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A incerteza da pandemia e o prazer de caminhar por Lisboa

ädu wahlen
O suíço Ädu Wahlen apaixonou-se de imediato pela capital portuguesa. swissinfo.ch

Numa cidade ainda a acordar dos efeitos da pandemia,  Ädu Wahlen recebeu-nos no seu cantinho helvético banhado pela luz de verão que envolve Lisboa. Felizmente!

“Eu costumo dizer às pessoas para virem agora porque podem desfrutar da cidade de Lisboa como era há 10 anos atrás com poucos turistas”

Nunca desde a sua abertura, o bistrô Edelweiss esteve tanto tempo encerrado. Quando o nosso entrevistado reabriu o restaurante em maio, compreendeu que o fluxo de clientes ia ser reduzido em virtude da queda do turismo, contração económica e receio generalizado de contágio pelo covid-19. No entanto, realça que “Temos de pensar positivo!”

Com a mala sempre pronta

Ädu Wahlen nasceu em Berna e desde tenra idade começou a trabalhar em hotelaria. O seu primeiro estágio foi em Maloja, nos Alpes suíços, quando ainda frequentava o ensino secundário. Trabalhava nos meses de verão e de inverno como cozinheiro no hotel e no outono regressava às aulas para a componente teórica. Na primavera era o seu período de férias.

O seu primeiro emprego como cozinheiro foi no Montreux Palace durante seis meses. Dessa experiência recorda, “fiquei muito desiludido. É uma empresa grande com dezenas de chefes de cozinha. Por isso, não foi nada criativo nem aprendi coisas novas”.

Nos anos seguintes trabalhou como empregado de mesa em diversos restaurantes pela Suíça. “Durante o verão no Ticino, no inverno entre Genebra e os Alpes. Nunca estive habituado a viver mais do que seis meses num lugar”. A mobilidade sempre fez parte do seu estilo de vida até que embarcou durante seis meses num navio cruzeiro nas Caraíbas e América Central. “Percebi que se pode trabalhar todos os dias de manhã até à noite mas não é um trabalho de sonho como eu imaginei”, recorda sorrindo.

De regresso à Suíça, matriculou-se na escola de hotelaria em Thun, para aprofundar os seus conhecimentos de gestão hoteleira e cozinha. Quando terminou, tinha uma certeza, “estava farto dos restaurantes de 4 ou 5 estrelas. Então, decidi ir trabalhar para tascas”. Em Basel, estabeleceu-se durante 11 anos antes de se mudar para Nice e abrir um bar com o seu companheiro nessa cidade francesa.

Um denso nevoeiro que revelou Lisboa

No dia 24 de dezembro, noite de Natal, de 2008 Ädu e o seu companheiro Marc aterraram em Lisboa. “Avenida da Liberdade vazia, o Bairro Alto vazio, tudo fechado. No nevoeiro, parecia que estávamos num filme de terror”. Contudo, “depois da uma da manhã, parecia um tsunami de gente a encher as ruas do Bairro Alto! De imediato disse a Marc que queria viver em Lisboa!”. No ano seguinte, visitaram a capital na primavera e no verão e, por fim, decidiram que era o lugar perfeito para eles viverem.

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O chalé suíço dos anos 70

No início abriram o Heidi Bar de inspiração suíça, na zona boémia do Bairro Alto que durou cerca de dois anos. Como decidiram desvincular-se da vida noturna, abriram as portas do bistrô Edelweiss em outubro de 2012.

A decisão de abrir um restaurante suíço era clara, “não sei nada de cozinha portuguesa, não há restaurantes suíços em Lisboa e sei cozinhar pratos suíços. Então, é melhor oferecer algo novo e bem feito”. As peças de mobiliário dos anos 70 enchem o espaço e percebe-se o gosto dos proprietários. Os revestimentos e objetos de madeira imprimem o espírito de um chalé alpino.

O entrevistado admite que no início foi complicado captar o público português porque “não conhecem a cozinha suíça”. A clientela formou-se sobretudo de estrangeiros a residir na capital portuguesa que puderam encontrar um sítio para comer queijo fondue ou uma salsicha alemã. Hoje em dia, Ädu partilha que os clientes habituais são na sua maioria franceses, portugueses e brasileiros.

