-vozes lembram que o cidadão suíço sabe lidar com armas e que são muitos poucos os casos de crimes cometido com armamento do exército.
swissinfo, Daniele Papacella e Alexander Thoele
324.484 fuzis e pistolas militares estão nas casas de ex-recrutas do exército suíço.
Calculam-se mais entre 1,2 e 3 milhões de armas em circulação na Suíça.
Oficialmente, para cada 100 habitantes, 16 armas estão registradas na polícia. O número de armas não-registradas é muito maior.

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