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Suíça não oferece socorro a cientistas dos EUA

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Apoiadores da pesquisa científica gratuita em Sacramento, Califórnia, em 7 de março de 2025. Penny Collins / Nurphoto

Com os Estados Unidos cortando fundos para a ciência e ameaçando universidades, muitos pesquisadores têm buscado se mudar, e a Europa está estendendo o tapete vermelho. A Suíça, no entanto, não tem tentado atraí-los.

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No primeiro semestre, no cenário histórico da Universidade de Sorbonne, o presidente francês, Emmanuel Macron, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, estenderam um tapete de boas-vindas no valor de € 500 milhões (CHF 466 milhões) aos cientistas americanos.

Os esforços deles são uma resposta aos cortes de bilhões de dólares do governo americano no financiamento à ciência, à rejeição de pesquisas consolidadas nas políticas médicas e à pressão sobre universidades para que alterem seus currículos. O programa da União Europeia, “Choose Europe for Science” (Escolha a Europa para a Ciência), representa a primeira iniciativa centralizada destinada a atrair cientistas internacionais para o território europeu, reforçando os esforços individuais de países que buscam trazer pesquisadores americanos para instituições estrangeiras mais acolhedoras.

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O presidente francês Emmanuel Macron e a presidente da Comissão Europeia Ursula Von der Leyen anunciando a iniciativa “Escolha a Europa para a Ciência”. Gonzalo Fuentes / AFP

Mas a Suíça, que não faz parte da União Europeia, não está participando do novo programa e não planeja implementar iniciativas semelhantes. Muitos pesquisadores e instituições suíças consideram essas ações oportunistas e supérfluas em um sistema de pesquisa que já seria suficientemente atraente para acadêmicos estrangeiros. A Secretaria de Estado para Educação, Pesquisa e Inovação (SERI) da Suíça qualificou o programa da UE como “uma contradição ao princípio da concorrência e da excelência no ensino superior”, em declarações feitas à televisão pública suíça SRF. Por outro lado, também há, na Suíça, quem acredite que a crise nos EUA pode oferecer uma oportunidade única para atrair mentes brilhantes e fortalecer a competitividade do ecossistema de pesquisa suíço.

Cortes nos EUA afastam pesquisadores

Já faz muito tempo que os Estados Unidos são a superpotência mundial da ciência. Os fundos públicos representam quase US$ 200 bilhões dos US$ 900 bilhões gastos anualmente em pesquisa e desenvolvimento no país, o que equivale a aproximadamente 3,6% do PIB. A Europa como um todo investe US$ 500 bilhões, enquanto a Suíça destina cerca de US$ 31,3 bilhões por ano, ou 3,4% do seu PIB.

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Desde que o presidente Donald Trump assumiu o cargo em janeiro de 2025, o governo federal dos EUA cancelou milhares de subsídios e bolsas, planejando cortes de US$ 43 bilhões até 2026, especialmente em instituições como o National Institutes of Health (o maior órgão mundial de pesquisa em saúde) e a National Science Foundation.

O governo Trump também está ameaçando cortar o financiamento de instituições científicas e universidades caso elas continuem realizando pesquisas ou mantendo programas relacionados à diversidade, equidade e inclusão (DEI), bem como a vacinas e mudanças climáticas. Outros temas, como inteligência artificial e tecnologia quântica, continuam sendo prioridades na agenda do governo.

Claudia Brühwiler, cientista política especializada em estudos americanos na Universidade de St. Gallen, vê essa situação como um ataque sem precedentes à liberdade acadêmica. Ela afirmou recentemente à revista Horizons que o governo dos EUA, “em nome da liberdade de expressão, vem restringindo a liberdade de expressão, a liberdade de ideias e a liberdade de pesquisa”.

A Associação de Universidades Americanas (AAU) afirmou, em março, que “a retirada de financiamento para pesquisas por motivos não relacionados à pesquisa estabelece um precedente perigoso e contraproducente”.

“É uma situação muito difícil para quem trabalha com imunologia e virologia. Colegas nos EUA temem perder suas bolsas, alguns foram impedidos de entrar em seus laboratórios, outros abandonaram completamente a academia”, afirma Volker Thiel, virologista do Instituto de Virologia e Imunologia (IVI) da Universidade de Berna.

Em março, três acadêmicos de destaque da Universidade de Yale decidiram deixar os EUA e se mudar para o Canadá, alegando receios em relação às políticas do governo Trump. Também em março, 1.200 dos 1.600 pesquisadores residentes nos Estados Unidos que responderam a uma pesquisa da revista científica Nature afirmaram estar considerando se mudar para o exterior.

Europa reage aos cortes nos EUA

Países europeus reagiram ao possível êxodo com iniciativas em nível local, nacional e da União Europeia. A Universidade Aix-Marseille, em Marselha, foi a primeira a agir, destinando € 15 milhões para pesquisadores estrangeiros que atuam nas áreas de clima, saúde, meio ambiente e ciências sociais. A França também teve papel ativo na promoção do programa “Choose Europe”, que estará em vigor até 2027. A Espanha abriu os cofres com um programa no valor de € 50 milhões por ano. Já a Alemanha se comprometeu a lançar o programa “1000 Köpfe” (“mil cabeças”), que busca atrair não apenas emigrados do sistema norte-americano, mas também pesquisadores que planejavam ir para os EUA e agora procuram outros destinos. Em maio de 2025, o Conselho Europeu de Pesquisa (ERC) dobrou o financiamento adicional disponível para pesquisadores que se mudarem para a Europa, de até € 1 milhão para até € 2 milhões.

“O Conselho Científico do ERC aumentou esse financiamento para tentar ajudar pesquisadores residentes nos EUA, mas ele está, é claro, aberto a qualquer pessoa no mundo que se mude para a Europa”, afirmou a presidente do ERC, Maria Leptin.

