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Törbel inspira gestão de bens comuns há 500 anos

Foto colorizada de um vilarejo alpino
Törbel é uma comuna (município) no cantão do Valais, a cerca de 1.500 metros acima do nível do mar. Imagem tirada em abril de 1942. Eth-Bibliothek Zürich, Bildarchiv / Fotograf: Witmer, Hans / Dia_338-094 / Cc By-Sa 4.0

Um vilarejo no alto dos Alpes do cantão do Valais se tornou referência mundial na gestão sustentável de bens comuns. Suas práticas inspiraram a primeira mulher a ganhar um Prêmio Nobel de Economia e hoje influenciam desde cooperativas até plataformas digitais, servindo de modelo para a governança participativa no século 20.

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Em 1483, agricultores de um vilarejo nos Alpes firmaram um contrato referente ao uso da água e das pastagens. Esse contrato demonstrou ser tão sustentável que os defensores do código abertoLink externo (open source) da Mozilla Foundation, conhecida pelo browser Firefox, agora querem aplicar os mesmos princípios aos bens comuns digitais. Como isso aconteceu?

Grandes prados e florestas em muitas regiões da atual Suíça têm sido administrados coletivamente por populações locais há mais de 500 anos. Especialmente nas regiões montanhosas, essas corporações e comunidades ainda administram as terras agrícolas compartilhadas conhecidas em alemão como AllmendenLink externo de acordo com regras claras e princípios sustentáveis.

Foi isso que os agricultores fizeram durante séculos no em Törbel, uma pequena vilarejo na encosta dos Alpes no cantão do Valais (sul da Suíça).

Conteúdo externo

No entanto, Törbel é famosa entre os estudiosos, principalmente por causa do tratado de 1483.

Africanista na Suíça

Um especialista a chamou de “a aldeia superpesquisada”. Inicialmente, acadêmicos de Zurique se interessaram por Törbel. Mas em 1970, chegou o americano Robert McC. Netting. “Por que um antropólogo e africanista vai para a Suíça Alpina?” Essa pergunta lhe era feita com frequência, diz ele no livro “Balancing on the AlpLink externo“.

Nos 10 anos desde sua primeira visita até a publicação deste livro, Netting passou cerca de um ano e meio na aldeia, mas também “um verão em um escritório universitário sem janelas”, onde preencheu fichas com os dados biográficos daqueles que viveram em Törbel ao longo dos séculos.

O “universo da aldeia não é muito grande, mesmo se expandido para três séculos”, afirma Netting no seu livro. O cosmos administrável foi uma das razões pelas quais o africanista, que já havia pesquisado os Kofyar no norte da Nigéria, chegou a Törbel. Netting estava interessado em como a comunidade agrícola de pequena escala forma um ecossistema com seu ambiente.

A obra de Netting retrata muitas facetas de uma comunidade bastante homogênea. Em Törbel, a impressão de Netting era de que “pelo menos nos últimos sete séculos, não houve aristocracia estabelecida ou classe proprietária de terras, apenas alguns artesãos ou comerciantes em tempo integral e nenhum grupo reconhecível de trabalhadores sem terra”. Era uma aldeia puramente agrícola.

Mulheres de fora podiam se casar com membros da aldeia, “mas o padre era sempre alguém de fora”, diz Netting. Até mesmo a orientação política era herdada “de pai para filho” no microcosmo de Törbel. Netting estava interessado em muitos aspectos da vida comunitária. Mas, acima de tudo, sua pesquisa mostrou como a população de Törbel convivia com seu ambiente e praticava uma agricultura na qual as terras comuns desempenhavam um papel fundamental. Desde o tratado de 1483, o uso compartilhado de prados, florestas e cursos d’água era claramente regulamentado.

Elinor Ostrom e seus princípios

Isso também despertou o interesse da cientista política Elinor Ostrom. Ostrom recebeu o Prêmio Nobel de Economia de 2009 pelo trabalho intitulado: ” Governando os Comuns: A evolução das instituições de ação coletiva”. Nesta obraLink externo, publicada em 1990, Ostrom desenvolveu critérios para a gestão bem-sucedida dos bens comuns.

Um homem dando um prêmio a uma mulher
Elinor Ostrom recebendo o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas das mãos do Rei da Suécia. Pontus Lundahl / AFP

Törbel é o primeiro e fundamental estudo de caso do livro. Ostrom também se concentrou em aldeias montanhosas japonesas, na Espanha e nas Filipinas. Em todos os lugares, ela descobriu sistemas que permitiam às comunidades gerir os bens comuns de forma sustentável, seja com milhões de hectares de terra nas aldeias de Hirano, Nagaike e Yamanaka, ou no Tribunal de Águas de ValênciaLink externo.

Ostrom escreveu em 1990 que a análise dos estudos de caso poderia proporcionar uma “compreensão mais profunda” de como as pessoas moldam situações “nas quais devem tomar decisões dia após dia e arcar com as consequências de suas ações”.

