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Um filme sobre a geração que habita na internet

Esmir Filho em Locarno. swissinfo.ch

Um Brasil desconhecido e distante das capitais. A rede virtual unindo jovens, cujos problemas e perguntas são hoje universais. Esmir Filho concorria a um Leopardo de ouro com um enredo moderno e sombrio, onde a música tem o papel fundamental.

A transposição às telas de “Os Famosos e os Duendes da Morte” ocorre por encontros e descobertas na internet feitas pelo diretor, que chega a chamar o filme de “movimento”.

A frase mais marcante do filme não é falada. O jovem personagem digita as palavras durante um chat na internet, enquanto a mãe reclama sua presença na mesa de jantar. “Longe é o lugar que a gente vive de verdade”, escreve ao interlocutor anônimo. As cenas que se seguem mostram um mundo bucólico de uma pequena cidade no interior. Os dias são frios e sempre encobertos pela neblina. Para a juventude, o tédio é somado à vontade de partir para bem longe. E muitas vezes, a única saída é a ponte de vinte metros de altura.

A melancolia tão marcante de “Os Famosos e os Duendes da Morte” é um dos aspectos que mais surpreende no primeiro longa-metragem de Esmir Filho, sobretudo para quem esperava no Festival Internacional de Cinema de Locarno cores tropicais. Ele já havia chamado a atenção da crítica pelo divertido curta-metragem “Tapa na Pantera”, co-produzido por com outros dois jovens realizadores, um sucesso midiático no You Tube. Foram mais de 10 milhões de visualizações no Brasil. Depois ganhou prêmios por outros curtas em festivais na Espanha e Ucrânia.

Com apoio da produtora paulistana Dezenove Som e Imagens e da francesa Umedia, o jovem cineasta conseguiu realizar seu primeiro trabalho de fôlego. A inspiração veio do mundo das letras. “Foi quando li o primeiro livro do escritor gaúcho Ismael Caneppele – Música para quando as luzes de apagam – que eu já tinha gostado bastante. A gente conversou e ele me enviou por email o manuscrito do segundo livro e que ainda não tinha sido editado. Fiquei apaixonado pela obra”, confessa Esmir.

O livro conta a história de um adolescente que se autodenomina Mr. Tambourine, fã do cantor Bob Dylan. Ele vive uma vida normal em um vilarejo na região de colonização alemã no Vale do Taquari, interior do Rio Grande do Sul, dividido entre tarefas escolares e o lazer com amigos. Porém, sua cabeça está em outro mundo, aberto apenas através de páginas na internet. Em um blog ele publica poemas. Em outras páginas, dialoga com as lembranças de uma jovem suicida através de vídeos e imagens deixados como registro de uma vida passageira. O aparecimento de um novo personagem na história o transtorna. Seria ele a porta de saída? Alguém com as respostas? O filme intriga.

Novas gerações

Esmir tem 26 anos e não esconde que fez um filme para a sua geração. “Quando li o livro, percebi que era o símbolo da adolescência de hoje. Por isso, falo que o livro e o filme são sobre aqueles que habitam a internet e convidam os espectadores a visitá-los no seu espaço”, diz.

O cineasta admite também os perigos do mundo virtual. “A gente pode ser quem quiser na rede virtual e isso gera um problema muito forte de identidade para o adolescente que está se formando. Seria eu aquela projeção colocada na tela sob um nickname? Ou sou a pessoa real que vive no cotidiano dessa cidade pequena, a cidade do Ismael?”

Causa ou efeito? Em “Os Famosos e os Duendes da Morte” a fantasma da menina suicida está presente sem dizer uma palavra. Ela hipnotiza o menino e o envolve no seu próprio mundo. Uma viúva entra em desespero e se joga da ponte. Ela não é a primeira a fazê-lo no vilarejo. O tema é um grande tabu. “A questão do suicídio é muito forte no filme. Falo de conviver com a morte no aspecto da ausência, da perda. Por exemplo: o pai que não está mais lá”, conta o cineasta, explicando também o estranho enquadramento das cenas. “Sempre que filmo a casa, mostro vários espaços vazios. Cadê o pai? Ele é ausente, não existe mais, morreu. Porém para a mãe ele está presente nas duas alianças no dedo. Para o filho é a última estrela pendurada no teto.”

