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“Um papa corajoso que deu um novo impulso à Igreja”

O Papa
Um acidente vascular cerebral (AVC) e colapso cardiocirculatório foram a causa da morte do Papa Francisco. Ele tinha 88 anos. Keystone

O papa Francisco morreu nesta segunda-feira aos 88 anos, anunciou o Vaticano. Para Didier Grandjean, seminarista e ex-membro da Guarda Suíça Pontifícia, embora o tempo ainda seja necessário para uma avaliação completa, já está claro que o pontificado de Francisco marcou um ponto de virada na evolução da Igreja Católica.

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swissinfo.ch: Você conhecia bem o papa Francisco. Onde o conheceu?

Didier Grandjean: Eu conhecia relativamente bem o papa Francisco, no sentido de que o via quase todos os dias durante meu serviço no Vaticano como guarda suíço. Depois entrei no seminário, onde ele continuou a me acompanhar de diferentes formas. E voltei a vê-lo várias vezes depois de deixar a Guarda.

O Papa apertando a mão de um homem
Desde que entrou no seminário, Didier Grandjean teve várias oportunidades de falar com o Papa. zVg

swissinfo.ch: Como o papa Francisco era visto dentro da Guarda? Essa percepção era diferente da de seu predecessor Bento XVI, sob cujo pontificado você também serviu?

D.G.: É verdade que houve uma mudança no sentido de que as pessoas viam muito mais o Francisco. Isso se deveu essencialmente ao fato de que ele vivia na Residência Santa Marta (um hotel próximo à Basílica de São Pedro) e não no Palácio Apostólico.

Francisco se aproximava facilmente dos guardas para trocar algumas palavras e era alguém que também fazia muitas brincadeiras. Por isso tivemos uma relação bastante próxima com ele. Na verdade, Francisco considerava os guardas postados em frente aos seus aposentos como “membros da sua família”. Pelo menos, era isso que dizia.

swissinfo.ch: O Papa também tinha uma relação especial com a Suíça?

D.G.: Acho que ele tinha uma relação especial com a Suíça devido à Guarda. Todos os anos, quando os novos soldados prestam juramento, um membro do governo suíço, por vezes até o próprio presidente da Confederação, encontra papa. A Suíça é o único país que realiza um encontro de mais alto nível todos os anos.

Além disso, o papa Francisco conhecia muito bem a situação nas diferentes dioceses suíças, acredito que também por meio dessa relação com a Guarda.

O Papa chegando de avião em um aeroporto e sendo recebido por pessoas
O Papa Francisco visitou a Suíça uma vez. Ele é mostrado aqui sendo recebido pelo então presidente da Confederação, Alain Berset, quando aterrissou em Genebra em 21 de junho de 2018. Keystone / Peter Klaunzer

swissinfo.ch: Quando foi eleito, Francisco foi imediatamente visto como um papa diferente. Foi descrito como “amigo dos pobres”, “pacificador” e “progressista”. O restante de seu pontificado confirmou essa visão inicial?

D.G.: Sempre há caricaturas quando um papa é eleito, para o bem ou para o mal. No caso de Francisco, alguns aspectos estavam corretos, em especial sua preocupação com os pobres e seu jeito muito simples de ser.

Mas no começo talvez ele fosse visto como uma espécie de “vovô”. Depois percebemos que não era bem assim, mas sim alguém com muita personalidade, que podia ser muito firme em suas posições. E quando se tratava de temas sociais, estava claro que ele era muito tradicional. Esses dois aspectos coexistiam. Francisco era muito mais complexo do que as pessoas diziam. A visão sobre seu pontificado mudou pouco.

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O mundo de luto pela morte do papa Francisco

Este conteúdo foi publicado em Francisco, o primeiro papa latino-americano, morreu nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, após mais de uma década de um pontificado muito popular entre os fiéis, embora tenha enfrentado uma oposição ferrenha dentro da própria Igreja Católica.

