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Manu da Silva: há 20 anos a cuidar do look dos carros de Sion

Manu da Silva na porta de entrada da sua oficina.
Manu da Silva na porta de entrada da sua oficina. swissinfo.ch

Os seus pais partiram de Vendas Novas, no Alentejo, para Sion no final dos anos 70 e levaram consigo a filha e o filho. Manu da Silva não se recorda do ano exato, mas lembra-se que foi difícil crescer em terra estrangeira, com poucos portugueses naquela época.

Mais tarde, em 1993, fez a sua formação profissional em bate-chapas e pintura e abriu a empresa AutolookLink externo, há cerca de 20 anos. A swissinfo.ch esteve na oficina Autolook, em Sion, a conhecer um pouco melhor a experiência helvética de Manu da Silva.

Os primeiros anos de Manu em Sion não foram fáceis. Ele e a sua irmã eram as únicas crianças estrangeiras na escola, por isso, os dedos apontavam-se na direção de ambos quando algo corria mal. À medida que foi crescendo, esse sentimento de ostracismo foi-se dissipando, “quando chegas à adolescência começas a estar cada vez mais integrado. Os meus amigos eram todos suíços”. Ele reconhece que o facto de andar sempre rodeado de suíços e de falar quase em exclusivo francês, fomentou o distanciamento das suas raízes e de se sentir cada vez mais suíço, “vives a tua vida num sítio e acabas por te integrares”.

Os anos foram passando e Manu formou-se como bate-chapas e começou a trabalhar na oficina do seu antigo formador. Nesse espaço, trabalhavam nove pessoas. De forma gradual, o nosso entrevistado começou a tomar um papel de responsabilidade na ausência do proprietário da empresa. Contudo, o seu anterior patrão decidiu contratar outra pessoa para trabalhar com Manu e ele sentiu que não tinha sido respeitado. Passados três meses, comunicou que se iria demitir para formar a sua própria oficina, “foi uma loucura que no fim de contas correu bem”, ri-se.

Pouco tempo depois de se ter estabelecido como empresário, começou a envolver-se nas corridas de motociclismo a convite de alguns amigos. De repente, apercebeu-se que passava cerca de 20% do tempo na oficina porque andava sempre em competições de motociclismo. Manu da Silva tinha um empregado, que ainda se encontra a trabalhar com ele, que ficou a gerir a oficina enquanto ele percorria diversos países em competição. Em 2007, terminou a sua carreira, “tinha 38 anos e já tinha outra maneira de pensar. Os teus olhos já não seguem a estrada da mesma forma, não tens os mesmos reflexos e ficas mais consciente dos limites”, partilha Manu com a swissinfo.ch.

O início da empresa

Como referimos anteriormente, Manu da Silva decidiu fundar a sua empresa de forma irrefletida. Os amigos foram os primeiros clientes que teve e no final do primeiro mês, “quando fiz as contas, percebi que ao fim de três semanas tinha o meu ordenado”. Por isso, mensalmente foi conseguindo investir o restante fundo disponível em novos equipamentos. Passados alguns meses, mudou-se para o local onde ainda se encontra, na zona industrial de Sion. Inicialmente tinha dois estagiários consigo. Após alguns meses, contratou os primeiros funcionários.

Manu da Silva conta-nos de que no início, foi importante ter amigos que reconheceram qualidade do seu trabalho de bate-chapas e de pintura. Depois, tudo acaba por acontecer com naturalidade, visto que, segundo a experiência de Manu, “aqui no Valais ainda funciona bem o boca-a-boca porque somos muito ligados uns aos outros”, confidencia-nos. Para além dos clientes particulares que foi tendo, começou a ser contatado por agências de automóveis e companhias de seguros, que lhe permitiram crescer e consolidar a sua empresa. O nosso entrevistado não tem dúvidas em assumir, “tens de arranjar parceiros que te mandem clientes porque sozinho não és capaz”.

