
Por que cinco países europeus querem reautorizar as minas antipessoais

Frente à ameaça militar russa na Europa, os três países bálticos, a Polônia e a Finlândia decidiram se retirar do tratado que proíbe minas antipessoais. O número de vítimas desse tipo de arma caiu significativamente, mas a decisão desses países europeus pode comprometer décadas de progresso.
Assine AQUI a nossa newsletter sobre o que a imprensa suíça escreve sobre o Brasil, Portugal e a África lusófona.
Em uma declaração conjuntaLink externo publicada em 18 de março de 2025, os ministros da Defesa da Estônia, Letônia, Lituânia e Polônia anunciaram sua intenção de deixar a Convenção de Ottawa. Esse tratado histórico proíbe o uso, o armazenamento, a produção e a transferência de minas antipessoais. Desde sua criação em 1997, nenhum país havia se retirado do tratado. Logo em seguida, em 1º de abril, a Finlândia também anunciou sua saída da convenção. Veja abaixo as respostas para quatro perguntas essenciais.
Por que esses países querem deixar a convenção?
Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia e Finlândia – todos países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e vizinhos diretos da Rússia ou de sua aliada Bielorrússia – citaram a ameaça militar russa como o principal motivo para se retirarem da Convenção sobre a Proibição de Minas Antipessoais.
Frente à deterioração da segurança na Europa, esses países afirmaram que não desejam mais se privar do que consideram ser uma ferramenta de dissuasão militar. Os países bálticos e a Polônia declararam que essa era “uma mensagem clara” de que estão “prontos para utilizar todos os meios necessários” para se defenderem.
Esses anúncios ocorrem no momento em que os membros europeus da OTAN buscam assegurar sua própria defesa frente à incerteza da aliança americana. O presidente americano, Donald Trump, deu a entender diversas vezes que os Estados Unidos não poderiam defender os países da aliança que não estivessem cumprindo seus compromissos em matéria de gastos militares.
Várias potências nunca assinaram a Convenção de Ottawa, entre elas a China, a Índia, o Irã, Israel, a Rússia, o Paquistão e os Estados Unidos. Até hoje, dos 193 países reconhecidos pela ONU, 165 assinaram o tratado.
>> Leia também o nosso perfil de Tun Channareth, um ativista cambojano que desempenhou um papel fundamental na proibição das minas antipessoais:

Mostrar mais
Tun Channareth, sobrevivente e incansável opositor das minas antipessoais
A Rússia utiliza minas antipessoais no contexto da sua invasão da Ucrânia, que se tornou o país mais minado do mundo, segundo a ONU. O exército ucraniano também teria utilizado essas armas, de acordo com a ONG Human Rights Watch.
Por que essa retirada é controversa?
A decisão desses cinco países suscitou uma grande indignação entre os defensores do direito internacional e as organizações não governamentais (ONG) que lutaram durante anos pela criação da Convenção de Ottawa.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, afirmou estar “seriamente preocupado” com a decisão desses Estados, que ameaça “enfraquecer a proteção de civis e desestabilizar duas décadas de um quadro normativo que salvou inúmeras vidas”.
Por sua vez, a presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Mirjana Spoljaric, falou de uma “mudança de rumo perigosa”, observando que “o consenso mundial que fazia das minas antipessoais um símbolo de desumanidade começou a se enfraquecer”.
Esse tratado tem um forte valor simbólico, pois foi o primeiro a interditar uma classe inteira de armas por razões humanitárias. Atualmente, os círculos pacifistas temem um efeito dominó. Em outras palavras, seu medo é que a retirada desses países leve outros Estados a saírem da convenção ou de outros tratados de desarmamento. Para eles, é essencial manter um estigma em torno dessas armas.
Qual é o problema dessas armas?
Especialistas e ONGs destacam o altíssimo preço que as populações civis pagam em decorrência do uso dessas armas. Mais de 80% das vítimas de minas antipessoais são civis, dos quais 40% são crianças, segundo o CICV.
Enterradas no solo, essas armas continuam fazendo vítimas décadas após o fim das hostilidades. Ainda hoje, civis são mortos e mutilados por minas antipessoais no Camboja, na Bósnia-Herzegovina e no Afeganistão, já que as operações de remoção de minas são extremamente delicadas, caras e demoradas. No início do ano, esses projetos também sofreram uma desaceleração devido aos cortes orçamentários da administração Trump, embora o governo afirme ter restabelecido alguns programas.
Após a criação da Convenção de Ottawa, o número anual de vítimas – mortas ou feridas – de minas antipessoais caiu drasticamente, passando de 25.000 em 1997 para pouco mais de 3.000 em 2013. Em 2023, esse número havia aumentado para 5.700, com muitas vítimas na Ucrânia e na Birmânia. Ao mesmo tempo, os estoques de cerca de 55 milhões de minas foram destruídos, enquanto o número de países produtores caiu de várias dezenas para apenas alguns.
Há um declínio geral no desarmamento?
No ano passado, a Lituânia anunciou sua retirada da Convenção sobre Munições de Fragmentação. Esse tratado é um dos outros pilares do desarmamento humanitário, um pacote de cinco convenções que inclui a Convenção de Ottawa e as convenções que proíbem armas biológicas, químicas e nucleares.
>> Leia também nossa análise sobre a erosão do desarmamento humanitário na Europa:

Mostrar mais
Guerra na Ucrânia desgasta apoio europeu ao desarmamento humanitário
Na época da saída da Lituânia da Convenção sobre Munições de Fragmentação, já havia o temor de que essa decisão provocasse um efeito dominó. Quando entrevistado pela Swissinfo, o professor Keith Krause, do Instituto de Pós-Graduação de Genebra, falou de uma “erosão incontestável do compromisso com o desarmamento humanitário e a arquitetura global do desarmamento”, citando a retirada dos Estados Unidos e da Rússia do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário e do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, em 2019 e 2023, respectivamente.
Embora tenha aderido à Convenção sobre a Proibição de Minas AntipessoaisLink externo, o Brasil está entre os países que não assinaram a Convenção sobre Munições de Fragmentação. Em 2022, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados do Brasil rejeitouLink externo um projeto de lei que visava proibir o uso, a produção, o armazenamento e a comercialização de bombas de fragmentação. Atualmente, o Brasil é um dos poucos exportadores desse tipo de bomba, que é produzida no país pela empresa Avibras. Em 2016, a ONG Human Rights Watch afirmouLink externo que munições de fragmentação fabricadas no Brasil teriam sido utilizadas pela coalizão liderada pela Arábia Saudita para atacar o Iêmen, ferindo civis.
Os acontecimentos recentes parecem confirmar a hipótese de que essas convenções, que deveriam proteger os civis em tempos de guerra, estão sendo enfraquecidas.
Edição: Virginie Mangin/fh
(Adaptação: Clarice Dominguez)

Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Mostrar mais: Certificação JTI para a SWI swissinfo.ch
Veja aqui uma visão geral dos debates em curso com os nossos jornalistas. Junte-se a nós!
Se quiser iniciar uma conversa sobre um tema abordado neste artigo ou se quiser comunicar erros factuais, envie-nos um e-mail para portuguese@swissinfo.ch.