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Novo Parlamento tem primeiro deputado africano

Ricardo Lumengo, de exilado à parlamentar. Keystone

Começa hoje uma nova legislatura de quatro anos do Parlamento federal suíço. Entre os novos eleitos está o angolano Ricardo Lumengo.

Aos 45 anos , Lumengo é duplamente pioneiro na política federal suíça. Além de ser o primeiro deputado federal africano, ele também é o primeiro eleito que chegou à Suíça como exilado político.

O menino de etnia Bakongo que nasceu em Lussenga, perto de Maquela La Zombo, província de Vige, no norte de Angola, nunca poderia imaginar que um dia se tornaria deputado federal na Suíça.

Ele está entre os novos eleitos e toma posse hoje, 3 de dezembro, por um mandato de quatro anos, no majestoso Palácio Federal, em Berna, que abriga os sete ministérios do Executivo e o Parlamento bicameral de 200 deputados e 52 senadores.

Surpresa e satisfação

“Quando soube que fui eleito, minha primeira reação foi de surpresa e depois de satisfação e alegria”, confessa a swissinfo em Bienne, cidade que é sua base eleitoral no cantão de Berna e às margens de um belo lago.

Tinha motivo para satisfação de ser eleito, considerando-se o longo percurso de Ricardo Lumengo. A família do professor Miguel teve de exilar-se por quatro anos no Congo vizinho quando os filhos ainda eram pequenos. Professor primário, o pai dos Lumengo era militante pela independência e a repressão dos portugueses apertou.

Na volta do exílio, a família Lumengo foi diretamente para a capital Luanda, onde ainda residem os pais, quatro irmãs e um irmão que Ricardo, o filho mais velho, visita de tempos em tempos. Discreto, ele afirma que não avisou de sua eleição mas que os familiares souberam porque leram nos jornais. Também não acredita que haverá festa para o político suíço quando de sua próxima visita, no ano que vem.

Foi em Luanda, na escola primária, que Ricardo aprendeu a ler e a escrever, em português, uma das oito línguas que fala atualmente: kikongo (língua materna), kikongo ya leta, lingala, português, francês, alemão, inglês e espanhol.

Suíça foi segundo exílio

Estudou em Luanda até o primeiro ano da universidade (Química) mas, com a guerra civil depois da independência, decidiu sair do país – como tantos outros angolanos – e depositou um pedido de asilo político na Suíça em 1982, então com 20 anos.

“Naquela época havia um número menor de imigrantes e uma situação de pleno emprego na economia. Hoje a tensão é muito maior porque, com tantas guerras e situações de miséria, a imigração aumentou e, infelizmente, surgiram até delinqüentes entre os imigrantes. Por isso hoje a tensão é mais palpável e há uma maior rejeição dos estrangeiros”, explica.

Lumengo viveu de pequenos empregos enquanto estudava direito na Universidade de Fribourg. Ele nega (sempre sorrindo) que tenha se tornado jurista para melhor se defender, embora admita que foi para melhor defender os direitos dos imigrantes como ele.

“Sempre pensava em voltar e militei durante dez anos pela paz em Angola. Quando ela chegou percebi que minha vida estava aqui é que era aqui que eu devia trabalhar para ajudar a melhorar a vida das pessoas porque também existem problemas na Suíça”.

Naturalização e política

Aderiu então ao Partido Socialista Suíço (PS), enquanto trabalhava como conselheiro jurídico no sindicato Unia e na associação Multimundo com projetos de integração dos estrangeiros.

A militância pela integração rendeu-lhe atos de racismo como uma agressão de ‘skins head’durante uma manifestação e controles sistemáticos na polícia de fronteiras a cada vez que ia visitar amigos na França vizinha. Recebeu também cartas anônimas de ameaças. “Aceito críticas mas não insultas”, afirma Ricardo Lumengo.

Naturalizado em 1997, ele afirma que o dia em que recebeu a confirmação por escrito de que se tornaria suíço é uma de suas melhores lembranças: “senti um orgulho difícil de explicar e a certeza de que eu realmente amava este país e deveria servi-lo.”

Alguns anos depois, em 2004, foi eleito vereador (conselheiro municipal) de Bienne, cidade onde foi morar depois dos estudos em Fribourg. “Conhecia muita gente a acho que foram os amigos que me elegeram”.

Sua popularidade aumentou e em 2006 ele foi surpreendentemente eleito deputado estadual no cantão de Berna. Começava aí o pioneirismo do africano ex-exilado político.

Para a campanha às legislativas federais de outubro, realizadas de quatro em quatro anos na Suíça, a direção regional do Partido Socialista pediu para incluir o nome de Lumengo para preencher a lista de candidatos. Ou seja, o próprio PS não acreditava em sua eleição.

Terceiro mandato

A campanha eleitoral foi a mais dura e radicalizada até agora na Suíça. A UDC, União Democrática do Centro que, apesar do nome, é o mais à direita dos grandes partidos – além de ser o maior do país – deu o tom da campanha. Nacionalista e isolacionista, a UDC encheu o país de cartazes em que quatro carneiros brancos expulsavam, aos coices, um carneiro preto da bandeira da Suíça.

Foi nesse contexto que Ricardo Lumengo foi eleito deputado federal. “Quando aceitei ser candidato, acreditava na minha eleição apesar de estar no final da lista do partido”, afirma a swissinfo. Ele percorreu quase todo o cantão de Berna com uma campanha de proximidade e funcionou.

“Minha eleição significa um ato de resistência da maioria dos suíços que quer um país aberto e multirracial, ao contrário do que proclamam alguns políticos. É uma grande responsabilidade mas a experiência do parlamento estadual me será útil.”

O deputado federal afirma, em seu novo mandato, que vai continuar trabalhando para uma melhor integração dos estrangeiros. “Parte dos imigrantes tem pouca qualificação profissional e é preciso insistir na formação e em uma melhor integração com as empresas e o mercado de trabalho. Também é preciso continuar a lutar contra o desemprego”.

Os suíços deverão votar futuramente uma iniciativa lançada pela UDC (acima citada) que visa a expulsão de delinqüentes estrangeiros e suas famílias.

“Sendo em mesmo de origem estrangeira, sou consciente do problema e particularmente severo frente à violência dos jovens estrangeiros. Também sou da opinião que o estrangeiro que quer viver em outro pais tem de esforçar para integrar-se e respeitar as leis e costumes do país de adoção. Mas a idéia de expulsa família de um delinqüente seria uma violação grave da noção de responsabilidade em um Estado de direito”, conclui o Ricardo Lumengo.

swissinfo, Claudinê Gonçalves

Ricardo Lumengo nasceu em Lussenga, província de Vige, norte de Angola, em 22 de fevereiro de 1962. É de etnia Bakongo e sua língua materna é o kidongo. Fala 8 línguas.

Hoje é o filho mais velho de uma família de 4 irmãs e um irmão, que vivem em Luanda. Ricardo é solteiro e tem dois filhos.

Naturalizu-se suíço em 1997.

Chegou à Suíça em 1982 como exilado político. Viveu de pequenos trabalhos para pagar seus estudos e formou-se em Direito pela Univerisade de Fribourg. Trabalha como consultor jurídico para o sindicato Unia e para a associação Multimondo de projetos de integração dos estrangeiros.

Membro do Partido Socialista, foi eleito conselheiro municipal (vereador) em Bienne, cantão de Berna, em 2004. Foi eleito deputado estadual em 2006 e, em outubro de 2007, deputado federal.

Lumengo é o primeiro deputado federal suíço de origem africana e também o primeiro que chegou ao país como exilado político.

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