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Futebol tem samba

O centro esportivo fica a 1.560 m de altitude. swissinfo.ch

O futebol - “uma escola de vida”- exige coordenação de movimentos e elegância de gestos. É o samba que dá a ligeireza ao futebol brasileiro.

A opinião é do ex-jogador, Roberto Camatta, que vem procurando, como técnico, transmitir aos suíços essa “souplesse”.

O capixaba, Roberto Camatta, 65 anos, viveu praticamente a metade de sua vida na Suíça. Tanto que hoje, quase dez anos depois de voltar para seu Espírito Santo natal, com freqüência mistura na conversa palavras em francês. “Souplesse” é uma delas

Todos os anos ele volta à Suíça para treinar meninos e adolescentes num acampamento em plenos Alpes. Trabalho que faz há um quarto de século. Mas, muito tempo atrás, ainda como técnico em equipes suíças, colocava em prática certas idéias que, pelo menos inicialmente, provocavam estranheza.

“Cada jogo é uma festa”

“Souplesse” (= flexibilidade, macieza, agilidade…) é a palavra que acha mais adequada para expressar a facilidade dos gestos do jogador brasileiro em ação dentro de campo. Essa harmonia ou mesmo “simetria” são explicáveis pelo fato de “já dançarmos o samba no ventre da mãe”. Fazem, então, parte do espetáculo e da beleza,, estima Roberto.

“Tenho vontade de transmitir aos europeus essa souplesse”, diz. Mas como? Fazendo exercícios de aquecimento com música – “porque aí você não sente”; com samba e outros ritmos brasileiros e latino-americanos.

Para o técnico, a prática do futebol deve estar ligada também à busca de hedonismo, porque “cada jogo é uma festa”. Procura então transmitir o p-r-a-z-e-r do esporte ao jovem.

“É por isso que continuo a ter sucesso” – diz sorrindo, depois de 25° curso dado na Suíça” (na região de Chindonne, no cantão do Valais). E brincando: “Devo continuar enquanto sou jovem”, acrescenta o sexagenário.

O método Camatta

E é preciso ver o técnico em ação. Como costuma associar futebol e educação, não perde ocasião de falar do Brasil, dos astros do futebol brasileiro, de feitos marcantes relacionados com copas do mundo e campeonatos europeus.

Nas conversas com os garotos estagiários, não deixa também de incutir rudimentos de história e geografia do Brasil citando, por exemplo, figuras de destaque e ensinando as capitais dos estados… Fala ainda de música da região ou da América Latina.

Quando toca nas origens do brasileiro, costuma insistir nas origens indígenas do povo. Apesar de ter um tipo mais confundível com um italiano, gosta de lembrar que tem sangue indígena, herdado do avô.

É preciso ver Camatta, com um pedaço de chocolate na mão, sabatinando os garotos. Os mais rápidos são naturalmente os primeiros recompensados.

O método Camatta pode estranhar mas parece não deixar ninguém indiferente. Ele já o aplicava no cantão do Valais, quando era jogador e técnico. No começo as pessoas ficavam um pouco desconfiadas, diz ele, mas depois compreendiam, até porque “muita gente quer saber porque o jogador brasileiro tem certa facilidade”.

Futebol descalço

E nas palestras que ministrava na época, ele já procurava convencer os ouvintes com argumentos muito pessoais buscando sempre passar uma mensagem. E nesse exercício não costuma deixar a bola cair.

Um dos pontos em que insistia e sempre insiste é a necessidade de respeitar a si mesmo e à saúde. O que vale não apenas para o esporte como também para vida, costumando apelar para a cultura indígena que “ensina respeito a tudo que é natural”.

E não ensinava apenas a jogar bola. Introduzia um pouco de anatomia, de fisiologia, utilizava material médico já sofisticado, e no fim vinha a mensagem de respeito a si mesmo e à saúde.

Camatta gosta também de lembrar que a prática de futebol descalço tem uma enorme vantagem, a de formar melhor o arco do pé e reforçar o impulso e o chute:“Se você consegue chutar forte descalço, imagina com chuteira”?

Se o faz, diz ele, é também para transmitir “as boas sensações que teve jogando futebol, descalço”.

Futebol, escola de vida

Evidentemente, num momento que em futebol os termos mais freqüentes são estratégia e eficácia, e o fator dinheiro assume proporções maiores, o método Camatta pode até parecer coisa do passado.

Mas o técnico não se deixa desmontar por esse argumento. Utopia ou não, ele está convencido de que “cada jogo é uma festa e que um campeonato é um percurso na vida”. Convencido também de que esse esporte é uma “escola de vida”.

No acampamento nos Alpes – situado a 1500 m altitude – o capixaba ensina jogar bola e, ao mesmo tempo, formar a cuca dos estagiários, justamente os preparando para a vida.

Nas orientações procura fazer com que o jovem melhore seu potencial na competição, desenvolva a vontade de lutar, de ter um objetivo, de desejar melhorar sempre. Mas também aprender a perder e a saber sempre levantar após uma derrota.

5 mil petecas

Por outro lado, como exercício físico, Roberto Camatta tem sempre exaltado as virtudes da peteca, “um dos esportes mais completos”, porque pode ser praticado em campo de terra, de grama, de areia ou mesmo em sala de ginástica ou numa garagem. “Trabalham-se os dois braços, é um jogo de reflexo parecido com o voleibol, é fabuloso”, extasia-se Camatta.

O que ele estimula, em particular, é a “peteca capixaba”, de dois contra dois, justamente como o voleibol. O intercâmbio de passes cria uma situação emocionante e divertida, constata. E acha que o jogo de peteca merecia ser incluído nas olimpíadas.

Roberto Camatta é, provavelmente, o maior promotor desse esporte na Europa. Ele trouxe do Brasil mais de 5 mil petecas, afirma. E quando ele morava na Suíça fez muitos torneios de peteca. Agora, com os jovens estagiários continua a fazê-lo. Com sucesso.

Argumento decisivo: “peteca é extraordinário. Futebol quebra janela, peteca, não”.

Motivo adicional para ele gostar da peteca: é um esporte de origem indígena. Peteca em tupi significa “bater com a palma da mão”.

swissinfo, J.Gabriel Barbosa

– O samba é uma bênção para o futebol brasileiro, contribuindo para dar mais elasticidade e harmonia aos movimentos.

– Roberto Camatta, 65 anos, ex-jogador profissional capixaba, utilizou e utiliza como técnico esse ritmo nos exercícios de aquecimento.

– Hoje ele o aplica em acampamentos de jovens, nos Alpes.

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