Em Fukushima, o medo de ser visto como um pária
O desastre nuclear de Fukushima traumatizou os moradores das proximidades. Um psiquiatra de Tóquio se instalou na região para ajudá-los. Ele procura incentivar especialmente a reconstrução dos laços sociais rompidos pelo desastre.
O Dr. Arinobu Hori trabalha como psiquiatra em uma clínica em Minamisoma, a 24 km ao norte de Fukushima Daiichi, onde uma usina nuclear explodiu em março de 2011. Com a ajuda da ONG “Minna no tonarigumi” (“grupo de vizinhança para todos”), criada por ele mesmo, o especialista organiza seminários, refeições, passeios e outras atividades de grupo para sensibilizar a população sobre as doenças psíquicas.
O Dr. Hori encoraja as pessoas a abrir o coração e exteriorizar seus sentimentos, mesmo que elas “não gostem de fazê-lo por causa de sua cultura tradicional”. “Porque é extremamente perigoso guardar em si o desespero de ter perdido tudo e o sentimento de medo constante”, disse Arinobu Hori, autor de vários estudos sobre depressão crônica no contexto sócio cultural japonês.
Na região de Fukushima, mais de 160.000 pessoas tiveram que abandonar suas casas para escapar dos perigos da radioatividade.
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Fukushima: “uma tragédia humana”
swissinfo.ch: Estamos impressionados com o número de mensagens de leitores que expressam um medo constante, especialmente, uma preocupação com a saúde das crianças. O senhor vê a mesma emoção em seus pacientes?
A. H.: Eu tenho certeza que todos os moradores da província de Fukushima estão preocupados, mesmo se eles não falam.
Existem diferentes tipos de ansiedade: a da saúde a longo prazo das crianças, que é a mais forte e a mais comum, mas também sobre a sua própria saúde. As pessoas também se preocupam com a radioatividade nos alimentos e no meio ambiente. A ideia de que a usina possa explodir novamente também assusta muitos. Enfim, muitas pessoas em Fukushima temem que as de outras prefeituras comecem a ter preconceito contra elas. Elas temem ser tratadas como párias.
swissinfo.ch: Muitos moradores guardam essas emoções há dois anos e provavelmente isso vai durar muito mais tempo. Esta é uma situação nunca vista no Japão. Que tipo de doença psíquica podemos ver aparecer?
A. H. É verdade que a experiência que o Japão está passando é a primeira vez. Podemos constatar que as pessoas que já apresentavam uma doença psíquica recaíram novamente após a catástrofe, um fenômeno de fácil compreensão. Há também casos de depressão e dependência de álcool.
Outro fenômeno já observado em Kobe, em 1995, é que as pessoas estão morrendo completamente sós, sem nenhum próximo ao seu lado.
swissinfo.ch: Uma mulher evacuada foi autorizada a ir para casa uma vez a cada três meses. Ela escreveu: “olhando o jardim com as ervas daninhas e pensando no meu futuro roubado onde poderíamos viver aqui com meus filhos e netos, eu me sinto como se estivesse vendo meu próprio funeral”. Como o senhor interpreta estas palavras?
A. H. Perder o lugar de seu nascimento, e o sentimento de vazio que está associado, é um tema familiar na psicologia. Para o povo de Fukushima, que sempre cultivou a terra, o lugar de origem é algo absoluto e valioso.
Para esta mulher, é ainda mais difícil, já que que ela enfrenta esse processo de perda de três em três meses.
Alguns não conseguem suportar esta situação. Recentemente, dois homens se suicidaram em casa quando voltaram.
swissinfo.ch: Mas as pessoas também ficaram preocupadas e desesperadas durante o terremoto de Kobe. Em que o desastre de Fukushima é único?
A. H. A ruptura social é um fenômeno peculiar a Fukushima. Após um desastre natural, como Kobe, todos sofrem, mas ao mesmo tempo se reúnem para a reconstrução. Em Fukushima, a radioatividade mudou tudo. Isso tem causado o colapso da família e da comunidade.
Em alguns municípios, os idosos ficam e os jovens estão saindo. Um casal nem sempre partilha a mesma preocupação sobre o efeito da radioatividade e da evacuação. Ou então, se critica algum conhecido que deixou Fukushima. As diferenças no montante da indemnização, calculada com base nos níveis de contaminação, também causou divisões entre bairros.
As pessoas evacuadas vivem agora em um lugar onde elas não conhecem seus vizinhos. Elas não podem falar da sua ansiedade, de suas dificuldades.
Nascido em Tóquio, em 1972, Arinobu Hori graduou-se em medicina na Universidade de Tóquio em 1997.
De 1997 a 1999, trabalhou no Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em Tóquio, e depois até 2003 em diversos hospitais e clínicas da capital japonesa.
Entre 2003 e 2008, o hospital “Kawagoe Dojinkai”, em Saitama (perto de Tóquio), o engaja em um programa baseado na ideia de “comunidade terapêutica” para reintegrar doentes crônicos na sociedade.
De 2008 a 2012, realizou uma pesquisa sobre depressão crônica, especialmente na análise do mecanismo mental de um ângulo sócio- cultural no Hospital Universitário Teikyo de Tóquio.
Em 2012, se mudou para Minamisoma para trabalhar na clínica “Hibarigaoka byoin”, localizada a 24 km ao norte da usina nuclear de Fukushima.
Atualmente trabalhando como psiquiatra, fundou a organização “Minnna no Tonarigumi (grupo de vizinhança para todos)” para renovar os laços sociais entre as pessoas.
swissinfo.ch: O senhor menciona as diferentes atitudes da população com relação ao perigo da radioatividade. O senhor não acha que isso é porque as autoridades não fornecem informações consistentes e transparentes sobre a questão?
A. H.: Sim, isso é bastante justo. Os japoneses tiveram a impressão que as autoridades retiveram as informações logo após a explosão da usina.
O acidente em si foi causado pela mentalidade japonesa e especialmente a da classe dominante. Atualmente, o Japão tem muita dívida, mas os líderes não tomam as medidas adequadas. A sociedade é velha, mas não ajuda a geração mais jovem. Esta mentalidade de não tomar decisão, típica dos japoneses, foi se acumulando e acabou se sobressaindo no acidente de Fukushima.
É a classe dominante que tem que mudar o seu modo de funcionamento. Mas até que essa mudança aconteça, as pessoas precisam assumir o controle de seu futuro. Esta mudança é difícil para a sociedade agrícola muito tradicional de Fukushima.
É por isso que eu vim aqui para ajudar, organizando reuniões, festas para renovar os laços da sociedade.
swissinfo.ch: Mas se o senhor renovar os laços sociais para reconstruir os grupos no modelo tradicional, as atitudes não vão evoluir…
A. H: Aqui em Fukushima, não estou tentando a solução radical de destruir o sistema da sociedade agrícola tradicional. No momento, a população de Fukushima começa a dar o primeiro passo para a reconstrução, mantendo a sua velha mentalidade que se identifica completamente com grupo social de origem e as pessoas estão dispostas a dar tudo para o grupo.
Então, se eu puder ajudar a empurrar um pouco as mentalidades para a independência, mantendo os bons aspectos da sociedade “arcaica”, eu ficarei muito feliz.
Adaptação: Fernando Hirschy
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