A empresa em velocidade de cruzeiro

Na sua opinião, em virtude de ter um leque de parceiros que lhe entregam as viaturas, pode aplicar as melhores técnicas de pintura e bate-chapas, desenvolvendo um trabalho de qualidade. Dessa forma, Manu da Silva investe cerca de 10% dos lucros da empresa em novas técnicas e equipamentos, porque, tal como nos disse, “numa empresa como esta é importante ter equipamento técnico de topo: boas tintas, boas máquinas. Tens de estar sempre a investir”.

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Neste momento, o nosso entrevistado tem dois empregados: um suíço e um português, que emigrou recentemente para a Confederação Helvética. Manu ainda costuma trabalhar na oficina: em particular quando é necessário aplicar algumas técnicas de bate-chapa que os recém-formados já não dominam, devido à formação incidir mais na montagem e desmontagem de peças. Contudo, é ele quem se encarrega de toda a área administrativa: envia orçamentos para seguradoras, atende clientes, organiza a faturação e contata com o contabilista. Confidencia-nos que não é aquilo que mais gosta de fazer porque o seu habitat é a oficina.

Embora reconheça que o sector da reparação automóvel esteja a passar por um momento de algum refreamento, espera conseguir, pelo menos, o mesmo nível de faturação deste ano, “por esse motivo, julgo quando voltarmos no início de janeiro, poderei contratar mais alguém nos meses seguintes”. Dessa forma permitir-lhe-á reduzir um pouco o trabalho que tem na oficina e poder ficar mais concentrado na administração e recepção de clientes, “porque distraio-me durante o dia a fazer várias tarefas. Então, venho muito cedo e fico alguns fins-de-semana para estar sossegado”.

Uma clientela exigente

Manu da Silva nunca se socorreu dos emigrantes portugueses para montar a sua rede de clientes, pelo facto de não conhecer muitos à data e dos seus amigos serem suíços. O nosso entrevistado reconhece que o seu fluxo de trabalho, atualmente, é, em cerca de 95%, oriundo das seguradoras. Nos últimos anos, fruto do reconhecimento da sua empresa, começou a receber cada vez mais portugueses, que se sentem mais à vontade a explicar-lhe os problemas dos seus carros, devido a terem um parco domínio da língua francesa. Hoje em dia, segundo as suas estimativas, os portugueses devem ser cerca de 20% do total de clientes. Porquanto se sente igualmente feliz por ter a oportunidade de contatar com os portugueses que aí residem e praticar o seu português, que apenas aos 30 anos voltou a ter interesse em falar.

Quando lhe perguntamos qual a principal diferença entre os clientes suíços e portugueses, Manu sorri, “os portugueses são mais exigentes”, mede as palavras a sorrir. Contudo, reconhece que não tem qualquer preferência e trabalha com o mesmo nível de qualidade e detalhe para qualquer cliente.

Sion e o sonho alentejano

Manu da Silva sente-se suíço e gosta de estar no Valais, que considera a zona mais bonita da Suíça. Enquanto estiver em idade ativa, não pensa sair da cidade, nem pretende fazer crescer a empresa, “desde que continue a trabalhar com as seguradoras, proporciona-me clientes e o objetivo para me manter estável na vida está alcançado. Pode continuar assim”, sorri.

Ao longo dos últimos anos, tem regressado com mais frequência a Portugal e sente-se muito feliz por isso, “quando tenho alguns dias livres, costumo sair daqui. Nas diversas vezes, vou até Portugal para ver o mar e os amigos”, expressa-se com um brilho no olhar. Quando pensa no grande projeto para o futuro, assume que gostaria de passar mais tempo em Portugal, “pelo menos seis meses por ano, para agarrar todo o tempo em que não estive lá”, mostrando ainda vontade de viver os anos vindouros. O seu local de eleição é, sem dúvida, o Alentejo onde nasceu, “adorava ter uma casinha no Alentejo. Mas tem de ser conversado com a minha companheira”, sorri.

Embora Manu da Silva tenha o sonho de regressar, por ora continuará o seu negócio em Sion, a receber carros de diversos locais do Valais e cuidando do seu look com máximo rigor. Por isso, todos os valaisans podem ficar descansados nos próximos anos.

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