Entrevista com Dick Marty

"A maior parte dos governos não dizem a verdade nessa questão", Dick Marty. Keystone

Dick Marty, encarregado pelo Conselho da Europa de fazer um relatório sobre a existência de prisões clandestinas da CIA, considera a reportagem do Blick um "furo".

Em entrevista ao jornal, ele se mostrou confiante de que os governos europeus se tornem mais cooperativos no esclarecimento do caso.

O senador suíço Dick Marty considera a aparição do documento egípcio como mais uma contribuição às investigações conduzidas pelo Conselho da Europa sobre as prisões secretas da CIA no continente. Porém ele se pergunta por que o fax se tornou público justamente na Suíça.

Blick: Como você analisa o fax do Egito?

Dick Marty: Eu não posso julgar se o documento é verdadeiro. Se for, então ele será um novo indício da existência de prisões secretas da CIA na Europa.

Existiria dúvida em relação à veracidade do documento?

Ainda faltam elementos pare eu fazer um julgamento. Porém esse papel abre para mim vários pontos de interrogação. Por que o serviço secreto suíço interceptou uma correspondência entre Londres e Cairo? O documento teria sido entregue propositalmente à Suíça? Alguém teria interesse de que a questão fosse tornada pública na Suíça?

Qual seria a sua análise?

Eu não sei. O mundo dos serviços secretos é um mundo extremamente complicado.

O que você considera do conteúdo desse documento?

Novo para mim é o fato de 23 prisioneiros terem sido interrogados numa base na Romênia. Essa é a primeira vez que esse número aparece. Porém as localizações presumidas dessas prisões já são há muito tempo públicas.

Qual o valor que o serviço secreto deve ter dado para a mensagem interceptada?

Levando-se em conta a veridicidade do fax, acho que muito valor. A mensagem data de 10 de novembro de 2005. Desde o início de novembro a imprensa mundial fala sobre a existência dessas prisões. Em 7 de novembro recebi, eu como suíço, do Conselho da Europa a responsabilidade de levar adiante investigações sobre o tema. Tudo isso deve ter levado o serviço secreto a informar o poder político, o governo federal da Suíça.

A ministra das Relações Exteriores Micheline Calmy-Rey foi informada?

Sim, pois essas informações têm uma dimensão de política externa. Calmy-Rey já havia solicitado, em junho de 2005, informações à ministra americana Condolezza Rice sobre a questão da CIA.

A que pé estão atualmente as investigações sobre as prisões da CIA na Europa?

O caminho é longo e complicado, porém estou otimista que ele nos levará ao nosso objetivo. A questão é debatida em cada vez mais países, incluindo os Estados Unidos como mostram as críticas feitas ao governo Bush pelas escutas clandestinas. Também a justiça italiana conseguiu provar que a CIA participou do seqüestro do imame Abu Omar. O ministério público de Milão fez um trabalho excelente.

Porém o primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi, afirmou que as denúncias são falsas.

Isso não significa nada. Quase todos os governos não dizem a verdade sobre essa questão.

Os planos de vôos sobre os aviões da CIA e as fotos de satélite das presumidas prisões já foram entregues pela Eurocontrol?

Não, ainda não. Porém se ainda não recebemos as informações, isso já pode ser considerado uma resposta.

Entrevista do Blick, publicada em 9.01.2006

Fatos

Dick Marty nasceu em 1945 em Sorengo, no cantão do Tessin.
Ele é doutor em direito e trabalha como consultor jurídico e econômico.
Desde 1995 é membro do Senado Federal helvético, onde representa o Partido Liberal-Radical.
Marty também é membro da assembléia parlamentar do Conselho da Europa, onde ele preside desde 7 de novembro a comissão de questões jurídicas e dos direitos humanos.