A pesquisa de Ostrom conferiu à tradição e ao conhecimento intergeneracional de Törbel um lugar no mundo. Tornou o povo de Törbel portador de um conhecimento que poderia melhorar a coexistência em outros lugares.

Antes disso, o consenso era de que quando múltiplos proprietários administram os mesmos bens, todos os atores desejam extrair o máximo possível para si e, assim, superexplorariam a propriedade comum. Mas Ostrom derivou princípiosLink externo de sua pesquisa que impedem que os bens comuns sejam degradados e que a “tragédia dos bens comuns” siga seu curso. Isso inclui limites claros entre usuários e não usuários dos bens comuns, bem como a coordenação com as condições sociais e ecológicas locais.

Corporações rurais e cooperativas urbanas

Törbel é uma comunidade rural. SegundoLink externo o historiador Daniel Schläppi, essas corporações de bens comuns têm muito mais em comum com as cooperativas urbanas de esquerda do que qualquer um dos grupos esteja ciente. Esta conscientização certamente ocorreu após a publicação da pesquisa de Ostrom.

Não apenas os defensores do código aberto da Fundação Mozilla, que defendem os bens comuns na internet, estão estudando as descobertas de Ostrom, mas também a Aliança Cooperativa InternacionalLink externo e, com ela, cooperativas em todo o mundo.

Vista aérea de uma área de pastos alpinos
O uso conjunto de prados, florestas e canais de água em Törbel estava claramente regulamentado desde 1483. Eth-Bibliothek Zürich, Bildarchiv / Stiftung Luftbild Schweiz / Fotograf: Swissair Photo Ag / Lbs_L1-823234 / Cc By-Sa 4.0

“Pilares da Suíça” para Albert Rösti

O ministro suíço do Meio Ambiente, Albert Rösti, recentemente chamou os princípios de Ostrom de “pilares da Suíça”.

Em maio de 2025, o agrônomo e político do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão) discursou na Associação de Empresas Suíças sobre Törbel e como as condições para o funcionamento de comunidades com propriedade compartilhada foram criadas com base em seu exemplo.

Rösti apresentou as regras claras exigidas por Ostrom de maneira análoga ao Estado constitucional suíço. Rösti vinculou os “limites claros” à “soberania e independência”. A auto-organização e a tomada de decisões participativa estariam em consonância com a democracia direta na Suíça. Levar em conta as circunstâncias locais é o que Rösti chama de “federalismo”, disse ele.

As corporações continuam sendo um ator importante na “economia moderna” até hoje, mas elas também moldaram os “princípios do nosso Estado”. A Suíça, disse Rösti, não existiria “em sua forma atual” sem a “longa história das corporações”. (As citações foram retiradas do texto do discurso.)

Acolhimento em Törbel

O fato de esses “pilares da Suíça” terem se tornado parte do conhecimento mundial também se deve à abertura do povo de Törbel, que já havia acolhido cientistas há 50 anos.

Netting era um “amigo dedicado a nós, moradores simples das montanhas”, de acordo com uma cartaLink externo de Törbel para a esposa de Netting.

Foto preto e branco de um grupo de homens e mulheres
Elinor Ostrom, ganhadora do Prêmio Nobel, em sua recepção em Törbel, em 14 de abril de 2011. Archiv Gemeinde Törbel

Em 2011, Ostrom chegou a receber uma grande recepção no vilarejo. O economista Bruno S. Frey, que ainda considera a pesquisa de Ostrom inovadora, relembra o “desfile com uma orquestra através do vilarejo”.

Para Ostrom, que faleceu em 2012, esse foi um momento único, disse ela a Frey após a cerimônia em Törbel. Até o momento, Elinor Ostrom continua sendo a única mulher a receber o Prêmio Nobel de Economia.

Europa de olho em Törbel

Hoje, uma nova geração de cientistas está na vila. Atualmente, parte de um projeto Horizonte EuropaLink externo em Törbel está investigando como as regiões rurais podem lidar com a “emigração e a crescente exclusão digital em comparação com as áreas urbanas” e se tornarem “ecossistemas de inovação”.

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São as “instalações comunitárias de longa data e bem documentadas que continuam funcionando até hoje” que fazem os cientistas voltarem a Törbel, disse Mariana Melnykovych, que lidera o projeto. Ela e sua equipe querem usar as mesmas abordagens de Netting em Törbel, mas também incorporar inovações e as mudanças climáticas. A pesquisa de Ostrom, por sua vez, desempenhou um papel na escolha de Törbel.

“Törbel é um lugar pequeno com um grande impacto”, diz Melnykovych. Os pesquisadores aqui podem observar como “as comunidades rurais se adaptam às mudanças, preservando valores sociais e ecológicos fundamentais”.

Aqui, ela e sua equipe não estão simplesmente olhando para o passado. “Trata-se de aprender como uma aldeia enraizada na história está dominando o futuro: com seu povo, seu conhecimento e seus bens comuns intactos”, diz Melnykovych.

Edição: David Eugster

Adaptação: DvSperling

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Debate
Moderador: Benjamin von Wyl

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