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O que está por trás da cautela da Suíça em descongelar ativos russos para ajudar a Ucrânia?

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Um protesto contra a guerra em Zurique, duas semanas após a invasão russa da Ucrânia, em 6 de março de 2022. Keystone-SDA

Em ambos os lados do Atlântico, estão aumentando os apelos para que os ativos russos congelados sejam liberados para financiar a guerra e os custos de reconstrução da Ucrânia. A Suíça está sob pressão para fazer mais. Mas não é tão simples assim.

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À medida que a guerra da Rússia na Ucrânia se arrasta para seu quarto ano, sem mostrar perspectiva de acabar, o custo financeiro do conflito está aumentando cada vez mais a relutância do novo governo dos Estados Unidos em fornecer assistência militar e de outros tipos a Kiev.

Embora a suspensão temporária da ajuda militar americana tenha levado a Europa a aumentar seu próprio apoio à Ucrânia, há cada vez mais apelos de vários líderes europeus, bem como do próprio Trump, para que os ativos estatais russos que estão congelados sejam utilizados para financiar os esforços militares de Kiev. A União Europeia, que possui cerca de 200 a 300 bilhões de euros (185 a 279 bilhões de francos suíços) do banco central russo, já está usando os juros obtidos com os ativos para apoiar a Ucrânia.

No final de março, o ministro das Relações Exteriores da Espanha pediu que a União Europeia estudasse as opções legais que permitiriam o uso desses ativos apreendidos para ajudar na defesa da Ucrânia. Sua fala foi feita antes de uma reunião realizada em 31 de março, que reuniu os ministros das Relações Exteriores do G5+, um novo grupo criado para responder às mudanças na política dos EUA em relação à Ucrânia e à Europa, composto por Alemanha, França, Itália, Polônia, Espanha, Reino Unido e União Europeia.

A posição ambígua da Suíça

A Suíça, um país tradicionalmente neutro, tem sido ambígua em sua resposta à guerra. Inicialmente, ela hesitou em sua resposta à invasão russa da Ucrânia, embora posteriormente tenha adotado várias sanções da UE.

No ano passado, porém, quando o bloco europeu decidiu alocar 1,5 bilhão de euros em juros obtidos sobre ativos soberanos russos congelados para ajudar a Ucrânia, a Suíça não fez o mesmo. Essa decisão se deve ao fato de a Suíça estar vinculada a obrigações nacionais e internacionais, o que limita sua capacidade de agir. O ministro das Relações Exteriores, Ignazio Cassis, sustentou que não há base legal que permitiria ao governo confiscar permanentemente os ativos e que, se ele agisse fora da lei, correria o risco de perder sua credibilidade internacional. A questão também desencadeou um debate acalorado sobre o status de neutralidade do país.

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No início de 2024, a UE adotou regras que permitem que o depositário centralLink externo de valores mobiliários – também chamado de central depositáriaLink externo – de um Estado-membro solicite permissão de sua autoridade supervisora para liberar qualquer lucro líquido gerado a partir de ativos russos congelados. Um depositário central de valores mobiliários é uma instituição que mantém a custódia de instrumentos financeiros para fins de compensação e liquidação e que facilita as transferências de propriedade. Em 2024, por exemplo, a Euroclear – um depositário central na Bélgica onde se encontra a maior parte dos ativos congelados do banco central russo – concordou em colocar 4 bilhões de euros obtidos com “lucros extraordinários” imprevistos em um fundo especial da Ucrânia.

Mas, em julho, o governo suíço disse que não era capaz de gerar “nenhuma renda extraordinária em relação aos fundos do banco central russo”, e que essa era uma questão específica da Suíça.

CHF 7,45 bilhões em contas suíças

Em um briefing publicado no final de março, a Secretaria de Estado para Assuntos Econômicos (SECO) divulgou que os ativos estatais russos congelados na Suíça chegam a CHF 7,45 bilhões.