Nenhum desses investimentos chega perto de igualar o que o governo dos EUA está cortando, e críticos temem que essas iniciativas não sejam suficientes para compensar a diferença significativa entre a Europa e os Estados Unidos no que diz respeito a gastos com pesquisa e desenvolvimento.

“Tenho minhas dúvidas de que a Europa consiga atrair muitos cientistas dos EUA, pois os salários acadêmicos são muito baixos na maior parte da Europa”, diz Marcel Salathé, codiretor do Centro de IA do Instituto Federal de Tecnologia de Lausanne (EPFL).

A Suíça ainda é atraente do ponto de vista salarial, acrescenta Salathé. O salário médio de um professor titular nos Estados Unidos é superior a US$ 150.000, enquanto na maioria dos países europeus fica bem abaixo de € 100.000. Na Suíça, pode ultrapassar CHF 200.000.

A abordagem suíça: somos bons o suficiente

Diante de todas essas iniciativas da União Europeia, as instituições suíças responderam com indiferença. “Sabemos que cientistas talentosos de todo o mundo são atraídos por ambientes de pesquisa atraentes, altos padrões acadêmicos e cooperação internacional. Nossas universidades oferecem essas condições e, por isso, estão bem posicionadas para competir por talentos”, disse um porta-voz da SERI à SRF.

De acordo com o Escritório Federal de EstatísticaLink externo da Suíça (FSO), dos 4.793 professores nas 12 universidades e dois institutos federais do país, mais da metade vem do exterior, dos quais 121 são cidadãos americanos. Muitos professores e professoras estrangeiras lecionam e pesquisam nos institutos federais de tecnologia ETH Zurique (66% do corpo docente é estrangeiro) e EPFL (70%), em Lausanne. Essas mesmas instituições, juntamente com a Universidade de Zurique, abrigam dois terços de todos os professores nascidos nos EUA que atuam na Suíça.

A Suíça também se destacou como destino preferido de alguns dos cientistas que responderam à pesquisa da Nature, uma tendência confirmada pelas instituições suíças.

“A ETH Zurique, assim como outras universidades suíças, tem recebido um número cada vez maior de inscrições de pesquisadores dos Estados Unidos nas últimas semanas e meses”, disse seu porta-voz, Markus Gross, à Swissinfo.

‘Não queremos nos envolver em práticas antiéticas’

Não é apenas a confiança no sistema atual que impede a Suíça de tentar atrair acadêmicos americanos.

Em uma coletiva de imprensa realizada em abril, Joël Mesot, presidente da ETH Zurique, afirmou que, quando a Suíça foi excluída do Horizon Europe (o programa de pesquisa e inovação da União Europeia no valor de € 95,5 bilhões para 2021-2027), outros países ofereceram incentivos financeiros para atrair pesquisadores suíços.

“Não queremos entrar nesse jogo com os EUA. Não seria ético fazer isso, e não queremos nos envolver em práticas antiéticas”.

Mas nem todos concordam com a política de não intervenção da Suíça. “Estamos perdendo ótimas oportunidades, que foram possibilitadas por essa janela criada externamente. Os melhores profissionais provavelmente viriam relativamente rápido se abríssemos nossas portas para eles e oferecêssemos o financiamento adequado”, diz Salathé.

Cortes iminentes na ciência suíça

Enquanto isso, a Suíça enfrenta seus próprios desafios para financiar os cientistas que já possui. O governo federal, visando equilibrar o orçamento, está considerando cortes na educação, pesquisa e inovação que somam mais de CHF 460 milhões por ano (com a ETH e a EPFL enfrentando economias anuais de CHF 100 milhões a partir de 2025). A medida foi duramente criticada em um documento elaborado pelas principais instituições acadêmicas suíças, incluindo o conselho da ETH Zurique e a Fundação Nacional de Ciência da Suíça (SNSF), em fevereiro passado. Segundo eles, os cortes propostos podem ter sérias consequências para a capacidade da nação alpina de manter sua vantagem competitiva em pesquisa e inovação, incluindo seu apelo aos melhores cientistas.

“Não tenho certeza se a Suíça pode fazer algo para atrair cientistas dos EUA, porque nem sequer temos vagas para as pessoas que já estão aqui”, diz Thiel. Mesmo que houvesse financiamento, convencer cientistas americanos experientes significaria oferecer um pacote competitivo, que poderia incluir a liderança de um instituto inteiro, argumenta ele. Ele acredita que pesquisadores em início de carreira podem ser mais fáceis de atrair.

Thiel vê uma certa esperança no fato de que o governo suíço e a Comissão Europeia estão caminhando para um acordo que concederia à Suíça acesso total aos fundos do Horizon Europe e do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC). A partir deste ano, pesquisadores afiliados ou dispostos a se afiliar a instituições suíças podem concorrer a prestigiosas bolsas do ERC, e os programas do ERC voltados para aqueles que se mudam para a Europa podem oferecer aos cientistas dos EUA o pacote atraente que procuram.

Também existe a promessa de ampla colaboração e liberdade, que a presidente da UE, Ursula von der Leyen, aponta como motivos fundamentais para que os pesquisadores e pesquisadoras escolham a Europa. “Caso os cortes nos investimentos em ciência e a pressão sobre as universidades persistam nos Estados Unidos, outros países tendem a se tornar cada vez mais atraentes

“A liderança dos EUA em pesquisa está sendo questionada neste momento. E se a Suíça e a Europa conseguirem pelo menos manter os recursos atuais e o nível científico, podemos ganhar mais relevância”, diz Thiel.

Edição: Gabe Bullard/fh
Adaptação: Clarice Dominguez

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