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swissinfo.ch: Falando de temas sociais, temos a questão do papel da mulher na Igreja. Francisco mudou algo nesse sentido?

D.G.: Sim, porque nunca houve tantas mulheres em cargos-chave no Vaticano. Por exemplo, há pouco tempo ele nomeou uma mulher para chefiar a administração pública. Ele realmente deu mais importância e espaço para as mulheres.

Ele também reafirmou a necessidade de uma reflexão teológica sobre o papel das mulheres na Igreja. No último Sínodo, as mulheres estiveram bem representadas. Portanto, iniciou-se uma dinâmica, mas está claro que é um processo longo e que a ordenação de mulheres não está na pauta.

swissinfo.ch: Outro tema é a questão dos abusos sexuais na Igreja. Houve avanços nessa área delicada?

D.G.: Também aí houve avanços, sobretudo no que diz respeito ao direito canônico e sua aplicação. Bento XVI já havia lançado em grande parte as bases dessa evolução em direção a um maior rigor. O papa Francisco reafirmou várias vezes que esses atos são intoleráveis. Comissões e órgãos foram criados para garantir mais transparência. Vimos isso particularmente no caso do abade Pierre. O papa se pronunciou imediatamente, sem esconder nada.

swissinfo.ch: Francisco também enfatizou a promoção da paz. Que conclusões podemos tirar em um mundo cada vez mais instável?

D.G.: A diplomacia, por sua própria natureza, precisa ser algo discreta. O que sei por ter vivido no Vaticano naquela época é que, por exemplo, no contexto da guerra civil na Colômbia ou no acordo entre os Estados Unidos e Cuba em 2016, o Vaticano esteve presente nas negociações. O papa Francisco estava muito atento a essas questões e se envolveu bastante. Sua contribuição foi essencial para encontrar soluções. A diplomacia do Vaticano sob o papa Francisco foi muito ativa, especialmente com o apoio do secretário de Estado, o cardeal Pietro Parolin, que é um diplomata de carreira.

Natural de Gruyère, no cantão de Friburgo, Didier Grandjean entrou para a Guarda Suíça Pontifícia em 2011 e a deixou em 2019. Serviu primeiro sob Bento XVI e depois sob Francisco, a partir de 2013.

Ascendeu ao posto de vice-cabo e foi assistente do porta-voz da Guarda.

Em janeiro de 2023, foi leitor nas exéquias do papa emérito Bento XVI.

Didier Grandjean é seminarista da diocese de Lausanne, Genebra e Friburgo. Ele fala sobre sua vocação neste artigo publicado no site Vatican NewsLink externo.

swissinfo.ch: O que o senhor destacaria do seu pontificado?

D.G.: Nós vamos precisar de tempo para compreender plenamente as consequências desse pontificado. Em todo caso, acredito que a aproximação do papa Francisco com as sociedades muito descristianizadas do Ocidente foi mais aberta do que a de seus predecessores. Ele também esteve muito atento ao que acontecia em outras regiões do mundo, como a Ásia e a África. Acho que o papa Francisco nos ajudou a pensar de forma mais ampla, mais global.

Ele fez um apelo especial para que as pessoas na Europa despertem e compreendam que, embora a situação local às vezes pareça desesperadora, é preciso adotar uma visão mais ampla e reconhecer o dinamismo da Igreja em outras partes do mundo. Nomeou cardeais em países que nunca haviam tido um representante no Colégio Cardinalício. Durante seu pontificado, a expansão da Igreja, já iniciada por seus predecessores, ganhou novo fôlego e vitalidade.

Ele também abordou algumas questões difíceis, como os abusos na Igreja e as finanças do Vaticano. Foi um papa corajoso que não fugiu de nada e que deu um novo impulso à Igreja, embora isso leve tempo para ser percebido.

Edição: Samuel Jaberg

Adaptação: Alexander Thoele

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