O porta-voz da SECO, Fabian Maienfisch, disse à SWI swissinfo.ch em uma troca de e-mails que, ao contrário da União Europeia, o depositário central suíço “não mantém fundos do banco central russo, o que significa que nenhum rendimento extraordinário é gerado”. Em vez disso, os ativos são mantidos como ativos líquidos por bancos comerciais e, portanto, não geram lucros extraordinários, escreveu o porta-voz.

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Apesar disso, parlamentares suíços tomaram medidas que abrem a possibilidade de usar ativos congelados para apoiar a reconstrução da Ucrânia após a guerra. Em março de 2024, a Câmara Alta do Parlamento (Senado) aprovou medidas – aprovadas anteriormente pela Câmara Baixa – para que o governo trabalhe em uma base jurídica internacional voltada para permitir que qualquer ativo estatal russo congelado que venha a ser confiscado no futuro seja redirecionado para a reconstrução da Ucrânia. A votação irritou Moscou, que convocou o embaixador suíço para protestar contra a decisão e ameaçou retaliação caso ela fosse implementada.

Mesmo assim, apesar dos crescentes apelos internacionais para que os ativos estatais russos congelados sejam usados para ajudar a Ucrânia, o governo suíço ainda não assumiu nenhum compromisso público. Quando indagado pela SWI se o governo está considerando uma medida do tipo, um funcionário da SECO disse apenas que o governo está “acompanhando de perto as discussões” na União Europeia sobre a questão.

O funcionário acrescentou que a Suíça também está observando o debate dentro da UE sobre a liberação de maiores somas de fundos estatais russos congelados e está aguardando o resultado antes de decidir sobre sua própria direção política.

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Manifestação contra a guerra em Zurique, duas semanas após a invasão russa da Ucrânia, em 6 de março de 2022. Paula Dupraz-Dobias

Riscos de liberar fundos para a Ucrânia

Apesar dos apelos da União Europeia para que os ativos estatais russos congelados sejam confiscados e utilizados para ajudar a Ucrânia, existe a preocupação de que o uso dos ativos, e não apenas dos lucros que eles geram, possa estabelecer um precedente perigoso. A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, advertiu que tal ação poderia minar a confiança nas moedas ocidentais e na segurança das reservas mantidas em euros ou dólares. Outros advertiram sobre as possíveis repercussões legais, bem como sobre as contramedidas diretas e indiretas da Rússia.

No final da reunião do G5+ em Madri, em março, os ministros das Relações Exteriores emitiram uma declaração de que os ativos deveriam permanecer congelados até o fim da guerra na Ucrânia. Em seguida, eles deveriam ser usados para compensar o país pelos danos causados pelos ataques da Rússia. Assim, deixou-se de lado o pedido da Espanha para que os ativos fossem utilizados como um “adiantamento para reparações de guerra”.

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Segundo Dmytro Marchukov, especialista em litígios transfronteiriços no escritório de advocacia Integrites, sediado em Kiev, os 200 a 300 bilhões de euros em ativos do banco central russo congelados na Europa certamente superariam os danos causados pela guerra. Ele afirmou que deveriam ser encontrados “meios legais” para permitir que o dinheiro fosse liberado para ajudar na reconstrução da Ucrânia.

Todavia, mesmo que fosse dada a autorização para liberar e usar os ativos congelados, levaria tempo para que qualquer dinheiro chegasse à Ucrânia, disse Marchukov, que participou recentemente de uma conferência sobre fraude, rastreamento e recuperação de ativos em Genebra.

“Se você tivesse me perguntado há três anos, eu poderia ter dito [que o dinheiro demoraria] vários meses, pois havia vontade política suficiente na época”, disse ele. “Mas, agora, acho que serão anos”, pois a vontade política está diminuindo. 

“Já não se critica mais o agressor por bombardear quarteirões residenciais em meio à percepção de que ele quer paz, e ações e tarifas se tornaram mais relevantes e importantes do que a paz internacional”, disse Marchukov. “Para que os ativos sejam liberados para a Ucrânia, precisamos, no mínimo, voltar ao ponto em que estávamos, mas, em vez disso, estamos indo na direção oposta”.

Edição: Nerys Avery/fh

Adaptação: Clarice Dominguez

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