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Alimentar o mundo exige “novo paradigma”

Safra de soja no oeste do Brasil. Quase metade de toda a produção de cereais é usada para alimentar o gado para produção de carne. Reuters

Especialistas em agricultura convidados para debater em Berna a questão de como alimentar o mundo concordaram em uma coisa: precisamos de um novo paradigma.

Os atuais modelos da agricultura estão em crise – na Índia, por exemplo, um agricultor se suicida a cada meia hora – e novas direções na pesquisa em agricultura são necessárias para o desenvolvimento do setor e o combate a pobreza mundial.

Uma conferência organizada pela ONG Swissaid e a Universidade de Berna pediu a 12 especialistas do setor agrícola que indicassem quais os métodos que ainda funcionam na agricultura e em que direção a pesquisa do setor deve ser desenvolvida.

Caroline Morel, responsável da ONG, diz à swissinfo.ch que, apesar da organização ter realizado uma conferência semelhante há dez anos atrás, agora devemos agir com urgência.

Sob pressão

“O que mudou é que a pressão está crescendo. Pressão sobre os recursos naturais como a terra, a água e principalmente as florestas, e também da população. Devido à mudança climática, há uma série de desafios maiores do que antes.”

“Precisamos de uma mudança de paradigma na agricultura e nas pesquisas futuras.”

Os paradigmas agrícolas foram mudando desde a Segunda Guerra Mundial, de acordo com Angelicka Hilbeck, agrobiologista da Escola Politécnica Federal de Zurique.

Na segunda metade do século passado, houve uma mudança da produção de alimentos para a produção de matéria-prima para a “cadeia de valor industrial” e o negócio de commodities, controlado por um punhado de empresas gigantes.

Por exemplo, menos de um por cento de todo o milho produzido em 1997 chegou até a mesa do consumidor em forma de espiga, os outros 99 por cento foram usados pela indústria de alimentos e de ração animal.

“Precisamos de uma mudança de paradigma na ciência e na pesquisa para apoiar as mudanças na produção, no consumo e no estilo de vida”, declarou Hilbeck na conferência.

Grandes contra pequenos

Uma tendência é que as pessoas passaram a consumir mais carne. Entre 1960 e 2000, a produção de carne praticamente dobrou de 22 kg para 38 kg per capita, de acordo com um estudo realizado em 2008 pela Avaliação Internacional sobre Ciência e Tecnologia Agrícola para o Desenvolvimento (IAASTD).

Como resultado, quase metade da produção de cereais é usada para alimentar os rebanhos para produção de carne. Para isso, 75 por cento são produzidos por grandes fazendas industrializadas.

Com grandes fazendas abocanhando a maior parte da produção, como ficam os pequenos agricultores? Hans Hurri, do Centro Nacional de Pesquisa de Competências, observou que 99 por cento dos agricultores vivem em pequenas propriedades. Apenas um por cento vive em grandes propriedades mecanizadas, fazendas que cultivam cerca de 50 por cento de todas as terras aráveis.

Mas, com 40 por cento da população mundial vivendo em áreas rurais e trabalhando principalmente na agricultura, o setor continua sendo “o mais importante do mundo” em termos de emprego.

Na Índia, 93 por cento dos agricultores têm pequenas propriedades com menos de quatro hectares. Mas esses agricultores estão sofrendo os efeitos da mudança climática, como secas, temperaturas extremas e mudanças no ecossistema, que resultam pragas. O endividamento está provocando um elevado número de suicídios de agricultores no país.

“Noventa e nove por cento dos agricultores são pequenos e marginais. Nós precisamos cuidar deles”, lançou o apelo Gangula Ramanjaneyulu, pesquisador do Conselho de Agricultura da Índia e um dos palestrantes da conferência.

“Não é um problema apenas dos agricultores. Todo mundo depende da agricultura para a sua alimentação, direta ou indiretamente. Se a agricultura está ameaçada, a vida na Terra está ameaçada.”

A resposta, segundo o indiano, seria retornar à agricultura da biodiversidade (o cultivo de mais de uma plantio em um campo) e recomeçar com o plantio de variedades tradicionais testadas pelo tempo que são mais resistentes às mudanças climáticas.

“Hoje a maioria dos nossos alimentos provém de apenas quatro ou cinco cultivos. Há 50 anos atrás, costumava ter 20 a 30 plantios. O estreitamento da base genética dos alimentos é grave. Isso é algo que precisa ser tratado pelo setor científico.”

Futuro orgânico

Outra solução proposta pelos especialistas é a agricultura orgânica. Para Urs Niggli, do Instituto de Pesquisa em Agricultura Orgânica, essa é uma das melhores opções sobre a mesa, em parte porque os orgânicos oferecem a “melhor adaptação às mudanças climáticas”, melhorando a fertilidade do solo, aumentando assim o nível de carbono no solo.

Niggli apontou dois estudos que provam que a agricultura orgânica pode aumentar o rendimento dos solos. Um estudo das Nações Unidas demonstrou que o rendimento aumentou em 116 por cento em 114 projetos avaliados na África.

Caroline Morel, da Swissaid, disse que deveria haver mais atenção internacional sobre a agricultura orgânica e ecológica com base na agricultura de pequena escala. Agricultura e pesquisa científica devem se concentrar nos pequenos agricultores, utilizando o seu know-how e trabalhando com eles para encontrar soluções para a produção ecológica.

Em todo o caso, a conferência foi uma oportunidade de partilhar pontos de vista. Para Nina Buchmann, diretora do Sistema Mundial de Alimentos da ETH, comparar pequenas e grandes propriedades não é uma questão óbvia.

Segundo ela, as grandes fazendas industrializadas precisam ser mais sustentáveis para evitar um impacto negativo sobre o meio ambiente e, ao mesmo tempo, o poder econômico dos pequenos produtores precisa ser aumentado.

“Temos que considerar os diferentes pontos de vista – que o pequeno é bonito e o grande é bonito – caso contrário faltará opções para responder aos desafios a nível mundial”, disse à swissinfo.ch.

“A pesquisa para o desenvolvimento – que tipo de agricultura alimenta o mundo” foi organizada pela Swissaid e o Centro Universitário de Berna para Desenvolvimento e Meio Ambiente.

Os palestrantes vieram do Centro Nacional de Competência em Pesquisa, do Instituto de Biologia Integrativa da ETH Zurich, do Instituto de Pesquisa de Agricultura Orgânica, do Grupo Consultivo sobre Pesquisas Agrícolas Internacionais, do Conselho de Agricultura da Índia e do Instituto Africano para a Alimentação e o Desenvolvimento Sustentável.

A conferência aconteceu entre os dias 21 e 22 de setembro e teve a participação de cientistas, pesquisadores, estudantes e trabalhadores de ajuda humanitária no campo da agricultura e do desenvolvimento.

O Grupo Consultivo para Pesquisa Agrícola Internacional desenvolveu recentemente uma estratégia única para a sua pesquisa em agricultura para o desenvolvimento.

Ele reconheceu a necessidade de parcerias na área de pesquisa e, ao mesmo tempo, olha para os grandes desafios globais de segurança alimentar, soberania alimentar, mudanças climáticas, água, biodiversidade e ecossistemas.

Como resultado desenvolveu uma lista de temas para os seus 15 centros em todo o mundo:

. Redução da pobreza rural

. Melhorar a segurança alimentar

. Melhorar a nutrição

. Gestão sustentável dos recursos naturais

Adaptação: Fernando Hirschy

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