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Os conflitos em que a Suíça trouxe a paz

Hotel de la Paix
O Hôtel de la Paix em Genebra é um local popular para o pessoal diplomático. Keystone / Martial Trezzini
Série Promoção da paz, Episódio 3:

A Suíça muitas vezes assumiu o papel de mediadora em conflitos internacionais. Em alguns casos, sua atuação foi decisiva para que acordos de paz fossem alcançados. Mas, no mundo multilateral em que vivemos, a Confederação é apenas um ator entre outros.

Desde o século XVIII, já é possível encontrar exemplos da contribuição suíça para a resolução de conflitos armados. Talvez o caso mais conhecido seja o do Tratado de Baden, de 1714, o último dos três tratados, depois dos de Utrecht e de Rastatt, que puseram fim à Guerra da Sucessão Espanhola.

As duas potências envolvidas nas negociações, a França e o Sacro Império Romano-Germânico, escolheram a pequena cidade do cantão de Argóvia porque ela se situava em território neutro e dispunha da infraestrutura necessária para acomodar os mais de 300 delegados, que lá passaram o verão inteiro entre negociações e banquetes suntuosos.

Tableau représentant des hommes assis autour d une table
Na Suíça, as negociações em Baden (retratadas aqui pelo pintor Rudolf Huber) no início do século XVIII são lembradas como o início da tradição dos “bons ofícios”. wikicommons

O resultado das negociações foi bastante modesto: o tratado assinado em 5 de setembro pelo príncipe Eugênio de Saboia, representante do Império, e pelo marquês de Villars, em nome do rei da França, limitou-se essencialmente a confirmar o acordo de paz de Rastatt.

O episódio diplomático em Baden, contudo, oferece à memória histórica da Confederação um evento para ser colocado nas origens de uma tradição de “bons ofícios”, que só assumirá sua forma moderna um século e meio depois, no contexto de um Estado Federal profundamente modificado.

Do papel de árbitro à neutralidade ativa

Em Baden, a Confederação desempenhou o papel de anfitriã de um espetáculo orquestrado pelas grandes potências no contexto de sua lógica hereditária. Foi somente na segunda metade do século XIX, com a intensificação da cooperação internacional fomentada pelo desenvolvimento tecnológico, que foram criadas as condições para uma política moderna de “bons ofícios”.

A Suíça se tornou então a sede de organizações internacionais como a União Telegráfica Internacional (1865) e a União Postal Universal (1874). Em 1872, um tribunal internacional de arbitragem sediado em Genebra condenou a Grã-Bretanha a pagar uma multa aos Estados Unidos por ter fornecido navios de guerra aos Estados do Sul durante a Guerra Civil Americana.

A chamada Arbitragem do Alabama é considerada um dos eventos que marcam o início do papel de mediação moderno da Suíça. O conflito entre os dois Estados foi resolvido por meios legais. Ao longo dos anos seguintes, a Suíça desempenhou um papel central nos debates sobre a jurisdição na arbitragem internacional, os quais resultaram nas Convenções de Haia.

Embora a Primeira Guerra Mundial tivesse interrompido bruscamente a prática da arbitragem como meio de resolução de conflitos, o período entreguerras viu Berna envolvida em difíceis mandatos de mediação em nome da Liga das Nações, como, por exemplo, na Alta Silésia e na Cidade Livre de Danzig.

Também foram realizadas importantes conferências de paz na Suíça, como a Conferência de Locarno (1925), que visava desarmar os conflitos do pós-guerra entre as potências europeias. Acordos relativos às fronteiras da Turquia moderna e à navegação no Mar Negro foram concluídos em Lausanne (1923) e Montreux (1936), respectivamente.

Do isolamento do pós-guerra ao mito de Évian

A Segunda Guerra Mundial mudou as cartas do jogo. No período imediatamente após a guerra, devido às suas relações econômicas com a Alemanha nazista, a Suíça encontrava-se cercada por suspeitas das potências vencedoras. Não sendo membro das Nações Unidas, o país helvético estava à margem dos esforços para construir uma nova ordem internacional.

Apesar disso, a Confederação conseguiu contornar a situação dentro de alguns anos, graças à presença de uma sede da ONU em Genebra e à escolha do novo ministro das Relações Exteriores, Max Petitpierre, de combinar a neutralidade suíça com uma presença internacional mais ativa.

