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Mitutune não quer mais miséria

Mebro de uma ONG traduz ao embaixador suíço (centro) a peça sobre o SIDA. swissinfo.ch

Numa das regiões mais pobres de Moçambique, projeto de ajuda ao desenvolvimento mostra que a luta contra a pobreza não é só utopia.

Depois de viver guerra e miséria absoluta, habitantes de Mitutune aprendem a se organizar. swissinfo acompanha visita de embaixador suíço à aldeia.

A viagem de Nampula, capital de província, até a aldeia de Mitutune dura mais de três horas. A estrada é de terra e está cheia de buracos. Nos acostamentos, centenas de pessoas caminham. Os carros precisam se desviar dos pedestres, dos buracos e também dos caminhões carregados de algodão, um dos poucos produtos agrícolas comercializados na região.

– Aqui a população anda quilômetros para economizar o dinheiro do ônibus”, explica Ricardo José, moçambicano e funcionário uma ONG suíça.

Essa região no norte de Moçambique é considerada uma das mais pobres do país. Seus habitantes vivem da agricultura de subsistência e sofreram muito durante os anos de guerra civil, quando tropas rebeldes e oficiais transformavam suas plantações e aldeias em campos de batalha.

Além das minas espalhadas pelas plantações, também o roubo era uma ação comum por parte da soldadesca. “Eles chegavam em trapos, descalços e famintos e confiscavam os animais nas aldeias para comer”, conta Ricardo.

Visita do embaixador

Adrian Hadorn, embaixador suíço em Moçambique e também chefe da Cooperação Suíça no país, havia decidido organizar uma visita à Mitutune no início de junho. O objetivo da viagem era ver de perto uma aldeia africana, onde há mais de dez anos a Direção para o Desenvolvimento e Cooperação (DEZA), órgão encarregado da ajuda helvética aos países mais pobres do mundo, atua.

Depois de horas de sacudidelas nos carros, o comboio chega enfim em Mitutune. Num quadro negro de escola, os habitante escreveram “bem-vindo” em giz. Depois que os mais velhos da aldeia cumprimentam os recém-chegados, Vitor João, presidente da associação comunitária local, convida todos para entrar numa palhoça. Logo depois, outros moradores chegam e tomam seus lugares. O local esta cheio, mas o silêncio é absoluto.

Em palavras simples e com ajuda de um bloco de papel para apresentações, ele explica como a vida em Mitutune melhorou desde o início do programa de desenvolvimento rural. A água, por exemplo, era um dos principais problemas.

– Antes, a fonte mais próxima estava localizada a três quilômetros da aldeia. As mulheres passavam horas carregando a água na cabeça. Esse era o tempo perdido que elas podiam estar utilizando para aprender a ler e escrever. Quando furo de água foi feito em 2000, nossa vida melhorou bastante – conta Vitor João, que também é o único professor local.

Pobreza

Mitutune tem apenas 85 habitantes, mas é apenas um das centenas de aldeias da região. As pessoas vivem em casas simples construídas de pau-a-pique e cobertas de palha. Sua sobrevivência vem da terra, através da plantação de mandioca, milho e mapira, um cereal típico da região.

Sob os olhos atentos dos moradores e dos visitantes suíços, Vitor João continua enumerando o progresso.

– Os técnicos estrangeiros nos ensinaram a semear em linha. Agora a cooperativa consegue produzir quase 30 toneladas de cereal por ano – explica o moçambicano num português pausado e claro – se em 93 nós perdíamos grande parte da colheita por não termos como comercializá-la, desde 99 já conseguimos vender uma parte dos cereais.

Vitor João também cita a satisfação das mulheres com a nova máquina de moer e a dos homens com os animais de tração cedidos pela Cooperação Suíça.

– A vida melhorou. Antes os homens tinham feridas nos ombros de carregar o arado e as mulheres feridas nas mãos de tanto moer o milho no pilão.

Além disso, as aldeias da região também receberam cabras e bodes. O contrato diz que depois de um ano, as famílias entregam os animais a outras necessitadas e permanecem com as crias.

Escola da democracia

A ajuda material é importante, mas para o embaixador suíço o fundamental das mudanças em Mitutune não deve ficar apenas no prato. Um dos pilares do programa de ajuda ao desenvolvimento é o chamado “empoderamento comunitário e planificação participativa distrital”, que em outras palavras significa a organização popular.

