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“A pornografia é minha profissão”

Gert Jochems / Agence VU

O pai dela é conhecido como “o rei do pornô” , aquele que lançou a indústria do cinema “X” na Suíça. Artista transgressiva e empresária entusiasta, Zöe Stähli dirige uma galeria pornográfica aberta recentemente. O seu maior inimigo? O conformismo.

“Quando eu era pequena os meus companheiros de escola não tinham  autorização para me encontrar. Os pais deles pensavam que o meu pai fosse um monstro. Ele teria dado um “mau exemplo”. Porém, eu sempre tive total confiança nele, na sua coragem e na sua capacidade de iniciativa”.

São dez horas da manhã e Zöe Stähli nos recebe em seu escritório em Kreis 4 , o quarteirão da “luz vermelha” de Zurique. Ela está esvaziando o porão, um museu abandonado da pornografia. As mãos estão sujas de poeira e traz um velho projetor sob os braços.  Voltam à superfície velhas películas dos anos 1970 e alguns lembranças de um “take” de outros tempos.

Nessas paredes estão as sedes de diversas empresas fundadas pelo pai, Edi Stöckli, a partir do fim dos anos 70: uma produtora e distribuidora, um portal internet, oito salas X, um comércio e um museu de arte erótica. Membro do conselho da fundação da Cinemateca suíça, hoje Edi Stöckli é conhecido também pela promoção de grandes filmes suíços, como Giulias Verscwinden ou Sennentustschi, mas por muito tempo ele foi o “rei do pornô” helvético.

A filha Zöe recebeu a missão de administrar a face artística da indústria familiar. Seu escritório é uma galeria em miniatura: quadros pornográficos nas paredes, uma livraria abarrotada de catálogos e cartões postais espalhados por todos os lados.

“ Eu cresci num ambiente liberal, onde a discussão aberta da sexualidade e do erotismo era permitida. Para mim era normal. Além disso, na nossa casa tinha um vai e vem de artistas da cena underground: músicos, pintores, escultores. Só mais tarde eu me dei conta que o tabú por tocar em certos temas não era descontado para todos”.

Quando a arte casa com o pornô

Quando diplomando-se em arte e design, Zöe Stähli começou, inicialmente a se afastar das atividades do pai. “Eu queria marcar a minha independência, mostrar que eu podia me virar sozinha. Depois, meu pai me seduziu com a arte eu cedi”.

Em 1996, a família Stöckli lança o primeiro museu de arte pornográfica, em Lausanne (oeste). “Meu pai tinha uma enorme coleção, mas para este tipo de cultura não havia espaço nas galerias tradicionais. A censura e o tabú eram muito presentes e ainda são, em boa parte.”

A iniciativa não agradou às autoridades e muito menos à vizinhança. “A polícia nos pedia, com frequência, para esconder os quadros julgados muito explícitos. Era assim mesmo com mostra sendo exposta dentro de um cinema pornô e liberada apenas para maiores de idade.”

Assim, pouco tempo depois eles fecharam a galeria e durante alguns anos o projeto foi deixado de lado. Até 2004, quando a abertura de uma enoteca na cidade velha de Zurique permitiu a Zöe Stähli de dar vazão à sua criatividade. “Olhando as paredes vazias, disse a mim mesma que poderia usá-las para mostras temporárias de arte pornográfica. E foi assim. Em meados de abril comemoramos a centésima exposição”.

A queda de um tabú somente na aparência

Localizada no coração da parte nobre de Zurique, a galeria de arte foi recebida com curiosidade pelos habitantes do quarteirão, já acostumados há décadas com o convívio de um cinema pornô. O vinho vendido a preços módicos, o karaokê e o fascínio do chamado “pornô-chique”, cada vernissage no “Edy’s Weinstube” era sempre mais badalado. Mas mesmo com o entusiasmo do público, a maior parte dos quadros não era vendida.

