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Pequenas empresas e grandes inovações: “startups” suíças

Um startup suíça quer reinventar a energia nuclear

fissione nucleare
A energia nuclear gera cerca de 10% da eletricidade consumida no mundo. Keystone / Giroscience / Science Photo Library

A startup suiça Transmutex inventou um novo tipo de reator nuclear que utiliza tório ao invés de urânio. Uma usina nuclear poderia produzir eletricidade de forma mais segura e sem produzir lixo radioativo. A descoberta poderia permitir a transição para uma sociedade de emissão "zero".

“Quando um Prêmio Nobel oferece um trabalho, é difícil dizer não”, conta Federico Carminati. O físico nuclear lembra-se do convite feito por Carlo Rubbia, então diretor da Organização Européia de Pesquisa Nuclear (CERN), em Genebra. “Em 1990 eu era um jovem funcionário no CERN quando Rubbia pediu que eu participasse do desenvolvimento de um novo tipo de reator nuclear.”

“Tínhamos todos os elementos essenciais para construir um novo tipo de reator”. Federico Carminati, Transmutex

Na época havia muitas expectativas, porém o reator de tórioLink externo combinado com um acelerador de partículas acabou não sendo desenvolvido. A indústria nuclear tinha pouco interesse em inovações e o problema dos resíduos radioativos e seu armazenamento não era tão urgente. 

Cerca de trinta anos mais tarde, os tempos mudaram. Para Carminati a ideia de Rubbia é mais atual do que nunca. Em 2019,  o suíço fundou a TransmutexLink externo junto com o sócio francês Franklin Servan-Schreiber. O objetivo dos dois empreendedores: “reinventar” a energia nuclear a partir de seus princípios mais básicos.

Tório ao invés de urânio

As usinas atômicas produzem eletricidade utilizando o calor gerado pelas reações nucleares. Em um reator clássico, o material combustível – geralmente urânio ou plutônio – é imerso em um banho de nêutrons. Os átomos se dividem (processo de fissão), liberando energia e liberando mais nêutrons, resultando em uma reação em cadeia. O calor gerado pela fissão é utilizado para produzir vapor e eventualmente eletricidade.

>> A animação abaixo explica como funciona a fissão nuclear:

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Uma usina atômica produz eletricidade continuamente – e em grandes quantidades – sem emitir gases de efeito estufa. Entretanto, também gera resíduos radioativos, que muitos países, inclusive a Suíça, ainda não sabem onde armazenar.

A solução da Transmutex é usar tório ao invés de urânio. Trata-se de um metal fracamente radioativo encontrado em abundância em quase toda o planeta. “É muito mais democrático do que o urânio”, diz Carminati. A maior parte do urânio utilizado como combustível nuclear é extraído de minas no Cazaquistão, Austrália e Canadá.

O tório é fissionado dentro de um reator mantido em um estado subcrítico e alimentado em nêutrons através de um acelerador de partículas. Isto significa que, ao contrário das usinas convencionais, esta é incapaz de sustentar uma reação em cadeia: uma vez interrompido o fluxo de nêutrons, o reator se desliga imediatamente. Esta característica evitaria acidentes como o que ocorreu em Chernobyl em 1986.

Menos desperdício

As vantagens de um reator de tório com acelerador de partículas são muitas, como explica Carminati. O tempo de desintegração radioativa dos subprodutos do tório é muito menor do que em uma usina de urânio – 300 anos em vez de 300 mil – e a quantidade de resíduos perigosos seria significativamente reduzida. “Estamos falando de alguns quilos em vez de toneladas”, diz o físico nuclear. O ciclo do tório também teria a vantagem de evitar a proliferação nuclear. Os subprodutos da fissão do tório não podem ser usados para fazer uma bomba atômica, acrescenta Carminati.

federico carminati
Federico Carminati é especializado em simulação computadorizada de sistemas nucleares. Transmutex

Mas isso não é tudo. Um reator de tório também poderia ser alimentado por resíduos de usinas nucleares existentes. O fluxo ultra-rápido de partículas permite que os resíduos sejam queimados e produz energia. Além disso, no que é conhecido no jargão técnico como ‘transmutação’ (daí o nome da empresa iniciante Transmutex), alguns dos resíduos radioativos de curta duração também poderiam ser convertidos em elementos estáveis. “Isto poderia resolver o problema do acúmulo e armazenamento de resíduos altamente radioativos”, diz.

Colaboração com a Rússia e EUA

Transmutex pretende explorar tecnologias desenvolvidas na Suíça e no exterior. Juntamente com o Instituto Paul ScherrerLink externo, o principal centro de pesquisa em ciências naturais e engenharia da Suíça, irá construir um acelerador de partículas mais potente do que aqueles atualmente utilizados no tratamento do câncer.

