“É melhor do que estar jogando golfe” (continuação)
Na segunda parte da entrevista, Peter Wuffli explica concretamente os projetos que está realizando nos Camarões e Madagascar e porque começou a se interessar pela ajuda ao desenvolvimento em países do Terceiro Mundo.
Qual o significado de “Elea”, o nome da fundação que o senhor criou?
O nome vem de uma cidade no sul da Itália, fundada no século VII A.C. pelos gregos. Este é para nós um símbolo importante de que a globalização é algo que já existe há muito tempo, algo que nos acompanha desde o início da nossa civilização. Elea era também uma escola de filósofos pré-socráticos. A ética tem um papel no nosso trabalho. Além disso, Elea é um nome bonito, que soa bem para exprimir uma idéia e que não tem nada a ver com o nome da minha família.
Por que globalização? Não seria mais fácil criar uma fundação para administrar bens da família, por exemplo?
Há duas razões para isso. Em primeiro lugar, tive o privilégio de trabalhar por muitos anos na Suíça no mercado financeiro em um tempo em que a situação era muito boa. Considero-me um beneficiado da globalização. Isso trouxe para mim a questão ética de sentir-me responsável por todos aqueles que não participam desse processo.
O outro é um interesse pessoal. Há muito tempo me ocupo desse tema. Em St. Gallen estudei cooperação para o desenvolvimento e política econômica externa. Minha dissertação foi sobre investimentos diretos no México. Em 1982 fiz uma palestra sobre ética e economia. A questão da globalização, da ética e da cooperação para o desenvolvimento me ocupa desde os tempos da universidade.
O senhor já viveu na América Latina?
Vivi quase um ano no México. Durante esse tempo eu visitei quase todas as empresas suíças. Nesse tempo me ocupei de questões ligadas aos investimentos diretos, nacionalismo econômico e efeitos do desenvolvimento. Ao mesmo tempo trabalhei também como jornalista para o NZZ (grande jornal de Zurique).
O senhor acreditava na época que os investimentos diretos suíços tinham um efeito positivo sobre país?
Esse foi um grande debate político. Na minha dissertação tentei mostrar que, através de medidas corretas de adaptação, é possível fazer com que as empresas tenham uma influência positiva sobre o desenvolvimento local.
E voltando à Elea, quais são os projetos concretos executados nesse momento?
Um dos projetos é no sul dos Camarões. Lá apoiamos uma organização que trabalha com agricultores locais de forma a tornar sustentável e mais ecológica a sua produção, melhorando seus métodos e voltando aos produtos tradicionais. Eles têm dificuldades na distribuição e também de financiamento. Essa organização é apoiada por fundações. Agora queremos ajudá-los a garantir a independência financeira. O projeto se chama Fonjak, tem nove funcionários camaroneses e um suíço do estrangeiro, Patrick Fischer.
Os jornais informaram que há pouco tempo o senhor esteve no Madagascar.
Lá está nosso segundo projeto. Ele é coordenado também por um suíço do estrangeiro, um empresário que já vive há muitos anos em Madagascar. Sua visão é criar um centro regional para energia eólica ao norte do país, onde as condições de vento são propícias. Ajudamos a eletrificar uma das aldeias, dentro de um programa de 15 aldeias. O que nos impressionou por lá foi o tema das energias renováveis e o desenvolvimento. Afinal, fornecimento de energia é uma das condições primordiais para o desenvolvimento e a existência de atividades comerciais. Até hoje se cozinha com madeira em Madagascar, algo que é perigoso e ruim para a floresta tropical.
Graças a Elea os malgaxes terão sua primeira usina eólica?
Temos um projeto piloto que está funcionando. Em outras três aldeias as obras estão em andamento e em uma delas estamos diretamente envolvidos. A ideia é equipar nos próximos cinco anos quinze aldeias, com uma média de mil habitantes, com fontes renováveis de energia. Paralelamente temos o projeto de construir uma usina eólica com rede de distribuição em um centro urbano. Ela irá suprir de energia. Esse projeto é realizado por uma empresa suíça que se chama Mad’Eole. Nossa ajuda é, além de dinheiro, também consultoria empresarial e relacionamentos. Vemo-nos como um construtor de pontes entre uma empresa social que tem muita energia filantrópica, mas lhe falta acesso a capital e contatos com instituições.
