Saga de milionária francesa passa pela Suíça
Proprietária da L’Oréal, gigante mundial do setor de cosméticos, a família Bettencourt se ataca nos tribunais franceses.
Esse conflito interessa diretamente à multinacional suíça Nestlé, segunda maior acionista da L’Oréal.
Em abril último, na abertura da assembleia anual da L’Oréal, todos questionavam a ausência de Liliane Bettencourt, de 87 anos, filha do fundador do grupo de cosméticos, habitualmente sentada na primeira fila. Em contrapartida, notaram a presença dos vice-presidentes Peter Brabeck – presidente da Nestlé – e Jean-Pierre Meyers, genro de Liliane Bettencourt.
Brabeck parece nunca ter manifestado tanto interesse pela L’Oréal, da qual a Nestlé é a maior acionista depois da família Bettancourt, com 29% do capital. Quando deixou a direção executiva da Nestlé, Brabeck disse que teria mais tempo para a L’Oréal. Cumprindo a palavra, em 2008, comprou 11.500 ações da L’Oréal a 77 euros cada uma, provocando uma alta dos títulos na Bolsa.
Na época, questionava-se as motivações de Brabeck. Será que ele queria marcar o território com vistas a uma troca de poder na L’Oréal? Em 2007, ele dizia o contrário, dando a entender que a Nestlé poderia vender sua participação na L’Oréal, participação adquirida no início dos anos 1970, sob recomendação do então presidente francês Georges Pompidou.
Pacto de acionistas
A situação mudou muito desde aquela época? No caixa da Nestlé entraram 39 bilhões de dólares com a venda à também suíça Novartis da fabricante de produtos oftalmológicos Alcon. Isso alimentou os rumores da compra pela Nestlé da parte de Liliane Bettencourt na L’Oréal, ou seja, 31%. Mas, por outro lado, o pacto de acionistas entre a Nestlé e a família Bettencourt foi prorrogado em 2009.
Esse documento estipula que a Nestlé não assume o controle da L’Oréal enquanto Liliane Bettancourt estiver viva. Em contrapartida, “as partes são livres para vender suas ações entre elas, com preferência mútua, até 29 de abril de 2014. Depois dessa data, as partes são livres para vender as ações a terceiros”, precisa a Nestlé.
Jon Cox, analista na Kepler Capital Markets, em Zurique, faz parte dos que não acreditam na compra pela Nestlé de uma cota de 30% da L’Oréal. Para ele, a L’Oréal não é um investimento estratégico para a Nestlé, porque a empresa francesa não trabalha na mesma área da multinacional suíça da alimentação.
Nesse contexto, o montante a gastar, 20 bilhões de dólares, é dissuasivo mesmo para uma empresa do tamanho da Nestlé. O caso Bettencourt não muda nada.
Um processo muito aguardado
O caso Bettencourt está nas primeiras páginas da imprensa francesa, às vésperas de um processo que promete revelações, marcado para começar dia 1° de julho, no Tribunal de Nanterre. A queixa de Françoise Bettencourt Meyers, filha de Liliane Bettencourt, é contra o fotógrafo François-Marie Banier, amigo e confidente da proprietária da L’Oréal.
A influência de Banier sobre uma mulher considerada pelas revistas econômicas como uma das 20 pessoas mais ricas do mundo é tal que ele é acusado de ter aproveitado da fragilidade da idosa para obter uma doação de quase 1 bilhão de euros. Liliane Bettancourt, que continua defendendo Banier, afirma que sua filha contratou o mordomo dela para gravar suas conversas com Banier.
O caso também tem seu lado político, com acusações ao ministro do Trabalho e ex-ministro das Finanças do governo Sarkozy, Eric Woerth, cuja esposa, Florence Woert, é administradora de fortunas.
O ministro declarou não ter tomado conhecimento da suposta fraude fiscal em depósitos no estrangeiro, inclusive de 80 bilhões de euros em bancos suíços. Posteriormente, Bettencourt anunciou, através de um comunicado, a regularização fiscal de seus haveres no estrangeiro.
UBS ou Credit Suisse?
Conforme gravações clandestinas de conversas entre Liliane Bettancourt e pessoas próximas, transcritas na imprensa francesa, a proprietária da L’Oréal teria duas contas na Suíça, não declaradas ao fisco francês, por um montante de quase 80 milhões de euros.
São contas de uma agência do UBS em Vevey, onde está sediada a Nestlé, como afirma a mídia francesa? Também pode ser no Credit Suisse que, segundo observadores, tem relações privilegiadas com a Nestlé. Aliás, Peter Brabeck faz parte do conselho de administração do Credit Suisse.
Em todo caso, a posição da Nestlé continua intrigante. O grupo não pode ficar indiferente à saga envolvendo uma atriz de peso em seu capital. Liliane Bettencourt detém mais de 30% da L’Oréal e 3% das ações da Nestlé. Houve uma época, afirmam certos antigos empregados da L’Oréal, em que corria o rumor de que Bettencourt detinha até 10%. A Nestlé não responde a essa pergunta nem se será parte civil no processo Bettencourt, em Paris.
Em contrapartida, o porta-voz da Nestlé, Ferhat Soygenis,
confirma que “futuramente a participação da Nestlé na L’Oréal é um assunto importante para o grupo e que o conselho de administração examina o caso com muita atenção no contexto de sua estratégia mundial de nutrição, saúde e bem-estar”.
Christian Campiche/La Liberté, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)
Nestlé detém 30% do capital de L’Oréal. É o principal acionista do gigante mundial de cosméticos, depois da família Bettancourt.
Nestlé e a família Bettencourt são ligadas por um pacto de acionistas válido até 2014. Se a família decidir vender sua parte, deve dar prioridade à Nestlé. A multinacional suíça não pode assumir o controle da L’Oréal enquanto Liliane Bettancourt for viva.
Depois da venda, por 28 bilhões de dólares de sua participação na Alcon, Nestlé dispõe de um verdadeiro tesouro de guerra. O diretor-geral da Nestlé Paul Bulcke declarou recentemente à agência de notícias Reuters que não tinha planos para comprar os 31% do capital da L’Oréal da herdeira da família Bettancourt.
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