O startup também entrou em colaboração com parceiros internacionais. A empresa russa Rosatom, especializada em motores nucleares para submarinos, estuda a possibilidade de desenvolver o reator, enquanto o Laboratório Nacional de Argonne, um dos mais importantes centros de pesquisa nuclear dos EUA, trabalha com combustível de tório.

Temos todos os elementos essenciais para construir um novo tipo de reator: agora só nos resta montá-los”, diz Carminati. O objetivo da Transmutex é construir um protótipo de demonstração até o início dos anos 2030.

“Renascença nuclear

O tempo parece maduro para uma nova geração de energia nuclear. A necessidade de reduzir as emissões de CO2 e o medo de cortes prolongados de energia estão reavivando uma opção que Fukushima parecia ter enterrado. As 440 usinas nucleares em operação em todo o mundo geram cerca de 10% da eletricidade consumida globalmente.

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Em vários países estão em andamento trabalhos para construir reatores nucleares mais compactos, mais simples, mais seguros e mais baratos. O presidente dos EUA, Joe Biden, destinou 2,5 bilhões de dólares para pesquisa e demonstração industrial de reatores avançados, enquanto a TerraPower, uma empresa fundada por Bill Gates, está pronta para construir a primeira de centenas de usinas nucleares miniaturizadas de sódio. Na ChinaLink externo, o primeiro reator nuclear de tório entrará em operação em breve, mas utilizando uma tecnologia diferente da Transmutex.

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A “renascença” nuclear também está em andamento no continente europeu. A Comissão Européia quer incluir o átomo, assim como o gás natural, entre as fontes “verdes” para promover a transição energética. Esta linha é apoiada pela França, mas oposta pela Alemanha, que após Fukushima decidiu fechar suas usinas nucleares.

A Suíça também optou por um abandono gradual da energia nuclear. Porém representantes dos partidos conservadores propõem que o átomo seja reconsiderado como parte da estratégia energética de longo prazo, a fim de evitar problemas de abastecimento. O Clube Suíço de Energia, uma associação pró-nuclear, não está descarta o lançamento de uma iniciativa popular (n.r.: proposta de lei levada à plebiscito após o recolhimento de um número mínimo de assinaturas de eleitores) intitulada “Evitando um apagão”. O objetivo da iniciativa é revogar a proibição da construção de novas usinas nucleares, uma medida aprovada pelos eleitores em um plebiscito de 2017.

Eletricidade limpa no futuro

“Seria fantástico ter uma tecnologia flexível, modular e de pequena escala para produzir energia limpa e segura dentro de uma década ou mais”, diz Christian Schaffner, diretor do Centro de Ciência da Energia da Escola Politécnica Federal de Zurique (ETH). “Precisamos eletrificar a mobilidade e o aquecimento. Precisamos de mais eletricidade e ela tem que estar limpa.

No entanto, Schaffner aponta que levará talvez 20 anos até que tenhamos uma nova central elétrica conectada à rede. “Acho que não temos esse tipo de tempo diante da emergência climática”, diz. Outra questão é o custo e a rentabilidade de uma fábrica desse tipo. “Poderia ser mais barato que a energia solar, que atualmente é mais barata que a energia nuclear tradicional?” questiona Schaffner. De acordo com o especialista, faria mais sentido utilizar as centrais elétricas existentes tanto quanto possível.

Fabian Lüscher, diretor de energia nuclear da Fundação Suíça de Energia, também acredita que o projeto Transmutex não ajudará a evitar uma catástrofe climática. “Há inúmeros problemas relacionados à ciência dos materiais que precisam ser resolvidos antes que possamos construir um protótipo. Este conceito é uma idéia de um futuro distante”, declarouLink externo ao jornal suíço Le Temps.

Mais crítico, alguns ex-diretores de reguladores de energia nuclear e autoridades de segurança nos EUA, Grã-Bretanha, França e Alemanha argumentam que a energia nuclear não deve ser vista como uma solução para a crise climática. “A energia nuclear (incluindo a energia nuclear de próxima geração) não é limpa, segura nem inteligente, mas uma tecnologia muito complexa com potencial para causar danos significativos”, apontam em uma declaração conjuntaLink externo.

Federico Carminati da Transmutex é, no entanto, otimista. Alguns dizem que nosso projeto é ambicioso e complexo. Mas ninguém nos disse por que não deveria funcionar”. Até o momento sua empresa arrecadou oito milhões de francos suíços em financiamentos, incluindo cinco de investidores privados dos EUA. A startup estima o custo do reator piloto em cerca de 1,5 bilhões de francos. “É um projeto importante e se tivermos sucesso… faremos uma fortuna”, brinca Carminati. “Se não tiver sucesso, pelo menos terei tentado fazer algo do qual possa me orgulhar.”

Adaptação: Alexander Thoele

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