Os malgaxes protestam contra um acordo feito com os coreanos da Daewoo de arrendamento de grande quantidade de terras. Qual é a sua opinião sobre o tema?
O importante é ver que nosso projeto é conduzido fundamentalmente por malgaxes. Só temos um suíço engajado. Todos os outros funcionários são locais. A equipe é formada por gente que, por exemplo, esteve um ano fazendo intercâmbio em Lausanne e depois se tornou professor de eletricidade na universidade local, além de estudantes. Trabalhamos também estreitamente com o prefeito local. Não se trata de um projeto de estrangeiros, mas sim de malgaxes. Além disso, esse é um projeto empresarial que não é um presente. Não instalamos simplesmente um moinho de vento para eles, mas tudo é feito com muita preparação para que o povo possa trabalhar com isso. A energia não será fornecida gratuitamente. Teremos uma equipe de mulheres que será responsável pelo recolhimento de cada usuário. O dinheiro do fundo será utilizado para pagar coisas como consertos ou para financiar, em longo prazo, a compra de peças de reposição. É muito importante que esses aspectos éticos sejam considerados e aplicados: a iniciativa privada, a responsabilidade, a sustentabilidade e o pensamento empresarial.
E quais são os frutos concretos do seu trabalho na África?
Existem perspectivas de futuro. Através da globalização – a importação de moinhos de vento e sua aplicação via tecnologia internacional colocada à disposição – damos acesso a essas aldeias para fontes renováveis de energia, criando assim esperança de futuro. Para mim o mais importante foi ver que nas aldeias, apesar da energia ainda não ter chegado, essa perspectiva fez com que novas casas fossem construídas e alguns jovens – que poderiam estar desiludidos e partir para as cidades, terminando seus dias no pântano das favelas, criminalidade e drogas – agora têm esperança em relação ao desenvolvimento da vida no campo. Por isso o desenvolvimento da vida no campo é um dos nossos principais temas de trabalho.
Além do Madagascar e Camarões, a Elea tem outros projeto concretos em vista?
Nosso objetivo é investir 80% dos nossos recursos em projetos nesses países específicos e 20% em iniciativas aqui mesmo na Suíça que se ocupam com os problemas decorrentes da globalização. O CEO da nossa fundação, por exemplo, está na direção do Fórum do Microfinanciamento em Genebra. Apoiamos também um programa de formação econômica para políticos em St. Gallen. Participamos também da iniciativa St. Gallen Symposium, uma plataforma de diálogo sobre questões de administração de empresas, ou seja, plataformas ideais para levar esse tipo de discussão.
O espectro parece bem aberto, não?
Sim, somos jovens ainda. Só começamos a operar efetivamente em agosto do ano passado. Estamos ainda à procura. Ainda não definimos exatamente todos os países e projetos no qual iremos atuar. O importante é que o tema foi escolhido, ter uma vontade de agir e as pessoas que a executam.
swissinfo, Alexander Thoele
Peter Wuffli nasceu em 26 de outubro de 1957.
Seu pai, Heinz Wuffli, foi de 1967 a 1977 diretor-geral do “Schweizerischen Kreditanstalt”, o banco que resultaria em 1997 no Credit Suisse.
Ele estudou de de 1976 a 1980 economia e ciências sociais na Universidade de St. Gallen. Em 1984 concluiu o doutorado em administração de empresas. Paralelamente ao estudo Wuffli também trabalhou como jornalista freelancer para o NZZ, de Zurique, a partir de 1978.
Em 1984 entrou para a consultoria de empresas McKinsey; em 1990 se tornou “partner”.
Em 1994 assumiu a diretoria financeira do banco Schweizerischen Bankverein. Cinco anos depois, com a fusão com o banco “Schweizerischen Bankgesellschaft” para formar o atual UBS, Wuffli se tornou chefe do setor de asset management.
Em 18 de dezembro de 2001, Wuffli foi nomeado presidente executivo (CEO) do UBS. Ele demitiu-se do cargo em 6 de julho de 2007.
Hoje é o presidente do conselho da Fundação Elea, criada por ele e pela esposa em dezembro de 2006.
Wuffli é casado e tem três filhos. É presidente da Associação dos Amigos do Partido Liberal e membro do conselho de administração da Ópera de Zurique.
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