
O físico que acredita na força do sol

Produzir no deserto do Saara grande quantidade de energia e exportá-la para a Europa e África do norte: este sonho visionário é perseguido pelo físico aposentado Gerhard Knies há vinte anos.
Porém ele continua afirmando que os desertos são a maior e menos utilizada fonte de energia do planeja. Entrevista swissinfo.
Como físico especializado em partículas elementares, ele já foi um partidário da fissão nuclear. Porém com a catástrofe de Tschernobyl, ele mudou a idéia.
“A era da energia fóssil precisa terminar na primeira metade deste século”, declara Gerhard Knies, 72 anos: “A salvação do meio ambiente é eventualmente possível através da radical e rápida mudança para fontes limpas e inesgotáveis de energia.”
swissinfo.ch: Apesar das críticas e imensos custos, o senhor ainda acredita no seu projeto? Por quê?
Gerhard Knies: Para manter a sua saúde, as pessoas gastam bastante dinheiro antes de morrer. Talvez o mesmo possa valer em breve para o nosso planeta. Estamos frente ao desafio da mudança climática e da superpopulação.
A população mundial aproxima-se da marca dos 10 bilhões. O crescimento populacional deve ser interrompido. Isso ocorre seja através de uma grave crise ou se conseguirmos chegar ao bem-estar para 10 bilhões de pessoas. O bem-estar interrompe o crescimento populacional. A pobreza o incentiva. Porém bem-estar exige maiores quantidades de energia.
A maior e até agora menos utilizada fonte energética são os desertos do planeta. Em duas semanas, eles recebem do sol a mesma quantidade de energia do que em todas as reservas conhecidas e presumidas de petróleo.
O que o senhor costuma dizer aos céticos, ou seja, às empresas de geração de energia que duvidam da rentabilidade do projeto?
De qualquer maneira o dinheiro deve ser empregado e novas usinas elétricas devem ser sempre construídas. Queremos apenas substituir as usinas elétricas que necessitam de combustível por aquelas que funcionam sem ele.
Ou seja, substituimos a compra de petróleo através da construção de instalações. O preço do petróleo e do gás pode subir fortemente a qualquer momento. Um crédito bancário, por outro lado, é determinado e fácil de calcular. Em vinte anos, o empréstimo estará quitado e as instalações continuam a funcionar. Então a energia se torna mais barata.
Em curto prazo a energia ecológica ainda é mais cara.
Energia não é só mercadoria. Quando a energia está em falta, a capacidade de funcionamento de uma sociedade é prejudicada. Por isso, a energia não tem apenas o valor de uma mercadoria.
As consequências da geração de energia para o clima não estão embutidas no valor da mercadoria. As fontes fósseis de energia parecem baratas, pois você não está pagando pelos danos que elas causam. Fontes renováveis de energia não causam estragos, mas competem no mercado com as energias fósseis. Essa é a armadilha da economia.
O senhor deixa transparecer uma grande motivação, mas não teria dúvidas por vezes da viabilidade do projeto?
Tecnicamente ele é viável. Isso está provado. Já existe esse tipo de instalação funcionando em outras partes do mundo e isso há vinte anos. Não existe nenhuma inovação tecnológica envolvida, mas sim um novo trabalho conjunto entre a Europa e a África do norte. Essa cooperação precisa agora ser desenvolvida.
Significa que essas instalações poderiam não apenas fornecer energia à Europa, mas também à África do norte?
Partimos do princípio da necessidade de energia que poderá se desenvolver no futuro. Segundo nossos cálculos, a África do norte irá necessitar entre três a quatro vezes mais energia do que atualmente. Com nosso projeto, essa necessidade poderá ser suprida. É apenas uma questão de interesse dos investidores.
Fora disso, é possível investir em instalações que irão exportar energia para a Europa. As duas poderão ser implementadas paralelamente. Não existe contradição. Se os europeus começaram a investir no local, também os africanos dessa região irão ganhar mais confiança na tecnologia europeia.
Qual seria o valor agregado para a África do norte?
Noventa por centro dos captores solares poderiam ser construídos diretamente lá. A construção da usina elétrica será feita com mão-de-obra local. Lá irão surgir também empresas fornecedoras para vidro, metais e outros componentes. Também o desenvolvimento posterior da tecnologia é uma perspectiva importante, no aspecto da industrialização dessa região. O crescimento econômico gerado teria um efeito estabilizador.
Eu pessoalmente não conheço nenhum produto industrial comprado por nós na África do norte. Energia seria o primeiro produto industrializado que é melhor de produzir na África do norte do que na Europa, pois lá o sol ilumina com mais intensidade.
Usinas térmicas solares são uma intervenção no ecossistema do deserto. Como você vê a questão da sustentabilidade?
Da área total do Saara necessitaríamos no máximo um ou dois por cento, o que é muito pouco.
O que acontece se terroristas interromperem o funcionamento dos cabos de alta tensão que levariam a energia à Europa?
Não haverá apenas um cabo, mas vinte ou trinta. A capacidade dos cabos já é limitada do ponto de vista técnico. Cada cabo pode ter seu funcionamento interrompido. Mas também existem redundâncias. A energia, que passava por um cabo desligado, pode ser absorvida por outros cabos.
Como os governos na África do norte reagiram ao projeto?
Eles estão muito interessados. Depois de amanhã estarei no Marrocos. Fui convidado pelo governo, interessado em saber mais sobre o projeto e suas possibilidades de participação.
Andreas Keiser, swissinfo
Gerhard Knies vive em Hamburgo, Alemanha. De 7 a 8 de setembro de 2009, ele compartilhou suas visões em um congresso realizado pela “think tanks” alemã “Forward2business” na Suíça.
Knies é presidente da Fundação Desertec.
Seu projeto deve começar a tomar forma a partir da fundação da sociedade anônima em novembro próximo.
Por trás do projeto estão empresas como a Münchener Rück (a maior empresa de resseguro do mundo), a suíça ABB, as alemãs Siemens, RWE, EON, Deutsche Bank e a espanhola Abengoa.
O projeto Desertec prevê a construção de uma gigantesca rede de coletores térmicos solares nos desertos da África do norte e do Oriente Médio.
Esses coletores terão grandes superfícies espelhadas e serão dispostos um ao lado do outro em vários quilômetros.
Cilíndricos e parabólicos no seu formato, os espelhos acompanham a mudança de posição do sol. Eles refletem os raios solares nos tubos, preenchidos de óleo sintético.
O óleo é aquecido até 400 graus centígrados. Ele aquece canais, por onde escorre água. Ela se evapora e faz girar as turbinas. Estas finalmente geram a eletricidade.
Ao contrário da energia gerada pelas células fotovoltaicas, os coletores térmicos solares também podem produzir parcialmente energia durante a noite.
A energia deve ser transportada através de cabos de alta tensão à Europa, inclusive via submarina.

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