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2023 continuará desafiando as organizações internacionais de Genebra

pessoas segurando cartazes em Genebra
A praça frente ao Palácio das Nações em Genebra vive quase diariamente protestos. Na foto, russos demonstram contra a guerra na Ucrânia em 25 de setembro de 2022. © Keystone / Laurent Gillieron

Após dois anos marcados pela pandemia de Covid-19, 2022 também se mostrou um ano difícil para as organizações internacionais de Genebra. Sem sinais de paz entre a Rússia e a Ucrânia, 2023 parece igualmente desafiador.

“Em 2023, precisamos de paz, agora mais do que nunca”, diz a mensagem anual do secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres. Em uma entrevista coletiva de final de ano, Guterres confessou que não estava “otimista quanto à possibilidade de negociações de paz efetivas no futuro imediato”. Apesar disso, ele acrescentou: “Espero profundamente que, em 2023, sejamos capazes de alcançar a paz na Ucrânia”.

Em 2022, vimos um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, a Rússia, invadir outro Estado soberano, a Ucrânia. O órgão mundial responsável pela paz e pela segurança global, no qual Moscou tem poder de veto, não pôde fazer nada além de assistir. O ataque logo desencadeou a maior crise de refugiados da Europa desde a Segunda Guerra Mundial. Somada à pandemia de Covid-19 e à mudança climática, a guerra agravou uma crise global de alimentos, energia e endividamento que atingiu – e continua a atingir – principalmente os países de baixa renda.

Em Genebra, as agências da ONU e outras ONGs internacionais tentaram responder a esses enormes desafios. Verbas foram enviadas para a Ucrânia, mas começaram a faltar em outros lugares. Em alguns lugares do mundo, as violações dos direitos humanos foram devidamente enfrentadas, enquanto, em outros, foram varridas para debaixo do tapete. Os velhos problemas não desapareceram e novas crises se acumularam. 2023 será outro ano difícil para o sistema multilateral.

Guerra e crise alimentar

Este ano, a ONU continuará tentando mitigar o impacto da guerra no resto do mundo. Diminuir a propagação da fome permanecerá sendo uma das principais prioridades. Como a Rússia é o maior produtor mundial de fertilizantes e a Ucrânia é um dos principais exportadores de grãos, a guerra entre os dois países elevou os preços globais dos alimentos a níveis recorde em março de 2022. Muitos países da África e do Oriente Médio que dependem fortemente de importações não puderam mais custear commodities básicas como o trigo.

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Distribution of wheat

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Como a guerra na Ucrânia provoca a próxima crise alimentar

Este conteúdo foi publicado em A guerra na Ucrânia perturba o fornecimento global de alimentos, combustível e fertilizantes, o que torna a situação para milhões de pessoas na África ainda mais difícil.

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Os preços dos alimentos diminuíram desde então, mas permanecem muito altos, de acordo com a ONU. A queda se deve em parte a um acordo, concluído em julho de 2022 sob os auspícios da ONU e da Turquia, que permitiu à Ucrânia exportar seus grãos através de um corredor seguro no Mar Negro. Um acordo paralelo para facilitar a exportação de fertilizantes russos fazia parte do pacote. Mas os fertilizantes permanecem majoritariamente indisponíveis e superfaturados nos mercados globais.

Um dos principais objetivos dos altos funcionários da ONU é garantir que a Rússia e a Ucrânia concordem em prorrogar o acordo de grãos do Mar Negro quando sua data de renovação chegar, em março de 2023. Outro objetivo é assegurar que os fertilizantes russos estejam disponíveis a preços justos no mundo todo.

Desafios e necessidades humanitárias

Para as agências de ajuda humanitária de Genebra, 2022 foi um ano de necessidades humanitárias sem precedentes, causadas por crises nunca vistas antes: guerras, mudanças climáticas e a pandemia de Covid-19. 2023 está agora prestes a bater esse recorde. A ONU estima que precisará de US$ 51,5 bilhões – US$ 10,5 bilhões a mais que o orçamento para 2022 na mesma época do ano passado – para prestar assistência a cerca de 230 milhões de pessoas em 69 países.

Enquanto isso, a lacuna no financiamento – entre as necessidades e o dinheiro arrecadado – nunca foi tão grande. Ela está forçando as agências de ajuda humanitária a tomarem decisões difíceis sobre quem ajudar. A grande demonstração de apoio dos doadores ocidentais à Ucrânia fez com que outras crises tenham permanecido amplamente subfinanciadas. Trazer crises esquecidas para os holofotes – como as do Iêmen, da Síria, do Afeganistão e do Chifre da África – será um enorme desafio para as agências de ajuda da ONU em 2023.

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refugees in Ethiopia from the war in the north

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Como a guerra na Ucrânia alimenta outras crises

Este conteúdo foi publicado em O Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR) necessita de fundos. A situação é semelhante para outras agências humanitárias.

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Localizado próximo à ONU, em Genebra, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) também esteve sob muita pressão em 2022. Kiev fez muitas críticas à organização por não visitar prisioneiros de guerra detidos pela Rússia, mesmo tendo um mandato para fazê-lo nos termos das Convenções de Genebra. Desde então, o CICV pôde visitar centenas de prisioneiros de ambos os lados. A organização espera fazer mais visitas em 2023, mas será preciso que os responsáveis russos e ucranianos cooperem.

Atualmente sob a liderança de sua primeira presidente mulher, Mirjana Spoljaric Egger, o CICV também se esforçará para defender o respeito ao Direito Internacional Humanitário, as regras da guerra, uma tarefa que será difícil como sempre.

Batalha pelos direitos humanos

Em 2023, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) fará 75 anos. A declaração, que foi adotada pela ONU em resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial, é um conjunto de trinta artigos que estabelecem os direitos e as liberdades básicas de todos os indivíduos.

O documento reflete “valores universais que transcendem culturas, nações e regiões” e estabelece os “direitos inalienáveis aos quais todos os seres humanos” têm direito. Mas sua legitimidade é hoje contestada, principalmente pela China, que argumenta que não existem valores universais, e que o documento da ONU é uma invenção ocidental.

Em Genebra, o novo Alto Comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk, espera restabelecer o consenso global sobre os direitos humanos, que está atualmente em declínio. A China está pressionando para que haja uma maior ênfase nos direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais. Mas Türk argumenta que ambos andam de mãos dadas. Em uma entrevista em dezembro de 2022, ele disse que “a DUDH, escrita e adotada por representantes de todas as regiões do mundo, deixa claro que os direitos humanos são universais e indivisíveis; e os direitos humanos são a base para a paz e o desenvolvimento”.

Türk passará por um grande teste: ele precisará escolher como proceder após seu escritório ter publicado um relatório sobre os supostos abusos de Pequim contra a minoria muçulmana uigur, no território chinês de Xinjiang. O documento foi publicado minutos antes de sua antecessora, Michelle Bachelet, deixar o cargo. O texto aponta para possíveis crimes contra os direitos humanos cometidos pela China, mas Pequim negou o conteúdo do relatório, caracterizando-o como mentiras promovidas por forças ocidentais hostis.

Na última sessão do Conselho de Direitos Humanos (CDH), realizada em outubro, uma proposta para realizar um simples debate sobre o relatório foi rejeitada, evidenciando a crescente influência da China nos 47 membros do órgão da ONU. Türk pode optar por lidar com as autoridades chinesas nos bastidores para escolher como implementar as recomendações do relatório. Mas ele também pode optar por abordar o documento publicamente, seja em uma futura sessão do CDH ou através da emissão de declarações.

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: Clarice Dominguez

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