
Tarifaço expõem vulnerabilidade da econômica suíça

Não é comum ver a Suíça no centro de uma disputa comercial global, muito menos sendo alvo de medidas punitivas de um grande parceiro. Mas, neste mês, os Estados Unidos impuseram uma tarifa de 39% sobre a maior parte dos produtos suíços.
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A taxa é mais que o dobro da aplicada pelo governo Trump à União Europeia e bem mais alta que as impostas ao Reino Unido e ao Canadá. Na verdade, trata-se da tarifa mais elevada imposta a qualquer país desenvolvido.
Agora, acusações e debates tomam conta da Suíça enquanto o governo planeja seus próximos passos. Berna se comprometeu a manter as negociações com Washington.

Com uma população de nove milhões de habitantes e uma economia dependente de exportações, esse pequeno país europeu raramente aparece tanto nas manchetes internacionais – especialmente no que diz respeito a questões comerciais.
Não foi a medida do governo americano que surpreendeu a Suíça. Poucos parceiros estrangeiros escaparam das tarifas que sustentam a agenda econômica do presidente Donald Trump. Tendo um superávit comercial de CHF 48,5 bilhões (US$ 60 bilhões) com os EUA em 2024 e importando poucos produtos americanos, a Suíça já era, há muito tempo, um alvo em potencial.
Mas poucos em Berna esperavam tamanha severidade: uma tarifa de 39% sobre quase todos os grupos de produtos, com apenas uma faixa restrita de isenções. Graças a essas exceções – sobretudo para ouro e produtos farmacêuticos –, a Suíça enfrenta uma tarifa média efetiva ligeiramente acima de 12%. Ainda assim, exportações importantes como relógios, máquinas, ferramentas industriais e chocolate foram afetadas imediatamente.
Nem mesmo as exceções são totalmente claras. O ouro deveria estar entre as exportações majoritariamente isentas. Mas, no início do mês, o Financial Times revelou que os EUA passaram a aplicar tarifas sobre a importação de barras de ouro de um quilo. A ação representa mais um golpe contra a Suíça, que é o maior centro de refino do mundo.

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O que torna essas medidas particularmente marcantes é que a Suíça parece estar sozinha. A União Europeia negociou uma tarifa média de 15%. O Reino Unido garantiu 10%. Até Taiwan, altamente dependente do comércio com os EUA e diplomaticamente frágil, conseguiu limitar a taxa a 20%, com isenções a serem aplicadas gradualmente.
Então, por que a Suíça foi escolhida como alvo?
Uma vulnerabilidade estrutural
De fato, a Suíça registrou um grande superávit comercial com os Estados Unidos no ano passado. Mas o país já havia abolido praticamente todas as tarifas industriais em janeiro de 2024. A maior parte de seu superávit comercial recente vinha do ouro e de produtos farmacêuticos – e o desequilíbrio foi fortemente distorcido pela acumulação de estoque no início deste ano. Além disso, dados americanos mostram que o saldo bilateral chegou a se inverter temporariamente, gerando superávit para os EUA em abril e maio, à medida que empresas reduziram seus estoques de emergência.
A resposta, sugerem alguns em Berna, não é o que a Suíça fez, mas o que ela não pode fazer.
Em primeiro lugar, a Suíça negocia a partir de uma posição de realismo e restrição institucional. O governo suíço normalmente faz propostas que pode cumprir – frequentemente condicionadas ao que é politicamente e constitucionalmente viável. Isso contrasta com as promessas políticas mais ambiciosas feitas por atores maiores, como o compromisso da União Europeia de destinar US$ 750 bilhões para produtos energéticos americanos.
“A Suíça tem a reputação de cumprir seus compromissos. Mas isso pode ser uma fraqueza em um mundo que valoriza drama e ambição”, afirma Hans-Peter Portmann, executivo bancário suíço e membro no Conselho Nacional (Câmara dos Deputados) do país. “Isso é um problema quando se está enfrentando Trump”.
A diplomacia suíça também é limitada por características estruturais: um Conselho Federal composto por sete membros, com presidência rotativa, mecanismos de democracia direta que podem forçar referendos sobre questões centrais, e uma tradição de neutralidade que limita a influência geopolítica.
“A presidente suíça não pode oferecer unilateralmente US$ 30 bilhões em investimentos ou acesso ao mercado agrícola sem correr o risco de enfrentar uma reação política interna ou um referendo”, acrescenta. “E o governo não pode prometer ações do setor privado da mesma forma que outros países podem”.
Ao contrário da UE ou do Japão, a Suíça não tem um mercado suficientemente grande para retaliar de forma significativa. Ela não pode usar a cooperação em defesa ou integração no mercado energético como moedas de troca nas negociações. E sua relutância – ou incapacidade – em flexibilizar seu modelo deixou o país sem uma saída clara para o impasse atual.
Tudo isso tornou a Suíça um alvo fácil. Como afirmou recentemente Sam Lowe, colunista do Financial Times: “A Suíça […] não fez nada de errado. [Agora serve] como um exemplo de alerta para todos os demais que ainda negociam com os EUA”.

