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A saga de um suíço no Cerrado brasileiro

Anton Huber, suíço naturalizado brasileiro, foi um dos pioneiros de Lucas do Rio Verde (MT). swissinfo.ch

O agricultor e cooperativista suíço Anton Huber viveu durante mais de meio século com sua família no Brasil, onde ajudou a fundar o município de Lucas do Rio Verde (MT), um dos maiores produtores de grãos do país.

Uma parte desta intensa e fascinante aventura é contada no livro Tempestade no Cerrado, que Huber lançou depois de retornar à sua pátria e pode ser ouvida na entrevista gravada por swissinfo.ch (ouça os áudios na coluna à direita).

Tudo começou na década de 1950, quando o Brasil vivia os “anos dourados” e a Europa renascia das cinzas da guerra. Era um tempo difícil para os Huber, uma família agricultora de 11 membros, do povoado de Kottwill, no cantão de Lucerna (centro do país).

Os seis rapazes queriam continuar na agricultura, o que obrigou o pai a procurar terras. Depois de analisar as possibilidades de emigrar para o sul da França ou para os EUA, Canadá, Austrália ou Nova Zelândia, decidiram que participariam com um grupo de suíços de um projeto de colonização em Honduras, mas acabaram não obtendo visto de entrada.

Diante deste impasse e com a ajuda de um amigo, o pai fez contato com um fazendeiro suíço no Brasil e, poucos meses depois, no dia 26 de fevereiro de 1956, embarcaram rumo ao Porto de Santos. “Para nós jovens foi uma aventura, uma expectativa muito grande. A gente não se preocupava muito que pudesse falhar alguma coisa. Nós simplesmente acreditamos no futuro”, lembra Huber a sensação na hora da partida.

Vendendo leite

De Santos eles foram levados para a fazenda do suíço em Itapetininga, no interior do estado de São Paulo. Nem tudo era como tinham imaginado. “A fazenda era grande para os padrões de pequenos agricultores suíços, mas não ideal”, conta Huber à swissinfo.ch.

Por isso, o pai – para adquirir experiência – arrendou uma pequena propriedade agrícola com leiteria na vizinhança e passou a produzir leite, que os Huber transportavam de carroça e vendiam de porta em porta na cidade.

Depois de três anos, compraram uma parte da fazenda onde tinham estado inicialmente. Chegando à idade de constituir família e insatisfeito com a baixa fertilidade do solo em Itapetiniga, Anton Huber foi em busca de outra terra.

Encontrou a Holambra, uma colônia holandesa fundada na antiga fazenda Ribeirão que se encontrava em expansão na região de Campinas, hoje um município com mais de 10 mil habitantes e maior centro de produção de flores e plantas ornamentais da América Latina.

Em Holambra

“Como os holandeses não tinham mais muitos imigrantes, decidiram aceitar também não holandeses. Mudamos para a Holambra II em 1965, começamos a construir uma casa, a desbravar o solo e a fazer as lavouras próprias”.

A Holambra era organizada e dirigida por uma cooperativa agrícola. E Huber tinha – como diz – o ideal cooperativista no sangue (“o cooperativismo na Suíça sempre fora um fator importante“), o que marcaria o restante de sua permanência no Brasil.

Depois de ampliar bastante sua propriedade e passar por crises causadas pela inflação, ele viu o risco de ter de entregar tudo aos bancos, caso perdesse uma safra e não conseguisse pagar os juros. Decidiu vender tudo e participar do novo projeto Holambra III.

A migração de São Paulo para o Mato Grosso acabaria se tornando muito mais difícil e morosa do que a emigração da Suíça para o Brasil. A Holambra desistiu do projeto devido à crise do petróleo causada pela Guerra no Golfo Pérsico.

O grupo formado para este fim, porém, se manteve unido e elegeu três representantes, um deles Anton Huber, para negociar com o Incra e o governo estadual. Depois de dois anos de negociações, os jovens holandeses do grupo perderam a paciência e foram plantar castanha do Pará na fazenda Tomé Açu (PA).

Huber ficou com o grupo que esperava ir para uma gleba de quase 400 mil hectares às margens do Rio Verde, no Mato Grosso, que teria sido ideal para assentar pequenos e médios produtores, na opinião do suíço.

Novo Eldorado

“No final dos anos de 1970, conseguimos ingressar num projeto especial de assentamento do próprio governo federal, previsto para agricultores sem-terra, acampados principalmente do Rio Grande do Sul, e que nós acabamos chamando Lucas Rio Verde”.

Nascia assim, da colonização incentivada pelo regime militar para “ocupar vazios demográficos”, um município hoje considerado modelo. Lucas do Rio Verde, com 33,5 mil habitantes em 2009, ocupa lugar de destaque no ranking dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano do país.

