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Tarifaço provoca excedente de leite na Suíça

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Depois de pastarem nos Alpes durante todo o verão, as vacas são levadas de volta às suas fazendas para produzir leite de alta qualidade, usado na fabricação de queijos como Gruyère, Emmentaler, Tilsiter e Appenzeller. Keystone / Julien Grindat

Safra abundante virou dor de cabeça: com o mercado bloqueado pelos EUA, produtores de leite estudam cortar a produção, até mesmo abatendo vacas.

Boris Beuret cuida de mais de 60 vacas nos prados suavemente ondulados de sua fazenda na região de Jura, na Suíça. O leite delas, com sabor herbáceo e de nozes devido à grama tenra que pastam, é usado para fazer queijos e chocolates suíços de alta qualidade, grande parte deles destinados aos consumidores americanos.

Mas, recentemente, Beuret enviou parte de seu rebanho para o abate prematuramente. E muitos outros produtores de leite suíços estão pensando em seguir o exemplo.

Desde que o presidente Donald Trump anunciou uma tarifa punitiva de 39% sobre a Suíça em agosto, o golpe foi duro para a indústria leiteira suíça, com os fabricantes de queijo reduzindo a produção para lidar com a queda esperada na demanda dos EUA

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As tarifas agravaram um problema já existente: a Suíça tem leite em excesso — e vacas em excesso.

“Precisamos encontrar uma solução com os Estados Unidos para reduzir as tarifas”, disse Beuret. “Mas se as coisas continuarem assim, precisamos analisar se é o caso de começar a abater mais vacas.”

Poucas coisas são tão simbólicas na Suíça quanto suas vacas leiteiras, com seus sinos de cobre gigantes, pelagem marrom e branca e leite de alta qualidade. Ninguém imaginava que uma mudança abrupta na política comercial dos EUA poderia afetar um estilo de vida suíço que remonta a séculos.

As consequências das tarifas impostas aos parceiros comerciais dos EUA têm ficado cada vez mais claras. Fábricas de roupas foram fechadas na África. Fábricas de automóveis na Europa estão cortando empregos. E os riscos também têm sido altos para a Suíça. Desde o anúncio, as pastagens atrás da fazenda de Beuret se tornaram um exemplo das consequências de uma guerra comercial.

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Depois de se alimentarem do pasto alpino, as vacas produzem um leite herbáceo com notas de nozes. Keystone / Gian Ehrenzeller

Uma safra abundante

A pequena fazenda leiteira de Beuret é uma das 20.000 propriedades que garante a produção de 90% do leite do país. Os fazendeiros suíços poderiam ganhar mais dinheiro em escala industrial, mas preferem manter tradições e práticas artesanais vivas. Os fazendeiros levam as vacas — cerca de 550.000 no total — para as montanhas alpinas verdejantes no verão para se alimentarem, produzindo um dos melhores leites do mundo. As vacas descem alguns meses depois, muitas vezes desfilando com coroas de flores ao som de cantos tirolês.

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Cows going up a mountain

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Para garantir a sobrevivência das fazendas, a indústria leiteira suíça estabelece cotas rígidas para a produção e os preços do leite.

Mas uma primavera excepcionalmente chuvosa gerou uma abundância de pasto. Embora os fazendeiros tenham lutado recentemente contra temperaturas mais altas que secaram a forragem, as vacas da fazenda de Beuret e de outras fazendas na Suíça comeram tão bem este ano que produziram uma safra recorde de leite.

Isso não teria sido um grande problema, porque a indústria de laticínios poderia transformar o excesso de oferta em leite em pó ou manteiga congelada, disse Stefan Kohler, diretor da IP Lait, que representa o setor de laticínios suíço. Mas quando Trump anunciou tarifas altas, esses cálculos foram por água abaixo.

Corte na produção de queijo

Os Estados Unidos são o maior mercado da Suíça depois da Europa, importando 13% da produção de queijo suíço. Metade é Gruyère premium, feito com leite alpino, mas também há Emmentaler (o queijo com buracos), Tilsiter e Appenzeller. O leite também é usado no chocolate suíço.

Anthony Margot, coproprietário da Margot Fromages, uma empresa com 139 anos e uma das maiores distribuidoras de queijo da Suíça, ficou chocado quando soube da nova tarifa. Os suíços esperavam uma tarifa mais próxima dos 15% que recaem sobre a União Europeia. Quando combinada com outras taxas e uma queda no dólar americano, a tarifa efetiva sobre a Suíça chega a mais de 50%.

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Alguem enchendo uma garrafa de leite

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A Suíça não cobra tarifas sobre a maioria dos produtos importados, mas suas taxas sobre importações agrícolas podem chegar a 100%, para proteger sua indústria de laticínios. “Talvez do ponto de vista dos EUA, isso não seja justo”, disse ele. Mas, segundo ele, as tarifas de Trump também não eram.

