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Planeta já ultrapassou limiar crítico de aquecimento global

Corais marinhos
Nos últimos três anos, as ondas de calor marinhas afetaram 84,4% da área de recifes de coral do mundo e o branqueamento em massa dos corais foi documentado em pelo menos 83 países e territórios. Napat Wesshasartar / Reuters

A Terra parece ter cruzado seu primeiro ponto de não retorno climático. Os recifes tropicais já enfrentam colapso generalizado e cientistas alertam que outros sistemas críticos, como a floresta Amazônica e as grandes correntes oceânicas, estão em risco.

Quais são os pontos de inflexão climática?

O termo “ponto de inflexão climática” ganhou destaque nas últimas duas décadas. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) defineLink externo esse conceito como um “limiar crítico” que, uma vez atingido, desencadeia mudanças abruptas e potencialmente irreversíveis no sistema climático, com graves consequênciasLink externo para a humanidade.

Pesquisadores vêm há muito alertando que um aquecimento superior a 1,5 grau Celsius além dos níveis pré-industriais aumentaria drasticamente o risco de ultrapassar vários pontos de inflexãoLink externo. O aumento médio global da temperatura nos últimos cinco anos já está sendo estimadoLink externo entre 1,3 e 1,4 grau Celsius.

Cientistas concentram-seLink externo em nove “elementos de inflexão” globais e vários regionais, incluindo as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida, a Floresta Amazônica, o permafrost da floresta boreal, geleiras montanhosas como as da Suíça e a Circulação Meridional de Retorno do Atlântico (AMOC, na sigla em inglês) – um sistema vital de correntes oceânicas que molda o clima em todo o mundo.

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Para compreender melhor e detectar sinais antecipados de alerta nessas áreas, os pesquisadores utilizam uma combinação de tecnologia de satélite, modelos climáticos aprimorados e observações diretas para acompanhar as mudanças.

Primeiro limite ultrapassado

Os ecossistemas de corais sustentam até um terçoLink externo de toda a biodiversidade marinha conhecida e fornecem alimentos e meios de subsistência a quase um bilhão de pessoas. Nos últimos dois anos (os mais quentesLink externo já registrados) as ondas marinhasLink externo de calor afetaram 84% dos recifes do mundo. Pesquisadores acreditam que os recifes de corais tropicais já passaram, portanto, do ponto de inflexão. O segundo relatório “Global Tipping Points” (Pontos de Inflexão GlobaisLink externo), coordenado pela Universidade de Exeter e pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF, na sigla em inglês), envolveu 160 cientistas de 23 países e concluiu, no mês passado, que os recifes estão entrando em colapso com um aquecimento de aproximadamente 1,2 grau Celsius. Mesmo que o aquecimento se estabilize em 1,5 grau Celsius, a probabilidade de colapso é maior que 99%.

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O cientista climático da Universidade de Berna, Thomas FröhlicherLink externo, afirma que a conclusão do relatório sobre os recifes de coral é “grave, mas não inesperada”.

“Já sabemos há algum tempo que a temperatura crítica para muitos recifes de coral é de cerca de 1,2 a 1,5 grau Celsius de aquecimento em comparação com os níveis pré-industriais. O relatório agora confirma que esse limite de 1,2 grau Celsius já foi ultrapassado”, declara Fröhlicher à Swissinfo.

Alguns especialistas, no entanto, questionam as afirmações do relatório sobre o destino dos recifes de corais. Há quem afirmeLink externo que, embora os recifes estejam em declínio, existem evidências de que eles poderiam continuar viáveis em temperaturas mais altas do que as sugeridas.

Floresta queimando
A região amazônica está cada vez mais exposta a um estresse sem precedentes devido ao aumento das temperaturas, secas extremas, desmatamento e incêndios, mesmo nas partes centrais e remotas do sistema. Raphael Alves / Keystone

Floresta Amazônica à beira do colapso

A Floresta Amazônica – já extenuada pela crise climática e pelo desmatamento – também está mais próxima do que se pensava de seu ponto de inflexão, afirmam os autores do relatório. A região passou por uma seca recorde em 2023-2024, e o relatório alerta que o desaparecimento generalizado de espécies vegetais e animais pode começar com apenas 1,5 a 2 graus Celsius de aquecimento.

As secas e os incêndios florestais estão aumentando, com morte de árvores e liberação de carbono, criando um ciclo vicioso que torna a floresta mais quente e mais seca. Segundo o relatório, esse colapso compromete as chuvas em toda a América do Sul, desencadeando flutuações climáticas globais.

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Enfraquecimento das correntes oceânicas

A Circulação Meridional de Retorno do Atlântico (AMOC), uma “correia transportadora” que impulsiona a circulação oceânica e estabiliza o clima da Europa, poderá entrar em colapso se o aquecimento exceder 2 graus Celsius, segundo o relatório. Um colapso de tal dimensão poderá causar invernos rigorosos no noroeste da Europa, perturbar as monções africanas e asiáticas e reduzir o rendimento das colheitas.

Nos últimos anos, o impacto do aquecimento global no sistema AMOC e na Corrente do Golfo deu origem a inúmeras publicações científicas alertando para seu enfraquecimento – ou mesmo para um possível colapso. Nem todos os cientistas concordam, contudo, que o colapsoLink externo da AMOCLink externo ou da Floresta Amazônica esteja próximo. Um estudo suíço-estadunidense publicado este ano concluiuLink externo que a corrente se manteve estável nos últimos 60 anos.