Huber e seu Grupo de Interessados em Colonizar Áreas Novas (Gican) haviam assumido com o governo o compromisso de criar uma cooperativa agrícola e, por meio dela, implantar a infraestrutura física (armazéns, secadores etc), comercial e cultural. “Queríamos oferecer ensino na área em que estávamos trabalhando. Já no primeiro ano instalamos nove escolas primárias e um ginásio. ”

Segundo Huber, via-se “as possibilidades de desenvolvimento que existiam nesse novo eldorado, mas era preciso ser um pouco visionário para acreditar naquilo. Muita gente não acreditou e desistiu. O Incra queria resolver um problema social, mas não havia recursos para financiar a atividade agrícola dos sem-terra.”

Já o Gican, formado por cerca de 50 pessoas oriundas de São Paulo, tinha acesso a financiamentos por ser pessoa jurídica. E ganhou ainda mais força ao criar a cooperativa Coperlucas, que, segundo Huber, ajudou a salvar o projeto de assentamento.

Carreira no cooperativismo

Em 1981, Huber foi eleito presidente da Coperlucas, cargo que por algum tempo acumulou com o de subprefeito de Lucas do Rio Verde, fundado oficialmente em 1982. Depois presidiu a Organização das Cooperativas do Mato Grosso e foi vice-presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras.

Segundo Huber, todos os pioneiros de Lucas do Rio Verde têm sua versão pessoal da criação da cidade na imensidão do Cerrado. “Tudo aconteceu num confronto travado, sem trégua, entre uma tentativa de respeito aos meios ecológicos, a economia de sobrevivência e o pretenso desenvolvimento. “

Ele registrou a sua versão no livro Tempestade no Cerrado, título que, como explica, “remete tanto à dor da natureza sacrificada em prol de uma política de desenvolvimento do governo federal como a dor de inúmeras famílias que deixaram a vida que tinham para trás e enfrentaram uma série de dificuldades, perseguindo o ouro verde do novo Eldorado”.

Dois anos depois de se aposentar, Huber retornou à sua pátria de origem. “Não trouxe riquezas, mas uma experiência muito grande, que me deixa satisfeito agora que estou de volta à Suíça, onde meus seis filhos, depois de formados no Brasil, chegaram a morar por algum tempo graças a bolsas de estudo. Hoje Huber vive confortavelmente” – como diz – da aposentadoria suíça, com a esposa Marie Gertrud, em Capolago, às margens do Lago de Lugano (sul).

Suíço e brasileiro

A Suíça também mudou muito neste meio século – em 1950, sequer tinha autoestradas, lembra. Apesar de sua família ter vivido “nas condições mais modestas imagináveis” por algum tempo, Anton Huber está convencido de que a decisão de seus pais, de emigrar ao Brasil quando ele tinha apenas 17 anos, foi certa.

“Com tudo o que aconteceu, eu iria refazer o mesmo caminho, se tivesse que recomeçar. Para mim foi uma experiência fora de série como poucas pessoas têm a oportunidade de viver. Meu objetivo nunca era juntar grandes riquezas. Sempre pensava que, a gente crescendo, deve cuidar para que comunidade cresça junto. Eu não me sentiria bem num meio como rico e os outros miseráveis”, diz.

Huber mostra-se satisfeito com o sucesso “profissional e familiar” de seus filhos e não esconde uma ponta de orgulho por ter participado da fundação de Lucas do Rio Verde que, segundo previsões, poderá ter 200 mil habitantes em cinco anos. “Estou feliz pelo que consegui, pela experiência e também pelo fato de ser suíço e brasileiro ao mesmo tempo”, conclui.

Anton Huber nasceu em 1933, como primogênito de um pequeno agricultor suíço. Fez o curso ginasial na escola cantonal da região. Em 1951, sua família de 11 membros imigrou para o Brasil. Trabalhou como agricultor em Itapetininga-SP, na propriedade de seu pai.

Em 1965, já casado, transferiu-se para Paranapanema, onde ingressou na Cooperativa de Colonização Holambra, como produtor rural. Naturalizou-se brasileiro.

Ligou-se a um grupo de agricultores que pretendia criar um projeto de colonização em Mato Grosso. O resultado foi a criação da cidade de Lucas do Rio Verde, Lucas esta a 340 km de Cuiabá.

Em 1981, foi eleito presidente da Cooperlucas e, em 1982, participou ativamente da fundação de Lucas do Rio Verde.

De 1989 a 1999, presidiu a Organização das Cooperativas (Ocemat), em Cuiabá-MT. Como representante de Mato Grosso, foi eleito vice-presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, em Brasília.

Depois de se aposentar, há dois anos, retornou à Suíça, onde vive em Capolago às margens do Lago de Lugano.

No livro Tempestade no Cerrado, ele conta com detalhes a parte mais intensa de sua saga no Brasil, a partir do final dos anos de 1970, e descreve principalmente o processo de fundação de Lucas do Rio Verde.

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