Quando a nova taxa inflacionou a alíquota da Suíça sobre as exportações para os Estados Unidos, os preços dispararam, e a indústria de Gruyère estimulou os fabricantes de queijo a reduzir a produção em pelo menos 5%.

“O impacto foi direto”, disse Margot, cuja empresa matura 10% da produção suíça de Gruyère. Cerca de 36.000 peças redondas do queijo repousam em cavernosas adegas antes de serem enviadas para 40 países, incluindo os Estados Unidos, para a empresa exporta 4.500 toneladas de Gruyère. Entre os compradores estão o Sam’s Club, o Costco e a Murray’s Cheese, em Nova York.

O queijo que antes custava entre US$ 15 e US$ 50 por quilo agora custa entre US$ 20 e US$ 70, aponta.

Reduzindo o rebanho

Com menos queijo para produzir, o grupo industrial IP Lait pediu medidas para limitar a queda nos preços, que poderia prejudicar os produtores. “Já tínhamos um excesso de produção devido ao bom tempo, mas a decisão de Donald Trump fez o copo transbordar”, disse Kohler.

A organização recomendou reduzir a produção anual de leite em 50.000 toneladas, que equivale a quantidade produzida por 25.000 vacas, disse Kohler. O caminho mais rápido, disse ele, seria abater as vacas mais cedo do que o normal.

Beuret, que também é presidente da Swissmilk, uma associação de produtores, já fez isso. Ele enviou três vacas leiteiras ao matadouro prematuramente para reduzir o abastecimento de leite e está decidindo se abaterá mais animais.

Kohler conta que os agricultores estavam relutantes em reduzir rapidamente o tamanho dos rebanhos, caso uma tarifa mais baixa fosse negociada. “Na Suíça, a vaca é quase um animal sagrado”, disse ele. “Se você diz que precisa matar mais vacas, isso causa um choque.”

Ao mesmo tempo, os produtores de carne temem que um aumento repentino na oferta de cortes bovinos possa prejudicar seus preços.

Cerca de 85.000 vacas leiteiras suíças são abatidas anualmente à medida que envelhecem e produzem menos leite. Elas são substituídas por vacas mais jovens, e sua carne é usada para hambúrgueres e ração para animais de estimação. Kohler disse que qualquer abate adicional, caso ocorra, seria realizado lentamente.

“Não é como se milhares de vacas fossem mortas repentinamente”, disse ele. Os fazendeiros poderiam optar por reduzir os rebanhos “mais rapidamente do que o normal nos próximos meses”, acrescentou.

Em busca de alternativas

No entanto, a preferência é, de longe, encontrar outras maneiras de lidar com o excesso de leite. As ideias incluem fabricar mussarela em vez de importá-la da Itália, produzir mais iogurte ou realizar campanhas publicitárias de “solidariedade” incentivando os suíços a consumir mais laticínios. Alguns fazendeiros sugeriram alimentar as vacas um pouco menos para que elas não produzam tanto leite, disse Kohler.

As tarifas de Trump levaram o governo suíço a acelerar acordos comerciais internacionais em outros lugares, incluindo América Latina, Índia e China, que está se tornando mais aberta aos produtos lácteos suíços.

“Os americanos devem saber que o mundo inteiro está começando a organizar o comércio sem os Estados Unidos”, disse Kohler.

Os fabricantes de Gruyère estão tentando tirar o máximo proveito de uma situação sombria. Com o preço do ouro perto de níveis recordes e a Suíça sendo um centro global para barras de ouro, a indústria iniciou uma campanha de marketing nos EUA para aproveitar os preços mais altos.

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Um homem de pé, olhando através da janela.

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Agronegócio

Suíça teme perda de exclusividade do Gruyère nos EUA

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“Estamos dizendo que o Gruyère é o novo ouro da Suíça”, disse Pierre-Ivan Guyot, presidente da Associação Interprofissional do Gruyère.

A esperança é que os consumidores americanos estejam dispostos a pagar pelo luxo do verdadeiro Gruyère, em vez de cópias feitas em outros lugares. Após reduzir drasticamente as exportações em agosto, os produtores enviaram mais Gruyère para os Estados Unidos em setembro, antes da temporada de Natal.

Quanto às vacas suíças, Beuret disse que os fazendeiros vão continuar trabalhando para encontrar uma solução.

“Tentaremos abater o mínimo possível”, disse ele. “Então, quando tivermos passado pelo período difícil, a Suíça poderá se recuperar.”

Este artigo foi publicado originalmente no The New York TimesLink externo.

Adaptação: Clarissa Levy

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