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Da Bahia para Genebra: não basta tocar, tem que ensinar

Ricardo Castro regendo orquestra
Divulgação

A prestigiada Escola de Altos Estudos de Música de Genebra, inaugurada por Franz Liszt, tem agora um ex-aluno da década de 80, o baiano Ricardo Castro, em seu corpo de professores. 

Aquele menino baiano de Vitória da Conquista, que aos 5 anos começou a estudar piano e se destacar pela pouca idade e muito talento, está prestes a se tornar professor em uma das mais importantes instituições da Suíça e do mundo. A partir de setembro, o maestro Ricardo Castro dará aulas de piano na Haute École de Musique de Genève – Hemge (Escola de Altos Estudos de Música de Genebra) ou Conservatório de Genebra, como ainda faz questão de chamar. Ser selecionado para lecionar num lugar desses já seria um grande feito, mas para Ricardo ganha contornos ainda mais especiais: foi lá que tudo começou, onde estudou nos anos 80, quando veio para a Suíça.

“O Conservatório de Genebra é uma instituição muito importante na minha vida porque lá eu fiz meus estudos superiores de música e, principalmente, onde eu aprendi o amor pela profissão de ensinar. Eu estive em contato com pessoas de altíssimo nível artístico que, ao mesmo tempo, se dedicavam ao ensino”, conta.

Ricardo diz que esperou muitos anos antes de se candidatar a professor em Genebra para poder adquirir experiência em outras instituições. Depois de ter saído do então conservatório de Genebra, Ricardo começou a desempenhar atividades pedagógicas. Leciona desde 1992 na classe de bacharelado e mestrado da Haute École de Musique de Lausanne, no centro que fica em Friburgo, na Suíça. Em 2018, foi convidado para dar aula na Scuola di Musica di Fiesole, na Itália.  

“Quando eu achei que estava pronto para ensinar em Genebra, abriu-se uma porta, que é uma vaga, o que é muito raro em instituições desse porte para esse nível de ensino. Eu me candidatei junto com bastante gente importante do mundo musical”, diz ele, que concorreu com mais de 80 candidatos.

“Ensinar é tão importante quanto tocar”

Apesar de ter construído uma carreira importante e ganhado prêmios internacionais, Ricardo Castro nunca deixou de ensinar.

“Eu nunca quis interromper a atividade pedagógica que, para mim, é tão importante quanto tocar. O músico que eu sou hoje decorre do fato de que grandes músicos do passado nunca interromperam a atividade pedagógica. Começando pelo próprio Franz Liszt, que foi quem abriu a primeira classe de piano no Conservatório de Genebra em 1835”,  conta ele, que começou a se interessar por piano aos 3 anos e dois anos depois chamou a atenção dos professores pela capacidade de tocar de ouvido e a habilidade de compreender o que lhe era ensinado.


O maestro quando menino sentado ao piano
Ricardo Castro começou a se interessar por piano aos 3 anos. Arquivo pessoal

Oportunidade para quem precisa

Ricardo ganhou o mundo, mas nunca se esqueceu da sua Bahia e de fazer a sua parte para que mais brasileiros tenham a oportunidade de realizar os seus sonhos. Em 2007, criou o projeto Neojiba (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia), projeto social que abre as portas para a música clássica a crianças, adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social.

Nesses 13 anos de Neojiba, ele continua com o projeto na cabeça e no coração: vai ao Brasil todos os meses para acompanhar o trabalho feito pela instituição, da qual é diretor-geral. Todos os anos, integrantes do Neojiba vêm para Genebra por meio de um convênio firmado com a Haute École de Genebra, e os daqui vão para lá.

“É uma escola (Haute École) que é aberta para o futuro, que tem planos de crescer. Encontrei nela uma grande abertura para entrarmos em novos caminhos juntos. Obviamente, uma sensibilidade também. Eles trabalham também na Palestina, além da Bahia. Então, tem tudo a ver com o que eu acredito, no que eu invisto, que é uma visão mais democrática da prática musical”, afirma o maestro, que se orgulha de ter aberto as portas das instituições europeias para jovens baianos.

“É um intercâmbio que funciona há vários anos com bastante sucesso e provocou mudanças também na mentalidade e na maneira de ensinar aqui na Suíça. Tudo isso foi feito para oferecer oportunidades a essa juventude que, pelo menos na minha época, nunca teve. Sempre foi muito difícil para o brasileiro sair para o exterior e as coisas mudaram bastante agora”.

Ricardo Castro tocando piano
Para o pianista Ricardo Castro, a atividade pedagógica é tão importante quanto tocar. Divulgação

O que a Suíça ensinou

Há mais de 30 anos morando aqui, Ricardo, que tem a nacionalidade suíça, diz que foi muito influenciado pela cultura do país, que lhe ensinou bastante em termos de disciplina, metodologia e de respeito a certos procedimentos.  

“Eu me considero uma pessoa multifacetada hoje por ter escolhido essa vida internacional, por ter abraçado outra cultura sem perder, obviamente, minhas raízes brasileiras. Aproveitei o privilégio de estar vivendo num país onde as coisas se organizaram há mais tempo para aprender uma série de metodologias de trabalho, de gestão, o que facilitou meus empreendimentos a terem sucesso”, diz.

Isso foi possível, segundo ele, em decorrência da possibilidade que teve de aprender com diversas culturas e línguas.

Para Ricardo, tanto a Suíça quanto o Brasil têm algo a aprender um com o outro.

“O fato de conhecer uma realidade de um mundo que está mais organizado, que conseguiu acumular mais riqueza e fazer dessa riqueza um bem para a sua população me estimula a procurar o mesmo para os nossos brasileiros, me estimula a esperar que a gente chegue a isso. Nós só precisamos ter oportunidade para chegar no Brasil a resultados equivalentes ao que as crianças e jovens conseguem atingir aqui no hemisfério Norte”, defende.

Estar na Europa e ir de vez em quando para o Brasil é, para ele, uma retroalimentação de sonhos e de possibilidades.

“O Brasil tem muito a ensinar pela sua resiliência e pela capacidade das pessoas em encontrar soluções para problemas aparentemente insolúveis e isso, acredito, nós podemos ensinar muito ao hemisfério Norte, onde os jovens têm muito medo de errar. Esses intercâmbios que a gente provoca entre alunos aqui da Suíça e do Brasil vieram provar que as nações têm tudo a ganhar ao promover esses encontros. Nós todos temos qualidades e defeitos e, obviamente, aqueles que são humildes o suficiente para assumir seus defeitos e querer aprender com os outros vão aproveitar mais do que os que se fecham em seus nacionalismos e defesas”.

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