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Racismo na Suíça: a perspectiva de uma expatriada

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Uma corrida contra o racismo, realizada pela 17ª vez em Zurique, em setembro Keystone

Uma afroamericana morando na Suíça compartilha experiências diárias suas e de seus filhos com o racismo

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Eu pessoalmente tive experiências com suíços educados, alegres, prestativos e dispostos, sempre que possível, a falar comigo em Inglês quando o meu alemão suíço básico falhou. Sinto mais o fardo de ser uma estrangeira que não fala a língua nativa do que o fardo do racismo. Mas, a maioria dos suíços com os quais interajo são comerciantes e ser simpático é uma parte importante de seus trabalhos.

Christine Worrell
Christine Worrell é uma americana expatriada que vive na Suíça com sua família há cinco anos. Mãe de dois filhos e ex-advogada corporativa, atualmente ocupa três conselhos de organizações caritativas na Suíça. Ela gosta de viajar, ler e cozinhar. Ela é fluente em italiano e continua tentando aprender alemão Christine Worrell

Embora meu filho e minha filha pré-adolescentes/adolescentes frequentem uma escola internacional, eles andam de transporte público, viajam por outras partes da Suíça para participar de torneios esportivos e socializam com crianças suíças. Eles estão muito mais integrados na sociedade suíça do que eu. E eles foram vitimizados por causa de sua raça.

Jamais esquecerei a indignação chorosa do meu filho quando ele me contou sua primeira experiência de racismo, que aconteceu na Suíça. Ele estava indo encontrar uns amigos perto do lago, quando uma mulher apertou a bolsa e atravessou a rua para evitar caminhar perto dele. Meu garoto engraçado, inteligente e de rosto angelical era visto como alguém a ser evitado, alguém que era uma ameaça. Alguém que não pertence àquele lugar por causa da cor de sua pele.

A questão sobre o tratamento racista é que, mesmo sendo uma pessoa de cor e estando sempre alerta a ele, de alguma forma você é sempre pego de surpresa. Me culpei por não ter tido a “conversa” com meu filho, aquela que todo pai ou mãe negro deve ter para preparar seus filhos para o dia em que eles serão percebidos negativamente e/ou tratados de forma diferente por causa da cor de sua pele. De alguma forma pensei que teria mais tempo, ou que todos que olhassem para o meu lindo filho o enxergassem pelo que ele realmente era – um ótimo garoto. Lembro-me de explicar a ele naquele dia que a vergonha do racismo está na pessoa que comete o ato racista, e não na pessoa submetida ao racismo. Expliquei que o racismo derivava ou do ódio ou da ignorância, e que nós devemos ter pena das pessoas com ódio em seus corações ou mentes ignorantes.

O incidente com o motorista de ônibus

Eu estava presente no próximo acontecimento seriamente racista que aconteceu com ele. Ele estava esperando o ônibus em uma parada perto de sua escola, que também atende a um centro de refugiados próximo. Mesmo que ele tenha feito o sinal, o motorista do ônibus não parou e ria enquanto passava e mostrava o dedo do meio para o meu filho. Alimentada pelo ódio e pelo desejo de ensiná-lo que na vida é importante confrontar um comportamento inaceitável, entrei em contato com a escola e com a empresa de ônibus e fiz uma queixa. Felizmente, fui levada a sério pelos dois lugares. Eles nos encontraram, uma investigação foi feita e o motorista foi demitido. Acontece que esta foi a última de uma série de infrações cometidas por ele. Embora eu estivesse com raiva que um motorista de ônibus com um histórico de comportamento inadequado pudesse continuar a ser empregado e a dirigir crianças, fiquei feliz com a resolução do problema. Mas, muitas vezes me pergunto: e se meu menino de pele morena fosse realmente a criança refugiada com a qual foi confundido, e se ele não tivesse o benefício de uma escola internacional apoiando sua reivindicação, o incidente teria sido levado a sério e o resultado teria sido o mesmo? Eu nunca saberei.

Minha filha não estava imune a experiências negativas, embora seja uma menina. Ela já foi empurrada para o chão por um garoto suíço e chamada de “nigger” (negra) enquanto estava em um ônibus público. Ela não tinha tido nenhuma interação com esse garoto antes de ser agredida e estava apenas conversando com sua amiga. Felizmente, sua amiga falava Alemão fluentemente e, enquanto minha filha o repreendia em Inglês, sua amiga fazia o mesmo em Alemão. Fiquei orgulhosa dela por enfrentar um valentão racista, mas também com medo de que da próxima vez (pois tenho certeza de que haverá uma próxima vez) ela esteja sozinha e o garoto não esteja disposto a desistir.

Falta de acesso igualitário

Como resultado da imigração, a Suíça está se tornando mais racialmente diversificada. Estima-se que existam aproximadamente 100 mil pessoas negras vivendo hoje no país. A Suíça tem uma oportunidade única de aprender com os erros dos Estados Unidos e sua história racial tóxica, e com seus vizinhos europeus, muitos dos quais não conseguiram integrar as significativas populações de imigrantes africanos e árabes e falharam em educar a população nativa sobre tolerância e aceitação. O governo suíço está tomando medidas para entender a questão do racismo na Suíça, que é o primeiro passo para abordá-lo. Um estudo da Comissão Federal Suíça Contra o Racismo (Swiss Federal Commission Against Racism) descobriu que os negros na Suíça não têm acesso igualitário aos serviços públicos, habitação, emprego ou a proteção do sistema judicial, e são frequentemente sujeitos à discriminação racial pelas autoridades. Apesar desses resultados, em uma pesquisa de 2017, 51% dos suíços enxergavam o racismo em relação aos negros como um problema pequeno.

O racismo existe em muitos lugares, não menos em meu país de origem, os Estados Unidos. Mas o racismo em qualquer lugar é um mal social que deve ser esmagado, erradicado e proibido de criar raízes, porque assim como uma erva daninha, florescerá e prosperará em detrimento da sociedade. Uma das recomendações da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), do Conselho da Europa r da qual a Suíça é membro, é que o racismo não pode ser combatido sem o envolvimento da “sociedade civil”. Uma abordagem de cima para baixo tem pouca chance de sucesso, mas o engajamento dos cidadãos é crucial. O Conselho também vê o levantamento das experiências e percepções discriminatórias de possíveis vítimas do racismo como cruciais para entender e combater o problema. É com este pano de fundo que compartilho minha parte. Sinto que é importante compartilhar as histórias, a perspectiva e as experiências de minha família para criar uma melhor compreensão de como é ser negro e moreno e morar na Suíça.

Minha filha acabou de retornar à Suíça de uma viagem escolar à Tanzânia. Quando meu marido perguntou a ela qual parte de sua viagem causou a maior impacto nela, sua resposta nos surpreendeu. Ela disse que ficou impressionada com o quão felizes e alegres as pessoas eram. Eles tinham muito pouco, e ainda assim eram gentis, generosos e acolhedoras com os estudantes internacionais que foram visitá-las e aprender sobre sua cultura. Não seria maravilhoso se a Suíça pudesse tratar os recém-chegados de todas as raças com o mesmo espírito de abertura e aceitação?

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Adaptação: Tom Belmonte

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