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A luta contra o racismo é possível

A conferência que ocorreu em Genebra é assimilada a um pequeno sucesso contra o racismo. Reuters

Apesar de um ambiente deletéreo, a conferência antirracista da ONU em Genebra permitiu reafirmar um consenso internacional.

A declaração final possbilitará à sociedade civil exigir a prestação de contas dos Estados que a adotaram, mesmo se várias formas de discriminação foram descartadas do texto adotado.

Tudo levava a crer que seria um grande fracasso. A adoção por aclamação terça-feira da declaração final da Conferência de Exame de Durban, encerrada sexta-feira, constitui um pequeno milagre.

Apesar do contexto tenso que dominou os preparativos de uma conferência dividida entre as propostas geralmente liberticidas de alguns regimes ditatoriais e as ameaças de boicote dos países ocidentais, essa declaração demonstra que continua possível obter um consenso internacional sobre um tema sensível. É a opinião de Yves Lador, consultor suíço especialista em direitos humanos.

O laborioso trabalho de negociação de cada palavra e cada parágrafo da declaração, considerando os interesses políticos e geoestratégicos dos Estados e grupos regionais, resultou em um texto de certa coerência e substância.

Mobilização europeia

“Essa declaração não um grande documento, mas é um bom texto que pelo menos não registra qualquer recuo dos direitos humanos”, constata por sua vez Adrien-Claude Zoller. Para explicá-lo, o diretor do Instituto Genebra pelos Direitos Humanos sublinha a forte mobilização dos países europeus, inclusive a Suíça. “Desta vez, os europeus, minoritários, lutaram com todas as forças.”

Human Rights Watch, a ONG internacional mais envolvida na conferência e em seus preparativos, vai na mesma direção.

“O antagonismo entre os países ocidentais e os países muçulmanos – reforçado desde 2001 em detrimento das minorias muçulmanas – foi superado. Esse documento comunica uma mensagem de unidade e de tolerância. Ele demonstra o isolamento do presidente iraniano”, afirma Juliette Rivero, diretora da seção de Genebra da Humain Rights Watch, referindo-se à propaganda incendiária de Mahmoud Ahmadinejad na abertura da conferência, segunda-feira.

Segundo alguns observadores, o presidente iraniano veio a Genebra no contexto de sua campanha para as eleições presidentes de junho, no Irã.

Um documento sólido

“Esse texto é um documento sólido para a luta antirracista e deverá, portanto, ter o apoio dos países que boicotaram a conferência”, garante Juliette Rivero.

Ela acrescenta: “a declaração coloca a liberdade de expressão no centro do combate antirracista. O antissemitismo é claramente denunciado. Os Estados também são claramente incitados a respeitar os direitos humanos nas medidas que tomam em relação aos migrantes e aos sem-papéis. Esse assunto ainda era tabu em 2001, em Durban.”

Isso não é tudo. “Os governos são incitados a lutar mais duramente contra os grupos de extrema direita. Há ainda um apelo a favorecer a integração dos jovens oriundos da emigração. Vários parágrafos são dedicados à proteção das mulheres e dos empregados domésticos, quando os direitos humanos são violados”, afirma ainda a militante dos direitos humanos.

Engajamento estatal

Claro, a declaração de Durban II não é obrigatória. Mas ao adotá-la os governos se comprometem a aplicá-la no plano nacional. “As ONGs poderão pedir contas aos Estados para que respeitem seus compromissos”, afirma Juliette Rivero.

Adrien-Claude Zoller sublinha, por sua vez, o reforço do Comitê pela eliminação da discriminação racial, um dos instrumentos que permitirá verificar os compromissos dos Estados.

Até a ausência da declaração da ideia de um Observatório do Racismo é vista como positiva. A Argélia queria que as linhas diretrizes desse observatório fossem fixadas pelo Conselho dos Direitos Humanos, instância da ONU em que os regimes autoritários conseguem frequentemente impor seus pontos de vista.

Para obter o consenso, esse projeto não consta da declaração. “A Alta Comissária para os Direitos Humanos, que defende esse projeto, poderá portanto elaborá-lo em total independência, o que ela prometeu fazer”, destaca Adrien-Claude Zoller.

Numerosas frustrações

No entanto, a declaração adotada em Genebra tem grandes lacunas. Várias comunidades de vítimas de discriminação ficaram de fora. É o caso dos intocáveis na Índia e no Japão, e dos homossexuais.

“Da mesma forma que a difamação das religiões, a questão dos homossexuais vai continuar a ser utilizada por alguns regimes autoritários para fustigar os países ocidentais e seus costumes considerados decadentes”, explica Yves Lador.

Ao rejeitar o tema das indenizações para os países espoliados pela escravidão e a colonização, os países industrializados continuam, por sua vez, a alimentar uma frustração que voltará ao Conselho dos Direitos Humanos ou outras instâncias internacionais.

A mesma constatação é feita para o conflito israelo-palestino, cuja ausência no documento final provocou protestos de uma dezena de ONGs árabes

Sinais de abertura

A comunidade internacional mantém portanto as grandes linhas de fratura, mas, como afirma David Sylvan, os primeiros passos do presidente Barack Obama, na direção de uma abertura, vão no sentido de uma menor tensão internacional.

“O presidente norte-americano parece determinado a obter um acordo de paz no Oriente Médio no prazo de quatro anos, com a criação de um Estado palestino viável”, afirma Sylvan, professor no Instituto de Altos Estudos Internacionais e do Desenvolvimento.

Ausentes da conferência antirracista em Genebra, os Estados Unidos serão candidatos ao Conselho dos Direitos Humanos, o que permitirá de reequilibrar a relação de forças dominantes atualmente.

swissinfo, Frédéric Burnand, Genève

Balanço. Em margem da conferência, a Comissão Federal contra o racismo fez um balanço positivo da situação na Suíça.

Discriminação. A Suíça não tem um programa de ação nacional. A interdição geral da discriminação não consta do direito civil.

Vítimas. O número de serviços de atendimento às vítimas de racismo é muito limitado e falta apoio financeiro do Estado.

Sanções. A justiça não sanciona suficientemente os atos racistas em política e a recusa de acesso aos estabelecimentos públicos.

Estado.A administração federal ainda não integrou suficientemente a luta contra o racismo.

Luta. Os pontos positivos são a criação de um serviço de luta contra o racismo no Ministério do Interior, a menção de proíbe a discriminação nas novas constituições estaduais (cantonais) e as medidas de sensibilização dos policiais.

Esforços. A Comissão saúda ainda os esforços para acompanhar o problema, as formações propostas no setor de saúde e acordo escolar chamado de HarmoS.

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