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Prisão de filho de Kadafi gera crise entre Suíça e Líbia

Hannibal Kadafi fotografado na Dinamarca, em 2005. Keystone Archive

A prisão de Hannibal Kadhafi, filho caçula do dirigente líbio Muammar Kadafi, e sua esposa por acusação de violência cometida contra empregados domésticos provoca crise diplomática entre os dois países e retaliações.

Como medida de precaução, o governo suíço recomenda aos seus cidadãos a renunciar até novas ordens a qualquer viagem para a Líbia.

O relacionamento entre ambos os países se tornou extremamente tenso após uma ação policial ocorrida em Genebra, onde Hannibal Kadafi, filho mais novo do presidente da Líbia, e a sua esposa foram detidos em 15 de julho no hotel Presidente Wilson em Genebra, depois de a polícia ter sido chamada por funcionários do hotel revoltados pelo tratamento dado pelo casal a dois dos seus empregados domésticos.

No dia seguinte eles foram acusados de ter cometido lesões corporais simples, ameaça e coação. As duas vítimas do casal, uma tunisiana de 35 anos e empregada há um mês e um marroquino de 36 anos, empregado há cinco anos, deram queixa na polícia.

Após dois dias de detenção, o casal Kadafi foi liberado após pagamento de uma caução de meio milhão de francos e retornaram à Líbia. Se não comparecerem à audiência que deverá ser convocada pelo juiz genebrino, o dinheiro pode ser confiscado. Os dois empregados pediram asilo político na Suíça. As autoridades líbias negam veementemente as acusações.

Olho por olho, dente por dente

As retaliações líbias não tardaram. Elas tomaram uma amplitude que obrigou a mobilização da diplomacia helvética. Micheline Calmy-Rey, ministra das Relações Exteriores, que acompanhou a situação desde o início dos acontecimentos, interrompeu suas férias na quarta-feira (23 de julho).

O governo helvético criou uma “task force” interministerial e uma missão diplomática para tentar evitar uma crise entre os dois países. A missão é dirigida por Pierre Helg, terceiro homem do Ministério das Relações Exteriores. Sem subestimar a gravidade da situação, os diplomatas se recusam ainda de falar de crise e preferem evocar uma situação “extraordinária” a ser levada à sério.

Em Trípoli, o governo líbio não escondeu seu desgosto e tomou uma série de medidas de represália. Além de chamar de volta o encarregado de negócios em Berna e de outras delegações oficiais que estavam em visita oficial à Suíça, o país também suspendeu a cessão de vistos para cidadãos helvéticos e a legalização de documentos. Dois cidadãos suíços também estão presos desde sábado na Líbia sob diferentes pretextos ainda não esclarecidos. Empresas helvéticas no país foram fechadas e os escritórios de algumas delas lacrados.

Esse é o caso da filial da Nestlé, onde o único representante na Líbia, um cidadão egípcio, foi interrogado pela polícia durante várias horas. Um empregado da ABB foi detido e o escritório da empresa fechado temporariamente. As ligações aéreas entre os dois países foram reduzidas ao mínimo, em razão de “problemas técnicos” invocados pelas autoridades líbias no aeroporto de Trípoli. Essas são medidas que afetam tanto a companhia Swiss como a Líbia Afriqiyah Airways.

Protestos

Na quarta-feira, dezenas de pessoas manifestaram frente à embaixada suíça em Trípoli. Seus representantes entregaram ao embaixador Daniel von Muralt um comunicado ameaçando o país de represálias se suas autoridades não se desculparem formalmente. Os comitês revolucionários, engrenagem importante do regime em Trípoli, estão pedindo o boicote de bancos suíços e interrupção da venda de petróleo bruto.

Em 22 de julho, Micheline Calmy-Rey teve uma conversa telefônica com seu homólogo líbio, Abderrahman Shalgan. Ela manifestou “um protesto claro e grande preocupação” face ao desenvolvimento dos fatos, exprimindo também o desejo da Suíça de evitar qualquer escalada e de manter as boas relações bilaterais entre os dois países. O Ministério das Relações Exteriores, que forneceu à imprensa um mínimo de informações, se mantém discreto e não revela os instrumentos colocados em execução para abafar os protestos líbios. Seu primeiro objetivo é liberar os suíços e outras pessoas detidas e conseguir a retirada das medidas implementadas contras as empresas helvéticas.

Importante parceiro comercial

Aproximadamente quarenta cidadãos suíços vivem na Líbia, a maioria com dupla nacionalidade. Por enquanto nenhum grupo de turistas helvéticos se encontra no país árabe, porém as autoridades não excluem a possibilidade que viajantes individuais entrem no seu território.

A Líbia é o principal fornecedor de petróleo da Suíça e seu segundo parceiro comercial na África, atrás apenas da África do Sul e antes da Nigéria. Cerca de metade das importações suíças de óleo bruto vem da Líbia. A refinaria de Collombey (cantão do Valais, sudoeste da Suíça) trata apenas petróleo líbio.