Vista aérea de uma geleira
A view of Russell Glacier in the Qeqqata municipality in central-western Greenland. Sebastian Steude / Keystone

Camadas de gelo em risco

Cientistas continuam também monitorando de perto as camadas de gelo na Groenlândia e na Antártida Ocidental, que estão derretendo em ritmo acelerado e causando a elevação do nível do mar. O relatório alerta que as camadas estão “perigosamente próximas” de seu ponto de inflexão.

Claudia R. BinderLink externo, pesquisadora ambiental da Escola Politécnica Federal de Lausanne (EPFL) e coautora do relatório sobre “pontos de inflexão”, afirma que o planeta está enfrentando “mudanças drásticas”.

“Estamos convencidos de que as calotas polares da Groenlândia e da Antártida Ocidental estão à beira de um colapso irreversível”, afirmouLink externo Binder à RTS, emissora pública suíça de rádio. “A Antártida poderá atingir um ponto de inflexão significativo no futuro. O mesmo se aplica à Floresta Amazônica, se continuarmos com um aumento de 1,5 grau Celsius ou mais.”

Fröhlicher, da Universidade de Berna, concorda que os riscos estavam aumentando, mas alerta que “não se sabe ao certo em que nível de aquecimento esses pontos de virada acontecem”.

“É crucial aprimorar ainda mais o monitoramento e a compreensão desses sistemas”, diz o cientista suíço, que será o principal autor de um capítulo sobre pontos de inflexão no relatório do Grupo de Trabalho 1 do IPCC AR7, a ser publicado em 2028.

Painéis solares na China
A capacidade instalada de energia solar fotovoltaica da China ultrapassou pela primeira vez o equivalente a metade da capacidade solar total instalada no mundo. Yuan Hongyan / Getty Images

Pontos positivos de virada

O relatório Pontos de Inflexão Globais também traz alguma esperança em meio às suas constatações alarmantes. Ele esboça também “pontos de inflexão positivos”: mudanças sociais ou tecnológicas em larga escala, que se retroalimentam e podem acelerar a transição para um mundo mais limpo e mais estável.

Tim LentonLink externo, titular da cátedra de mudanças climáticas e ciência do sistema terrestre na Universidade de Exeter e principal autor do relatório sobre “pontos de inflexão”, identifica os avanços nas áreas de energia solar e eólica, veículos elétricos, armazenamento em baterias e bombas de calor como exemplos de transições que se tornaram autossustentáveis e vêm se expandindo em todo o mundo.

Países como a Noruega e a China passam por uma adoção célere de carros elétricos, enquanto a Dinamarca lidera em energia eólica offshore [gerada por turbinas instaladas em alto-mar ou próximas à costa] e o Reino Unido vem eliminando gradualmente a energia a carvão. Segundo o think tank de energia Ember, em 2025, as energias renováveis geraram, pela primeira vez, mais eletricidade do que o carvão.

Indígenas brasileiros participando de protesto
Indígenas da Amazônia brasileira e ativistas da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) participando de um protesto em frente à sede da PRE-COP, no Centro Internacional de Convenções, em Brasília, Brasil, em 14 de outubro de 2025. Andre Borges / Keystone

Apelo à ação na COP30

Para evitar a dinâmica climática negativa em cascata e aproveitar as oportunidades positivas, é urgente e necessária uma ação coordenada dos líderes mundiais na próxima Conferência Mundial do Clima (COP30), a fim de diminuir as emissões com maior rapidez e reduzir o período em que o aumento da temperatura supera 1,5 grau Celsius, afirma Lenton.

Pesquisadores envolvidos no relatório têm trabalhado com os organizadores da COP30 no Brasil, a fim de garantir que os pontos de inflexão e as soluções para as mudanças climáticas estejam firmemente ancoradas na agenda em Belém e sejam tratadas com tempo e consideração.

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Redução de emissões

Meta climática de 1,5 °C é irreal, dizem pesquisadores da Suíça

Este conteúdo foi publicado em Cientistas suíços preveem 2,5 °C de aquecimento global até 2100. País pode chegar a 4,5 °C localmente, perdendo 90% das geleiras. Meta de 1,5 °C já é considerada inviável.

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“Estamos discutindo com a equipe da presidência da Conferência, para ver como a estrutura de pontos de inflexão positivos pode ser útil na elaboração da ‘Agenda de Ação’ da COP30”, afirma Steve SmithLink externo, cientista ambiental de Exeter, à Swissinfo.

A “Agenda de AçãoLink externo” tem como objetivo funcionar como elemento central desta conferência de cúpula, que reúneLink externo países e acelera seus planos de transição climática, bem como soluções ambientais voluntárias em todo o mundo, a fim de desencadear mudanças em diferentes setores – da agricultura à energia, das florestas às cidades.

Em última análise, segundo Binder, a mudança depende da união de todos para fazer a diferença -governo, indústria, pesquisadores e consumidores.

“Esse é um ponto crucial a ser lembrado quando depositamos tanta esperança na COP30, visto que o governo só pode agir até certo ponto. A verdadeira mudança só vai acontecer se nós, como indivíduos, também fizermos a nossa parte”, acrescenta Binder.

Edição: Gabe Bullard/vdv

Adaptação: Soraia Vilela

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