Para um país que viveu décadas em guerra, a democracia tem de ser incentivada até nas células básicas da sociedade como a aldeia na opinião dos funcionários do DEZA.

Vitor João mostra num gráfico como é gerido o poder na aldeia. De um lado o “conselho de direção”, do outro o “conselho fiscal” e acima, o órgão supremo: a “assembléia geral”, onde todos os moradores dão a sua opinião, incluindo o “régulo”, que é o chefe tradicional africano. Este continua tendo o seu papel importante, de gerir conflitos, resolver problemas de terra e outras questões tradicionais.

– Você não pode imaginar a mudança. Eu estive aqui há dez anos atrás e sei como era. Antes as pessoas estavam paralisadas. Hoje, elas organizam cooperativas e até grupos de mulheres e já conseguem formular seus pedidos e reclamar uma resposta ao governo local – relata Nicolas Randin, responsável pelos programas de melhoramento da vida rural.

6,5 milhões de dólares

Porém Vitor João aproveita a presença do embaixador e técnicos suíços para solicitar mais ajuda. Ele agradece pelo que já foi feito, mas lembra que ainda falta muito para melhorar a vida na comunidade.

– Gostaríamos de ter um trator para facilitar o trabalho na roça. Porém também precisamos de melhorias nas estradas, pois não é possível escoar a produção se os caminhões não conseguem chegar em Mitutune – conclui – e afinal, seria bom se existisse na região um marceneiro, para comprar nossa madeira, ou uma fábrica, para empregar nossos jovens.

Como um economista, ele sabe que sua comunidade só pode crescer se houver verdadeiros investimentos na região. Infelizmente os países doadores não dispõem de tantos recursos para doar maquinário a cada uma das aldeias moçambicanas. Por outro lado, a infra-estrutura é responsabilidades de instituições mais poderosas, como o Banco Mundial ou o Banco Africano de Desenvolvimento.

Porém o líder comunitário pode ficar tranqüilo: a ajuda suíça vai continuar. Uma boa notícia que os visitantes trazem na pasta para essa e outras aldeias na região é que o programa havia sido relançado oficialmente uma semana antes da visita.

Financiado pela Cooperação Suíça e conduzido pela Helvetas, uma ONG suíça, ele prevê o investimento de 6,5 milhões de dólares até dezembro de 2007 em cinco distritos beneficiados: três na província de Nampula (Mecuburi, Muecate e Erati) e dois distritos (Chiúre e Ancuabe) na província de Cabo Delgado.

O dinheiro será aplicado em três áreas consideradas fundamentais: produtividade e comercialização dos insumos agrícolas produzidos pelas aldeias, crédito e poupança e também nos sistemas de participação popular na administração e planejamento nos distritos.

– Esse é um programa de médio prazo, que ajuda a essas pessoas a saírem da pobreza com o seu próprio esforço – analisa o alemão Carsten Schulz, coordenador da Helvetas na região.

SIDA no teatro e banquete

Depois da apresentação, os moradores de Mitutune pedem que Vitor João continue falando, afinal ele é o melhor orador da aldeia. Agora o grupo de teatro feminino se apresenta. O projeto, também apoiado por ONGs suíças e moçambicanas, visa levar de forma lúdica as aldeias no país informações sobre o SIDA, uma doença que já atinge 14% da população.

Cinco mulheres da aldeia e um homem apresentam peça em “makhuwa”, o dialeto local. Durante a apresentação, o público dá várias gargalhadas. Um funcionário local de ONG tem de traduzir o que é falado para o embaixador suíço. Ele também termina rindo. O humor é um elemento importante na tradição oral moçambicana.

A peça explica que curandeiros não podem curar o SIDA. Ela mostra que o contágio se dá através do sangue contaminado e a transmissão através do sexo sem proteção. “Também não há contaminação se a pessoa dividir sua comida ou a água com um doente”, lembra Vitor João que aproveita a ocasião para lembrar a importância da fidelidade entre os casais.

O dia foi longo para o embaixador e os técnicos da Cooperação Suíça. Porém os habitantes de Mitutune não podem deixar os visitantes irem embora de barriga vazia.

As mulheres prepararam um prato muito especial: xima de mapira, um bolo preparado com o cereal que lembra uma grande batata; carne de cabrito desfiada e mapira fresca. Todos comem sentados no chão, inclusive o próprio embaixador. Assim manda a tradição.

swissinfo, Alexander Thoele

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