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“Estamos simplesmente indefesos diante de Donald Trump”
Pouca margem de manobra
Como fica a situação do país agora?
As opções internas são limitadas e politicamente delicadas. A Suíça poderia propor investimentos diretos em regiões industriais dos EUA em troca da redução da tarifa. Mas não existe um mecanismo para o governo comprometer capital privado em nome das empresas.
Foi sugerido aumentar a compra de gás natural liquefeito (GNL) dos EUA. Mas a Suíça carece de infraestrutura de importação e consome quantidades mínimas de gás. Qualquer acordo nesse sentido seria majoritariamente simbólico.
As aquisições de equipamentos de defesa são um recurso mais plausível. O país já compra caças F-35 dos EUA. A expansão – ou o cancelamento – dessas compras poderia fazer parte de negociações futuras. A rescisão do acordo de mais de US$ 9 bilhões já foi proposta por políticos suíços frustrados. O acesso ao mercado agrícola é outra opção, mas quase certamente provocaria um referendo e enfrentaria forte oposição dos agricultores.
O ouro apresenta mais uma possibilidade negociação. A Suíça processa cerca de dois terços do fornecimento refinado desse metal precioso. Alguns parlamentares propuseram usar esse status para introduzir tarifas preferenciais com base em padrões ambientais ou de origem – ou até mesmo impor novas taxas a refinarias estrangeiras que operam no país. Mas o banco central suíço alerta que os dados sobre o comércio de ouro, por serem em grande parte financeiros, distorcem os verdadeiros saldos comerciais. Qualquer medida nesse sentido seria tecnicamente complexa e politicamente delicada.
Mais uma ideia pouco convencional: usar a FIFA. O parlamentar Roland Rino Büchel, do Partido Popular Suíço (UDC/SVP), propôs recorrer a Gianni Infantino, presidente da FIFA nascido na Suíça e antigo aliado de Trump, como uma ponte diplomática. Infantino participou da posse do presidente dos EUA e apareceu ao seu lado na final do Mundial de Clubes no mês passado. Alguns até sugeriram transferir a sede da FIFA de Zurique para Miami como parte de uma oferta de soft power.
Empresas suíças, como Roche e Partners Group, também estão fazendo lobby em Washington. Ainda não se sabe se esses canais privados terão sucesso onde as negociações governamentais estagnaram.
As tarifas impostas pelo governo Trump não afetaram apenas a Suíça. Desde o início do ano, o presidente dos Estados Unidos vem anunciandoLink externo uma série de tarifas sobre diferentes produtos e países – incluindo seus vizinhos, Canadá e Mexico, e aliados, como a União Europeia.
Em meio ao tsunami tarifário, o bloco europeu conseguiu negociar uma redução de 50% na tarifa imposta pelos EUA, que caiu de 30% para 15%. Trump também assinou uma ordem executiva que prorroga por mais 90 dias a suspensão das tarifas sobre a China. O país asiático e a União Europeia possuem os dois maiores superávits comerciaisLink externo em relação aos EUA: US$ 295,4 bilhões e US$ 235,6 bilhões, respectivamente.
Questões comerciais, entretanto, não são as únicas justificativas para a imposição das tarifas. Embora o México e o Canadá também apresentem superávit comercial em relação aos EUA, fatores como o controle de fronteiraLink externo e o combate ao narcotráficoLink externo foram mencionados durante as negociações.
Mais recentemente, o governo americano anunciou a imposição de uma tarifa adicional de 25% sobre produtos indianos, citando como justificativa a compra de petróleo russo. Com a nova taxa, a tarifa sobre a Índia chega a 50%, a mesma aplicada ao Brasil.
No caso do Brasil, que possui déficit comercial com os EUALink externo, motivos geopolíticos influenciaram diretamente a decisão do governo americano. Donald Trump citou explicitamente o julgamento do ex-presidente Jair BolsonaroLink externo como um dos motivos para a imposição da tarifa. Além disso, o presidente americano já havia se posicionado anteriormente contra o BricsLink externo, grupo do qual o Brasil faz parte junto à Rússia, Índia, China e outros países.
SWI swissinfo.ch
O que vem pela frente?
O impasse provocou um debate mais amplo – e excepcionalmente público – sobre os limites da orgulhosa independência econômica da Suíça. Há muito tempo celebrado por permanecer fora da UE e manter controle soberano sobre regulamentação, agricultura, imigração e política externa, o país agora parece ter ficado exposto em meio a um bilateralismo agressivo.
Sem união aduaneira, sem acordo de livre comércio com os EUA e com apoio limitado a nível de bloco, a Suíça está tendo que enfrentar sozinha essa tempestade tarifária. Algumas autoridades e grupos de interesse questionam se um alinhamento mais estreito com a UE poderia oferecer uma maior proteção no futuro.
No final das contas, o país enfrenta uma escolha difícil: oferecer concessões politicamente delicadas, buscar um compromisso simbólico, absorver as tarifas e se adaptar – ou, possivelmente, esperar que Trump deixe o cargo. Mas a questão mais profunda talvez seja esta: a tão valorizada independência do país – sua soberania regulatória, neutralidade e disciplina política – tornou-se uma desvantagem na economia geopolítica atual?
Copyright The Financial Times Limited 2025
Adaptação: Clarice Dominguez
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