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Nos bastidores da indústria pornográfica

Protestos contra o filme "Garganta profunda" nos Estados Unidos nos anos 1970. Keystone

O sucesso dos sites gratuitos e dos vídeos amadores revolucionou a indústria da pornografia, na Suíça como em outros lugares. E enquanto alguns artistas tentam retomar o cinema X, os profissionais do setor tentam encontrar novas saídas, apostando na qualidade, na estética e uma dose de realismo.

Pegue uma mulher, loira, morena ou ruiva. Pouco importa. Sorria, gema, grite. Um homem a domina. Pela frente, por trás, pelo lado. A câmera registra cada gesto, filma a penetração nos mínimos detalhes. A cena se repete. Não existe uma trama, nem cenário, mas um único objetivo: excitar o espectador através da filmagem do ato sexual em toda a sua crueza e artificialidade.

Hoje, os vídeos pornográficos mais vistos obedecem a esta sequência de imagens. Eles são baixados centenas de milhares de vezes por dia. A indústria da pornografia nunca viveu tempos tão felizes e fora de controle como nos últimos anos. Os sites como Xvideos, Xhamster e Youporno estão entre os mais clicados no mundo e oferecem todo tipo de material. Gratuitos, de fácil acesso e consumo, representam o fruto da evolução da rede e de uma sociedade que quer tudo e logo.

Se a oferta na internet está em plena expansão – alimentada pela produção caseira – a indústria tradicional balança e os filmes produzidos com regras sob medida são cada vez mais raros.

É uma evolução que levou quem trabalha no setor do cinema X na Suíça, ou simplesmente defende a necessidade de uma pornografia mais artística, a procurar novas soluções. É o caso de Sabine Fischer e Sandra Lichtenstern.

Elas diplomaram-se em arte e design em Zurique e estão na faixa dos trinta anos. As duas começaram a produzir filmes pornográficos quase como brincadeira, partindo de velhas películas dos anos 1970. “Procuramos as cenas mais fortes de preliminares, divertidas, até pouco “açucaradas”. Depois as cortamos e as editamos em outro produto artístico”, explica Sara. “Estamos convencidas que a pornografia tenha a necessidade de suporte artístico para não se transformar em produto para obstinados pelo sexo e se distanciar da mediocridade.”

O projeto delas começou em 2009 e teve um sucesso inesperado: milhares de cópias vendidas em poucos meses, sem nenhuma publicidade, apenas aquela de boca em boca, e um público composto por casais, basicamente.

Uma grande comédia à luz vermelha

A opção de Sandra e Sabine de concentrar-se nos anos 1970 não é casual.

“Naqueles tempos não existiam ainda as câmeras digitais e para realizar um filme pornográfico tinha que ter tempo, dinheiro e uma boa técnica cinematográfica”, comenta Sandra. “As cenas eram cuidadosamente preparadas nos mínimos detalhes e, quase sempre, os filmes começavam com um cena erótica na qual se desvendava uma perna nua ou um seio. Nada a ver com os personagens estereotipados de hoje, que parecem bonecas fazendo alongamento. Na base dos filmes tinha sempre uma trama, uma temática e diálogos precisos. Era a época das grandes comédias que ainda deixavam espaço para o humorismo e as emoções”. Eram as pornochanchadas.

Se os primeiros filmes pornográficos são dos anos 1920, é apenas a partir dos anos 1970 que conseguem deixar a clandestinidade, trazidos pelo vento da revolução sexual. Eles eram projetados em salas padronizadas e recebidos com uma mistura de curiosidade e entusiasmo da sociedade pós-68.

“Na imprensa da época se falava de uma novo estilo cinematográfico, à conquista de Hollywood”, explica o filósofo francês Julien Servois, que escreveu um livro sobre o desenvolvimento do cinema X. “Quando Garganta Profunda, de Gerard Damiano, saiu em 1972, foi um tal evento que até Jackie Kennedy foi vê-lo nos cinemas de Nova York.”

“Na época parecia ainda possível que a pornografia fosse aceita como parte da vida social e se transformasse em um gênero cinematográfico como o western ou o musical”, prossegue Julien Servois.

Os parênteses libertinos, porém, tiveram vida curta. Bem cedo, nos Estados Unidos como na Europa, a censura confinou o cinema pornográfico nas salas especializadas e orientou o produto essencialmente para o público masculino. Na Suíça, as cenas mais fortes eram cortadas ou remontadas de acordo com a sensibilidade dos cantões e as salas de cinema eram frequentemente controladas pela polícia.