Deux hommes prenant le thé dans un jardin
Max Petitpierre e Winston Churchill no Castelo de Allmendingen, perto de Berna, em 19 de setembro de 1946. Keystone / Str

Um importante reconhecimento do papel de Berna é a sua participação, desde 1953, na missão neutra de monitorar a linha de demarcação entre as duas Coreias. Além disso, a Suíça também recebeu a Conferência da Indochina em 1954 e a primeira cúpula entre as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial, em 1955, em Genebra.

Deux soldats devant la frontière entre les deux Corées
Lançada em 1953, a missão na Coreia (mostrada aqui em uma foto dos anos 80) foi o primeiro passo da Suíça na promoção militar da paz. Keystone / Str

Mas a operação que mais contribuiu para o prestígio dos “bons ofícios” da Suíça foi, sem dúvida nenhuma, a sua mediação na fase final da guerra da Argélia.

Em 1960, a pedido do Governo Provisório da República da Argélia e com a aprovação da França, a Suíça abriu canais de comunicação entre os beligerantes. Em seguida, envolveu-se nas negociações de cessar-fogo na Argélia, consagradas pelos acordos de Évian. Os emissários argelinos residiam na Suíça e algumas das discussões com seus homólogos franceses ocorreram em solo suíço.

O sucesso dos acordos de Évian, que se tornaram uma espécie de mito dos “bons ofícios” suíços, foi, contudo, seguido por uma série de tentativas de mediação fracassadas no Afeganistão, na África do Sul do apartheid e na Guerra das Malvinas entre a Grã-Bretanha e a Argentina. Por outro lado, Genebra sediou uma cúpula entre o presidente americano Ronald Reagan e o líder soviético Mikhail Gorbachev em 1985.

Buscando a paz em um mundo multilateral

O fim da Guerra Fria, do qual a Cúpula de Genebra foi o primeiro indício, abriu uma nova fase nas relações internacionais, marcada pelo papel cada vez mais importante das organizações multilaterais nos “bons ofícios”. Para a Suíça, tratava-se de se reorientar num mundo que estava mudando rapidamente.

Confrontada por suas complexas relações com a União Europeia e pelo debate internacional dos anos 90 sobre o seu papel durante a Segunda Guerra Mundial, Berna tenta mais uma vez criar uma margem de manobra para uma política externa mais ativa, mas inscrita num contexto de cooperação multilateral.

A diplomacia suíça conquistou alguns grandes sucessos, como o acordo de cessar-fogo no conflito dos Montes Nuba, no Sudão, assinado em 2002 no Bürgenstock, perto de Lucerna. Em 2009, graças à mediação suíça, a Turquia e a Armênia assinaram os Protocolos de Zurique, que visavam a normalização das relações diplomáticas entre os dois países – esses acordos, no entanto, permaneceram apenas no papel.

Durante os anos 2000, a Suíça promoveu outras iniciativas de paz que envolveram os conflitos no Nepal, no Burundi, na Colômbia e no Chipre, tendo resultados mistos. Os esforços suíços no conflito israelo-palestino (Iniciativa de Genebra) também não tiveram um efeito duradouro, provocando, em vez disso, a irritação de Israel.

Por outro lado, a diplomacia suíça obteve um resultado positivo em 2019, após anos de negociações, com o acordo de paz entre o governo e os rebeldes em Moçambique.

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soldats mozambicains

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Um suíço em meio à crise em Moçambique

Este conteúdo foi publicado em Enviado da ONU, o diplomata suíço Mirko Manzoni faz seu diagnóstico sobre o conflito no norte de Moçambique.

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Um ator entre outros

O intenso trabalho de mediação realizado pela diplomacia suíça não deve, entretanto, levar a uma superestimação do papel da Suíça na promoção da paz.

Atualmente, a maior parte dos esforços voltados para a resolução de conflitos através de negociações ocorre no âmbito das Nações Unidas e de outras organizações internacionais. A ação da Suíça durante o primeiro conflito na Ucrânia, em 2014, quando Berna ocupava a presidência rotativa da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), é um exemplo disso.

A Suíça é um ator entre outros. Ela conta com uma diplomacia bem-preparada, multilíngue e com um extenso ‘know-how’, mas muitas vezes sofre devido ao seu relativo isolamento internacional. Hoje, menos ainda que no passado, os “bons ofícios” não têm como compensar a necessidade de alianças sólidas.

Adaptação: Clarice Dominguez

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