O que o recuo dos EUA significa para as prioridades climáticas da Suíça
A ausência dos Estados Unidos – a maior economia do mundo e o segundo maior poluidor – projeta incertezas sobre as negociações climáticas internacionais. Para a Suíça, o vácuo deixado pelos EUA reforça sua posição em relação ao financiamento climático e coloca em risco a possibilidade de abandonar gradualmente os combustíveis fósseis.
Em janeiro, os Estados Unidos notificaram a ONU de que deixariam o histórico Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, firmado dez anos atrás durante a conferência anual sobre o clima (COP). Dois meses antes de a retirada entrar oficialmente em vigor, a delegação dos EUA escolheu não comparecer à COP30, realizada em novembro na cidade amazônica de Belém, no norte do Brasil.
Segundo Felix Wertli, principal negociador suíço sobre políticas climáticas, os Estados Unidos costumavam enviar delegações robustas, cujas posições frequentemente se alinhavam às dos países europeus. Então, “a dinâmica [no Brasil] foi um pouco diferente”, observou Wertli, acrescentando que a ausência dos EUA parecia ser tratada como um tabu, apesar de sua influência desproporcional tanto nos impactos climáticos quando no financiamento.
A ausência de Washington foi sentida particularmente nas discussões finais sobre como financiar as necessidades de adaptação climática de países vulneráveis, afirmou Wertli. O plano “roteiro de Bacu a Belém”, que visa ampliar o financiamento climático para cerca de US$ 1,3 trilhão até 2035, permanece em vigor e, no Brasil, os países concordaram em triplicar os recursos destinados à adaptação climática, alcançando a cifra de US$ 120 bilhões por ano. Mas a saída dos EUA significa que haverá menos recursos disponíveis para financiamento.
“Agora temos um país doador a menos”, explicou Wertli. Ele acrescentou que a Suíça “gostaria de ter discutido mais” com as outras partes sobre o tema antes de a redação do texto ser aprovada por consenso.
Suíça impõe limites ao financiamento climático
Na cúpula da COP30, o ministro suíço do Meio Ambiente, Albert Rösti, afirmou que ampliar as obrigações de financiamento climático seria o limite para a Suíça. Já o Reino Unido e a União Europeia mostraram-se mais flexíveis em negociações de última hora, afirmando que haveria a possibilidade de ajustar sua posição sobre financiamento se outros países, particularmente os produtores de petróleo, fossem mais ambiciosos na limitação de combustíveis fósseis.
A recusa firme da Suíça em não ampliar o financiamento também foi influenciada por realidades geopolíticas e por preocupações com a redução dos orçamentos de ajuda de outros doadores, que já haviam iniciado os cortes antes mesmo da troca de governo nos Estados Unidos. Vários países da Europa Ocidental, incluindo a própria Suíça, redirecionaram recursos de ajuda humanitária e desenvolvimento para a área de defesa, e a China já indicou que não pretende preencher o vazio deixado por Washington.
Na década que antecedeu 2023, o financiamento climático da Suíça mais que dobrouLink externo – somando mais do que sua “cota justaLink externo”, de acordo com um relatório de 2024. E, diferente dos empréstimos que outros países doadores costumavam oferecer, o financiamento suíço consistia majoritariamente em doações, segundo análisesLink externo das organizações internacionais de ajuda humanitária Oxfam e CARE.
Em Belém, a questão de como avançar na adaptação climática era particularmente urgente, já que as metas de financiamento estabelecidas na COP de 2021, em Glasgow, expiram neste ano.
Frente a desastres cada vez mais intensos, países em desenvolvimento na linha de frente da crise climática enfrentam custos cada vez maiores, decorrentes, por exemplo, de inundações, secas ou elevação do nível do mar, ampliando ainda mais o déficit de financiamento para adaptações climáticas. Ainda assim, como 60%Link externo dos recursos são oferecidos por meio de empréstimos, países como a Suíça, os Países Baixos e Mônaco, que contribuem majoritariamente com doações, podem se ver pressionados pela queda no volume total de financiamento.
Por sua vez, Mohamed Adow, fundador e diretor da Power Shift Africa, um think tank com sede em Nairóbi, afirmou que países europeus, incluindo a Suíça, haviam diluído as novas metas de financiamento “para o menor denominador comum” ao tentar triplicar os recursos sem definir uma base de cálculo.
“Eles enfraqueceram as negociações e retiraram as proteções que os países mais pobres buscavam em Belém”, declarou Adow. Essa crítica reflete outras avaliações de que, apesar de sua ausência, a nova posição dos EUA sobre o financiamento internacional tem influenciado outros países ricos a evitarem compromissos financeiros mais robustos. Em 2024, em seu último ano de exercício, o governo Biden havia anunciado o compromisso de aumentar o financiamento climático internacional.
“Quando países de alta renda como a Suíça não chegam às conferências climáticas dispostos a ampliar o apoio àquelas comunidades de países de baixa renda que estão na linha de frente da crise, eles estão efetivamente diluindo a ambição das negociações sendo feitas”, afirma Richard Pearshouse, diretor de meio ambiente e direitos humanos na ONG Human Rights Watch.
Persistência dos combustíveis fósseis
Enquanto o governo Trump reverteu políticas de apoio à transição para fontes de energia limpa e a União Europeia enfrenta uma pressão cada vez maior da indústria automobilística para abandonar a proibição de motores a combustão, a Suíça se juntou a outros países na COP30 para defender a eliminação gradual dos combustíveis fósseis.
No entanto, antes de deixar Belém, Rösti deixou claro que o atual contexto geopolítico complicava a questão.
“Quando [os Estados Unidos não reduzem suas emissões de CO2] e, além disso, os EUA, enquanto um país grande capaz de persuadir a China [a descarbonizar], estão ausentes, tudo fica muito difícil”, afirmou o ministro suíço do Meio Ambiente.
Na COP30, os produtores de petróleo Arábia Saudita e Rússia, além da China, foram os principais responsáveis por bloquear a decisão de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. A Suíça também foi criticada por não fazer o suficiente para reduzir sua pegada de carbono internamente, preferindo depender fortemente da compensação de suas emissões em países em desenvolvimento.
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Antes de deixar Belém, Wertli insistiu que é preciso fazer muito mais dentro do processo climático da ONU para acelerar a ação.
“Estão faltando elementos fundamentais. Fomos um órgão criado para gerir as emissões, e ainda não temos um espaço para discutir as NDCs (contribuições nacionalmente determinadas, ou metas de emissões de carbono), dez anos após o Acordo de Paris”, observou ele.
Wertli também expressou frustração com a ausência de decisões para interromper os combustíveis fósseis e o desmatamento. “Precisamos entender melhor como conduzir essas transições de forma justa e baseada na ciência”, afirmou.
Cooperação internacional segue viva
Apesar dos esforços dos Estados Unidos para enfraquecer o multilateralismo, Wertli insiste que a cúpula de Belém mostrou que as negociações internacionais seguem muito vivas e que “a COP da verdade”, como foi apelidada, refletiu as realidades de um processo de negociação complexo.
“É um sucesso estarmos aqui juntos e mostrarmos o que alcançamos com o Acordo de Paris, apesar dos enormes desafios”, disse o negociador suíço. “Faltou um [país], mas 194 países estão comprometidos com o processo e querem fazer parte dele”.
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Edição: Veronica DeVore/fh
Adaptação: Clarice Dominguez
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