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“ONGs deveriam negociar com os talibãs”

Tooba Neda Safi

Apesar da recente decisão do talibã de banir todas as mulheres do trabalho em ONGs, a ajuda humanitária precisa continuar fluindo para o Afeganistão. Isso significa que as agências de assistência precisam negociar com o talibã, argumenta Tooba Neda Safi, jornalista afegã radicada em Lausanne.

Em agosto de 2021, quando o talibã retomou o poder no Afeganistão, após a retirada do Exército estadunidense do país, começou um processo de apagamento sistemático das mulheres no espaço público.

No dia 23 de dezembro de 2022, em sua restrição mais recente aos direitos das mulheres no país, o talibã baniu as mulheres do trabalho em ONGs nacionais e internacionais no Afeganistão.

Essa decisão pode ter um impacto humanitário significativo na vida de milhões de pessoas vulneráveis no país, que não terão mais acesso à assistência.

A ordem chegou apenas dias depois de o talibã ter excluído estudantes mulheres das universidades em todo o país.

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As ONGs foram rápidas em responder. No dia 25 de dezembro de 2022, organizações como a Save the Children, o Conselho Norueguês para Refugiados (NRC) e a CARE suspenderam suas operações no Afeganistão. Outras ONGs alertaram que fariam o mesmo. 

É vital encontrar uma solução e pressionar o talibã a rever essa sua última decisão. Os funcionários das ONGs deveriam negociar com os líderes talibãs. Neste ínterim, deveriam continuar a operar com suas equipes masculinas.

É evidente que os talibãs fizeram as mulheres de reféns no contexto de suas exigências perante a comunidade internacional. O regime está usando as mulheres e seus direitos de trabalhar e de ter acesso à educação como uma mercadoria de troca.

Mas nem todos os funcionários do talibã concordam com essa política. A comunidade internacional deveria se comunicar primeiramente com essa ala.

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Necessidades humanitárias

Suspender a ajuda é arriscado e terá um impacto negativo significativo para a maioria das pessoas vulneráveis no país.

De acordo com relatórios, mais de 73% dos afegãos vivem abaixo da linha de pobreza, sendo a maioria de crianças e mulheres.

No dia 26 de dezembro, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, declarou que, no total, a ONU e seus parceiros, incluindo ONGs nacionais e internacionais, estão “ajudando mais de 28 milhões de afegãos que dependem de ajuda humanitária para sobreviver”.

As famílias das centenas de mulheres que agora não podem mais trabalhar precisam ser adicionadas a esse número.

São muitos os casos como o de Salma, por exemplo: ela estava trabalhando com uma ONG em Cabul, após ter perdido seu emprego em decorrência da tomada de poder pelo talibã, e agora será forçada a abandonar sua ocupação atual. Ela é a única provedora dos seus três filhos.

“Eu trabalhava em um dos ministérios, no departamento financeiro. Quando o talibã chegou ao poder, perdi meu emprego. Passamos por dias difíceis. Vendi a maioria dos utensílios domésticos para conseguir alimentar meus filhos. Aí comecei a pegar dinheiro emprestado”, afirmou ela nesta semana.

Era esperado que o cerco se fecharia

Já se esperava que o talibã fecharia o cerco no que diz respeito aos direitos das mulheres. Mesmo considerando que tenham transcorrido 16 meses até as mulheres fossem banidas das universidades e das ONGs, o talibã continua sendo um grupo fundamentalmente radical, defensor de uma ideologia que não mudou em nada desde os anos 1990. Eles veem suas próprias opiniões e crenças como linhas intransponíveis.

O novo regime precisou fortalecer seus poderes antes de atuar contra a sociedade civil. O talibã sabia também que o nível de consciência política da população agora é mais alto do aquele de quando tomaram o poder nos anos 1990. Desde então, as mulheres se tornaram mais conscientes de seus direitos civis. Para o talibã, destruir 20 anos de progresso em um dia não foi exatamente fácil.

Se os talibãs tivessem implementado todas essas restrições no início do governo, eles poderiam ter enfrentado uma onda espontânea de insurreições populares.

Além disso, o governo não tinha fundos domésticos suficientes para administrar a crise financeira que veio com a mudança do regime.

Porém, depois de silenciar a oposição política local, reprimindo os ativistas dos direitos das mulheres e tendo acesso ao apoio financeiro da comunidade internacional, o talibã começou a restringir os direitos civis, especialmente aqueles das mulheres.

Em nenhum outro país do mundo ocorrem exemplos de violação e privação tão generalizada dos direitos das mulheres.

E agora?

O que acontecerá com um país que está à beira de uma crise humanitária, caso as necessidades básicas de milhões de pessoas não sejam atendidas?

Em casos emergenciais, algumas funcionárias poderão trabalhar informalmente, fazendo contato virtual com seus escritórios.

Em fevereiro de 2022, uma delegação talibã de dez membros, convidada pela ONG Geneva Call, prometeu, em Genebra, “facilitar ações humanitárias no Afeganistão, assegurando a proteção dos trabalhadores ligados à ajuda humanitária e da própria ajuda, para promover o respeito pleno e a proteção das instalações de saúde, bem como do transporte e da equipe, incluindo as mulheres trabalhadoras”.

Chegou a hora de mostrar a eles o acordo assinado e perguntar por que…?

Adaptação: Soraia Vilela

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