Assim se justificam as aparições da jovem suicida no imaginário do garoto. Ela é interpretada pela estudante de Jornalismo Tuane Eggers, de apenas 19 anos. Sua personagem – J. Jingle Jangle – representa a fragmentação de personalidade dos jovens atuais. “A menina tinha um olhar diferente sobre o mundo. O que ela deixa é a questão: isso é o que fui na Terra, quando estive por aqui. Ela se imortalizou na internet em pixels, fotos e vídeos. Isso é muito forte no livro e no filme. O que resta quando você morre? Antigamente nada, mas hoje os que habitam o mundo virtual deixam suas histórias para os outros acompanharem”, observa Esmir.

Ficção e realidade

Um dos detalhes mais interessantes de “Os Famosos e os Duendes da Morte” é a forma como foi realizado. Segundo Esmir, não apenas o contato com o escritor ocorreu através da internet, mas também com os atores. “Foi assim que encontrei a Tuane: no momento em que vi o site dela e como ela retratava o mundo. As fotos do filme também são dela. Ela têm Flickr, Fotolog, blog e também um videolog, onde ela coloca vários vídeos que contam um pouco da sua história”, revela. Os dois se encontraram, conversaram e o diretor achou que era a pessoa ideal. “Acabei emprestando o universo dela para o filme.”

No total, o cineasta paulistano entrevistou 400 adolescentes, todos da região, muitas vezes através dos seus próprios sites. Depois foram selecionados quarenta para participar de uma oficina de teatro. No final, quatro atores se tornaram os personagens principais, além do escritor, convidado também para atuar.

A música vem de Nelo Johann, músico de 24 anos, também descoberto por Esmir através da net. “Ele vem da mesma região e suas músicas podem ser baixadas através do seu site”, conta. No final, o filme se transforma na expressão de um grupo de jovens. “Virou todo um movimento da região e que a gente trouxe para a tela. Ele une literatura, música, arte em um ponto só”.

O filme mostra que viver longe dos centros não significa estar isolado mundo. “Ao contrário de ser um interior rural, os jovens de lá vivem exatamente como nas grandes cidades. A internet os leva além das fronteiras da pequena cidade a um outro mundo. São pessoas com questões sobre a sua vida no interior e que conseguem sublimá-las através da arte.”

O filme de Esmir também consegue quebrar com clichés típicos. “Nenhum país é alegre ou 100% feliz. O Brasil tem muitos problemas. Prefiro viver as perguntas do que ter as respostas. Tenho muitas dúvidas. É isso que eu quis expressar no meu filme”, conclui.

Alexander Thoele, swissinfo.ch

Esmir Filho, 26 anos, nasceu em São Paulo e concluiu em 2004 o curso de cinema na FAAP.

No mesmo ano ele realizou seu primeiro curta-metragem: “Ato II Cena 5”. Seu segundo curta – “Ímpar Par” (2005) foi premiado nos festival de cinema de Kiev (Ucrânia) e Huelva (Espanha). O trabalho seguinte – “Alguma coisa assim” – conquistou o prêmio de melhor roteiro da Semana Internacional da Crítica no Festival de Cannes de 2006.

Como co-diretor de “Tapa na Pantera” (2006), Esmir e outros dois jovens diretores conseguiram uma façanha: ao ser colocado no You Tube, o curta se transformou em um fenômeno midiático. Mais de 10 milhões de pessoas o assistiram na internet.

Seu primeiro longa metragem – “Os Famosos e os Duendes da Morte” (2009) – foi baseado no livro homônimo do escritor gaúcho Ismael Caneppele e participa da mostra competitiva internacional na última edição do Festival de Cinema de Locarno.

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