Quando lhe perguntamos qual o prato que aconselha a provar atira de imediato o zürigeschnezeltes, ou estrogonofe de vitela. Também destaca o vol-au-vent com molho de cogumelos selvagens e frango do campo, pelo facto de não existir na cozinha portuguesa.

A dificuldade de encontrar produtos suíços

Ädu Wahlen percebeu que seria muito difícil importar produtos suíços devido aos elevados custos. Em França, há uma grande procura por carne seca, especialidade suíça, o que facilita  a aquisição porque não paga taxas alfandegárias. O queijo suíço encontra em algumas lojas gourmet, mas que não é tão bom como “aquele artesanal tipicamente suíço” e a aguardente de pêra produz-se em Portugal, para citar alguns exemplos.

O nosso entrevistado procurou apoio na Embaixada Suíça e na Câmara de Comércio e Indústria Suíça em Portugal mas ficou um pouco desapontado porque sendo um negócio pequeno e a procura por produtos suíços ser residual, não existem  soluções para impulsionar a chegada de produtos suíços a Lisboa.

Como recebe muitos amigos helvéticos, tem como requisito que tragam uma garrafa de uma bebida especial. Quando vai visitar a mãe a Berna traz uma quantidade generosa de Basler Läckerli, os biscoitos típicos de Basileia, para confecionar gelados e doçaria no restaurante.

A pandemia e os apoios do estado português

No início de 2020, as perspectivas eram animadoras mas quando, em meados de março, a pandemia se abateu sobre a Europa, tudo mudou. Em Portugal, todos os estabelecimentos comerciais encerraram ou estiveram condicionados. Os restaurantes apenas podiam ter serviço de take-away. “A nossa comida não pode ser vendida dessa forma. Vendemos todo o stock de cervejas que tínhamos porque, naquela altura, ninguém sabia quando iríamos abrir novamente”.  Ao longo de dois meses sem poder funcionar, os dois sócios aproveitaram para fazer obras de melhoramento no espaço e limpezas profundas, “pelo menos isso foi bom mas desde que voltámos a abrir em meados de maio, isto está mesmo muito mau”.

Como antes da pandemia os dois empregados se despediram, colocaram o único empregado que tinham em lay-off, com a segurança social a cobrir cerca de 66% do salário do trabalhador durante o período de suspensão da atividade económica. Devido a terem um fluxo de negócio acima do estipulado por lei, Ädu e Marc não foram abrangidos pelos apoios a sócios-gerentes, visto que para além de donos também trabalham no restaurante.

A nova realidade

Quando reabriram, a lotação do espaço estava reduzida a menos de metade. Neste momento, a obrigação é ter uma distância de um metro e meio entre mesas, as pessoas têm de circular com máscara dentro do restaurante e dispor de gel-desinfetante para os clientes.  Para compensar a perda de lotação, a Câmara Municipal de Lisboa tem permitido que os restaurantes aumentem as suas esplanadas sem quaisquer taxas.

“Desde 15 de maio que estamos abertos e apenas em duas noites é que tivemos uma enchente. Nos restantes dias, tivemos poucos clientes”. Neste momento são três pessoas a trabalhar no bistrô.

“Esta situação põe-me um pouco nervoso mas, ao mesmo tempo, eu sei que não posso mudar nada agora. Não tem nada que ver com a qualidade da nossa oferta ou as pessoas já não gostarem de vir”. Inclusivamente, alguns clientes habituais, assim que os restaurantes abriram, o Edelweiss foi a sua primeira opção, “ isso é um grande reconhecimento para nós”.

Tentar equilibrar o ano

Na opinião de Ädu apesar de ainda haver casos de contágio por covid-19, acredita que Portugal está no bom caminho. Por agora, ele espera que a partir do mês de julho os turistas comecem a regressar aos poucos a Lisboa, “por um lado não é bom porque os bares estão fechados e os restaurantes com horários condicionados, mas podem visitar os monumentos sem filas e desfrutar de uma cidade sem multidões”.

Ninguém perspectivava um ano de 2020 como este. Ädu Wahlen tenta manter o espírito positivo e sentir-se orgulhoso pelos clientes terem voltado. O ano será complicado mas vai manter a esperança para enfrentar a crise económica que se avizinha.

Portugal registrava até à data da reportagem cerca de 43 mil casos de Covid-19, estando ainda ativos cerca de 12 mil. O número de mortes atingiu as 1600.

As estimativas de contração do PIB português apontam para os 9 a 15% para 2020.


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