A Líbia, como explica o Ministério da Economia na Suíça, produz petróleo de alta qualidade com um custo de refino bastante reduzido. A qualidade do material pobre em enxofre permite às refinarias suíças de serem competitivas em escala internacional, respeitando também as regras de proteção do meio-ambiente. A refinaria de Collombey e uma rede de 350 postos de gasolina pertencem à rede Tamoil, empresa que, de fato, é propriedade do Estado líbio.

A União Petroleira (UP), sindicato dos produtores e revendedores na Suíça, não teme problemas de abastecimento no país. “Para a Líbia, interromper as exportações de óleo bruto seria como dar um tiro no próprio pé”. O petróleo líbio representa 20% do consumo total do país. As reservas estratégicas da Suíça são suficientes para responder à demanda e procurar outros fornecedores no mercado internacional.

“Polícia fez um bom trabalho”

O cantão de Genebra refutou as acusações do governo líbio de ter maltratado Hannibal Kadafi e sua esposa. “A polícia fez um bom trabalho”, declarou Laurent Moutinot. O presidente cantonal e diretor de justiça explicou que os agentes não foram violentos contra o casal, não derrubaram a porta do hotel onde estavam hospedados ou colocaram um saco plástico na cabeça de Hannibal, como foi declarado.

Durante a prisão, vinte policiais foram empregados e não trinta. O número de agentes é justificado devido à presença de guarda-costas. Apenas contra dois deles, líbios de nacionalidade, foi aplicada a força. “Depois demos tratamento preferencial para Hannibal, que pode até escolher a melhor cela no Palácio de Justiça de Genebra”, explica. O governo em Genebra manteve durante todo o tempo contato com órgãos federais suíços para manter a correção da operação.

Entrevistados pelo jornal “Tribune de Genève”, os dois empregados domésticos que desencadearam a crise entre a Suíça e a Líbia através da queixa dada na polícia, mostraram seus ferimentos aos repórteres. “Éramos escravos do filho de Kadafi e sua esposa”, afirmou a tunisiana de 35 anos. Os dois revelaram um histórico de violência, passaportes confiscados e tirania por parte do casal.

Genebra se transformou para os dois em uma oportunidade de fugir do calvário. “Eu aproveitei essa viagem para denunciar tudo o que vivíamos. Foi a polícia que me recomendou pedir asilo na Suíça”, explica o marroquino de 36 anos.

À espera de uma decisão oficial do governo suíço, os dois estão em um local não revelado e temem retaliações na Líbia. “Minha mãe foi presa em Trípoli e meu irmão está escondido no país. Eu tenho medo pela minha vida. Meu advogado já alertou as autoridades marroquinas”.

Oficialmente, o governo líbio refuta as acusações e diz que os ex-empregados aproveitaram a ocasião apenas para justificar o pedido de asilo na Suíça.

swissinfo com agências

Hannibal Kadafi, o filho caçula do dirigente líbio Muammar Kadafi, e sua esposa foram detidos pela polícia suíça em 15 de julho no hotel Presidente Wilson em Genebra.

A polícia foi chamada por funcionários do hotel, revoltados pelo tratamento dado pelo casal a dois dos seus empregados domésticos.

Hannibal e Aline Kadafi foram indiciados no dia seguinte por lesões corporais simples, ameaça e coação.

As duas vítimas do casal, uma tunisiana de 35 anos e empregada há um mês e um marroquino de 36 anos, empregado há cinco anos, deram queixa na polícia.

Após dois dias de detenção, o casal Kadafi foi liberado após o pagamento de uma caução de meio milhão de francos e retornaram à Líbia. Se não comparecerem à audiência do juiz genebrino, o dinheiro será confiscado.

Os dois empregados pediram asilo político na Suíça. As autoridades líbias negam as acusações.

A Líbia é o segundo parceiro comercial da Suíça no continente africano, atrás apenas da África do Sul. Ela pesa cerca de dois bilhões de francos.

O país também é o principal fornecedor de petróleo bruto da Suíça.

Em 2006, 48,8% das importações helvéticas de petróleo bruto vinham da Líbia, segundo informações da Secretaria Federal de Economia (SECO, na sigla em francês).

A balança comercial entre os dois países é favorável à Líbia.

Em razão do petróleo, as importações chegavam a 1,677 bilhões de francos em 2006, enquanto as exportações suíças para a Líbia não passavam de 240 milhões de francos.

A Líbia compra, sobretudo, máquinas, produtos farmacêuticos e agrícolas da Suíça.

Ao fim de 2007, os fundos líbios depositados nos bancos suíços chegavam a 5,784 bilhões de francos, segundo estatísticas do Banco Central Suíço (BNS).

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