“Uma coisa é demonstrar curiosidade diante de um quadro erótico ou pornográfico, outra coisa é levar para casa uma imagem explícita e ter que de enfrentar o olhar da sogra ou da mulher”, nos diz sorrindo Zöe Stähli.

Normalmente são os artistas que procuram essas imagens. Alguns são já conhecidos. Outros estão em busca de uma legitimidade, em uma sociedade que continua a se interrogar sobre a fronteira entre a arte e a pornografia.

“Tivemos sempre que nos confrontar com as autoridades, a polícia, a moral. Nunca quiseram encarar a realidade e aceitar que a pornografia. Como a prostituição, pode ter efeitos positivos se realizada com respeito e regras adequadas. Hoje a situação é semelhante. No quarteirão chegam novos comerciantes que acham legal o fato de se instarem num velho cabaré, mas quando são confrontados com imagens mais explícitas, se tornam moralistas e chamam a censura.”

Entre erotismo e pornografia

Zöe Stähli é um das raras mulheres ativas na indústria pornográfica, exceção feita às atrizes e a algumas diretoras não conformistas. Mas isto não a torna uma feminista, ou pelo menos não é assim que ela gosta de ser rotulada. “Eu comparto as reivindicações de igualdade entre homens e mulheres, mas ao mesmo tempo tenho uma certa nostalgia de um homem viril que me abria a porta para eu entrar em um restaurante.”

Combatida pelas alas mais radicais – porque é vista como violenta e sexista – a pornografia foi defendida com a mesma veemência por outras correntes feministas como instrumento de liberação sexual.  E nos últimos anos muitas diretoras se lançaram na produção de filmes com conteúdo explícito, destinados ao público de ambos os sexos. “Existem mulheres que fazem curtas metragens muito fortes e homens que  tentam atrair um público feminino fazendo filmes chatos, nos quais os personagens se beijam por trinta minutos antes de chegarem ao vamos ver.”

Pornografia masculina e erotismo ao feminino? “Não entendo esta necessidade de etiquetar a arte e sobretudo de enquadrar mulheres e homens em categorias pré-definidas. As mulheres que chegam na nossa enoteca são mais desinibidas que os homens. Paradoxalmente, falam mais abertamente. O mesmo vale para os artistas: a maior parte pinta quadros ou faz fotografias mais ou menos explícitas, de acordo com a situação.

Diante de um quadro famoso, ninguém se pergunta se é erótico ou pornográfico. Enquanto isso os artistas menos conhecidos encontram dificuldades para emergir e estão sempre à procura de uma legitimidade. É contra este conformismo que temos que lutar. O resto é uma questão de semântica.”

A indústria pornográfica está entre as mais opacas do mundo e o seu volume de negócios é muito difícil de calcular.

A nível mundial, as vendas anuais superam de 20 bilhões de dólares as das indústrias cinematográfica e musical (The Economist 2008).

Para a revista semanal americana Time, entre 4 e 12% dos sites internet no mundo são pornográficos. Estas estatísticas não levam em conta o novo domínio XXX lançado no ano passado e tomado de assalto pela indústria pornográfica.

Na Suíça, de acordo com as estatísticas elaboradas pela plataforma Alexa, os sites Xhamster, Youporn e LiveJasmin estão entre os 50 mais visitados. O Xhamster ocupa a vigésima-segunda colocação, atrás apenas dos grandes motores de pesquisa, das redes sociais e de alguns sites de notícias.

Em 2012 existem ainda uma dezena de cinemas pornôs na Suíça, oito dos quais são administrados pela sociedade East Cinemas SA, nas mãos da família Stöckli. A mesma família fundou a Mascotte Film SA, líder helvético na produção de filmes X.

Até pouco tempo, uma estrela do pornô ganhava 1.000 francos por dia na Suíça. Hoje, ganha 500 por cena e pode chegar até mesmo a fazer quatro num mesmo dia.

Adaptação: Guilherme Aquino

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