Os anos de ouro da indústria suíça

Rosto muito conhecido da cena punk de Zurique, Peter Preissle começou a trabalhar na indústria pornográfica em 1979 e viveu na pele todas as etapas que levaram os filmes X da cena “underground” a um produto de consumo de massa. Bilheteiro, depois projecionista e, com o tempo, braço direito de Edi Stöckli, que possui quase todos os cinemas X na Suíça e que fundou a principal casa de produção e de distribuição, a Mascotte film SA.

O encontro com ele foi na sede da empresa, em uma ruela perdida de Zurique. “ Num período conseguíamos ganhar muito com poucos esforços; hoje, temos que trabalhar três vezes mais para não ter prejuízo” A concorrência é grande e a indústria tornou-se um negócio para velhos, conta Peter Preissle. “Tentamos nos adaptar aos tempos que mudam, talvez produzindo mais curtas-metragens ou filmes com episódios, já que os jovens não estão mais acostumados a ficarem sentados por mais de meia hora.”

Nos tempos de ouro, a Mascotte film AG produzia até 240 filmes por ano. Hoje, mal consegue realizar 120. ”Quando ainda existiam as películas de 35mm, custava até 200 mil francos para produzir um filme, enquanto que hoje custa entre 40 e 50 mil. As filmagens duram alguns dias: o mesmo cinegrafista, as mesmas luzes, o mesmo cenário, os mesmos atores. Como uma partida de futebol. Porém, é sempre mais difícil encontrar belos filmes para exibir nas salas e jovens atores dispostos ao risco.”

Nos locais da empresa estão arquivados quase 3 mil filmes. Eles são projetados em salas fechadas, vendidos em DVD ou colocados à disposição dos sites internet do grupo. Foi aqui que Sandra e Sabine procuraram o material para a pesquisa: nas prateleiras da família que guardam mais de cinquenta anos de  história do cinema pornográfico.

Cinema e galeria, lugares de encontro e de troca

Para enfrentar a concorrência na rede, até a família Stöckli tentou rever sua própria estratégia de mercado. “Hoje com o pornô não se fica mais rico, mas a indústria não está em extinção”, comenta Peter Preissle, que não quer revelar o valor da empresa, estimada em muitos milhares de francos.

Os cinema pornô – uma dezena na Suíça –  se transformaram em lugares de encontro e de troca, graças à chegada das cabines privadas. Simples, dupla e até comunicantes entre si, estas salas em miniatura garantem uma maior privacidade e a oportunidade de assistir aos vídeos sem gastar muito dinheiro.

As exposições de arte erótica e de encontros com estrelas do pornô  acontecem com regularidade nestas salas. E é uma forma de torná-las mais “humanas” e próximas ao público.

“Como ocorre nas salas padronizadas, também nas pornográficas foi registrada uma queda na renda. Mas elas mantém um fascínio. Permitem às pessoas de não deixarem rastros, como acontece, quase sempre, na internet, de transformar a visão de um filme num evento especial”, realça ainda Preissle.

E enquanto na rede se multiplicam os chats de participação e os vídeos caseiros, para a indústria pornográfica só resta que apostar em qualidade, no charme e uma boa dose de mistério: uma vantagem que as produções caseiras não podem ter. E talvez seja a única arma que sobrou para defender a sobrevivência.

Entre os setores mais opacos do mundo, o da indústria pornográfica é constantemente relacionado com o crime organizado, com o tráfico de seres humanos e a reciclagem de dinheiro sujo.

 

O volume de negócios é difícil de calcular mas  segundo uma estimativa da revista semanal The Economist ele superava de 20 bilhões as indústrias do cinema e da música, em 2008.

A difusão fora de controle de material pornográfico na internet levantou, nos últimos anos, muitas interrogações sobre a proteção às crianças e aos adolescentes, e o risco de veiculação de uma imagem distorcida  da sexualidade.

Autoridades escolares e médicas multiplicaram campanhas para sensibilizar a sociedade sobre esta questão.

Entre os adultos foram identificados casos de dependência da pornografia. Em Genebra, o hospital universitário abriu um centro especializado para responder a este problema.

Na Suíça, o código penal não condena o consumo e a produção de pornografia. A partir dos 16 anos é possível ver e descarregar imagens e vídeos de conteúdo explícito.

Os filmes pornográficos são exibidos apenas nas salas especializadas, uma  dezena na Suíça.

 O artigo 197 do Código Penal proíbe, entretanto,  o consumo e a difusão da chamada pornografia dura.

Quatro categorias são mencionadas pela lei:

-Pornografia infantil

-Imagens pornográficas violentas.

-Sexo entre seres humanos e animais.

-Atos pornográficos relacionados com excrementos humanos.

(Fonte: Prevenção suíça da criminalidade)

Adaptação: Ghilherme Aquino

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