Como ressuscitar uma marca centenária de relógios
A vida de uma marca de relógios nem sempre parece um rio longo e tranquilo. Fundada em 1919, comprada por investidores chineses em 2003 e depois deixada em estado de morte clínica, a Milus se lança novamente baseada no seu passado.
“Sou certamente o primeiro suíço que compra uma marca de relógios dos chineses”, diz Luc Tissot com um toque de humor. Aos 82 anos de idade, o último herdeiro da dinastia Tissot, fundadora da famosa marca de relógios de Neuchâtel com o mesmo nome, não perdeu quase nada da sua verve e entusiasmo.
Desde 2016, Luc Tissot é o novo dono da marca de relógios de Bienna, MilusLink externo, que este ano comemora o seu 100º aniversário.
Fundada em 1919 por Paul William Junod, a Milus adquiriu uma sólida reputação nos círculos dos amantes de relógios finos. Entre as peças de coleção da marca estão o Snow Star, que fazia parte do kit de sobrevivência dos pilotos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, e o Archimèdes, um relógio de mergulho da década de 1970.
Erro estratégico
Empresa familiar durante três gerações, a Milus foi vendida a investidores chineses em 2003. Primeiro nas mãos do grupo Peace Mark, a marca foi depois adquirida pelo conglomerado Chow Tai FookLink externo, em 2008.
Apesar de grandes investimentos, sobretudo na renovação do prédio da sede da marca, a experiência chinesa terminou em fracasso. “Os antigos responsáveis cometeram um grande erro estratégico ao procurarem posicionar-se no prestigioso segmento de luxo (5000 a 30.000 francos), enquanto a Milus oferecia até então relógios finos, mas a preços acessíveis (1000 a 2000 francos)”, diz Luc Tissot.
Ativo sobretudo na indústria da joalharia, Chow Tai Fook não conseguiu compreender os complexos desafios do mundo da relojoaria, onde a simbiose entre tecnicidade e emoção é essencial para o sucesso comercial, estima Luc Tissot. Os problemas de incompatibilidade cultural entre a gestão suíça e a gestão chinesa também tiveram um impacto negativo na motivação dos colaboradores.
Uma aquisição rapidamente negociada
Abordado por um conhecido no início de 2016, Luc Tissot foi rapidamente seduzido pela ideia de relançar esta marca em agonia. O acordo, de “vários milhões de francos”, foi rapidamente concluído.
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Para o octogenário de Neuchâtel, foi um retorno às suas raízes após uma carreira profissional focada principalmente em tecnologias médicas (ver quadro). “Ganhar dinheiro nunca foi a minha principal motivação. Sempre me orientei pelo desejo de valorizar o patrimônio industrial local e o know-how. A aquisição da Milus, que tem um valor histórico real, está perfeitamente alinhada com essa filosofia”, enfatiza Luc Tissot.
Rodeado por uma pequena equipe de jovens especialistas, Luc Tissot quer agora reviver o DNA da marca, oferecendo relógios de fino acabamento, com um design sóbrio e elegante e acabamentos impecáveis, mas a um preço acessível. “Temos que ter uma linha clara, um Milus tem que ser reconhecido à primeira vista. Esses 100 anos de história são o nosso grande ativo e é isso que nos permite destacarmo-nos de uma nova marca que tem que construir a sua imagem a partir do zero”, diz Tissot.
Uma startup centenária
Apostar na tradição, sim, mas com as ferramentas de 2019. “A Milus é, de certa forma, uma startup centenária”, diz Luc Tissot, que vê a revolução digital em curso como uma tremenda oportunidade.
Graças ao crescimento do comércio online, que agora também afeta a relojoaria de luxo, a Milus pode alcançar o consumidor final sem ter que pagar caro por seu lugar nas lojas ao redor do mundo. “No entanto, não negligenciamos totalmente os pontos de venda físicos. Mas nós os vemos mais como showrooms onde o comprador pode experimentar seu relógio antes de encomendá-lo pela internet”, explica Luc Tissot.
No plano interno, a digitalização também facilita muito o trabalho dos funcionários da Milus. Estes últimos são os principais responsáveis pela concepção, desenvolvimento e comercialização da marca. A produção dos vários componentes, a montagem e o serviço pós-venda são terceirizados para parceiros industriais na região do Jura, berço da relojoaria suíça. ” O trabalho em rede nos permite ser muito ágeis e verificar em tempo real a qualidade dos produtos encomendados”, enfatiza Luc Tissot.
5000 relógios por ano
A Milus ainda está na fase de recuperação hoje. As vendas estão começando “de forma promissora” na Suíça, Alemanha, França e Estados Unidos, observa Luc Tissot. No entanto, o novo dono da empresa tem um objetivo bastante ambicioso: vender 5000 relógios por ano a médio prazo.
Um volume que impulsionaria a Milus entre as principais marcas independentes “swiss made” ativas no segmento de médio porte, segmento já bastante movimentado.
“Queremos manter uma pequena estrutura flexível, que nos permita adaptarmo-nos à evolução do mercado. E como sou o único investidor, suportarei a pressão muito bem se não atingirmos este objetivo”, conclui com um largo sorriso.
Luc Tissot, um empresário fora do comum
Descendente direto do fundador da marca TissotLink externo, Luc Tissot nasceu em Buenos Aires em 1937. O suíço passou grande parte de sua infância e juventude na capital argentina.
Em 1962, formou-se como engenheiro mecânico pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH Zurich). Após seus estudos, assumiu a direção de produção da fábrica Tissot em Le Locle, no cantão de Neuchâtel, onde tinha 800 funcionários sob sua responsabilidade.
Em 1977, em meio à crise relojoeira, começou a fabricar marcapassos e fundou a empresa Precimed. Ele então cria a Medos, uma empresa que projetou a primeira válvula programável para o tratamento de hidrocefalia.
Desde 2010, Luc Tissot está à frente da Tissot Medical Research, uma empresa que desenvolve um sensor para detectar glaucoma usando uma medição de pressão intraocular. Em 2016, ele se lança em mais um desafio empresarial ao assumir a liderança da marca de relógios Milus.
Adaptação: Fernando Hirschy
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