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No Canadá, uma professora suíça combate a insegurança alimentar

Pamela Farrell (centro) com voluntários Ganham (esquerda) e Rose (direita). Win, aos 80 anos, é a voluntária mais antiga da Grow. zVG

Em meio à pandemia, Pamela Farrell, uma suíça residente no Canadá, criou uma instituição de caridade que fornece alimentos saudáveis para quem precisa, na região das Cataratas do Niágara. Após o sucesso da iniciativa, trabalha agora para replicar o modelo em outras localidades do Canadá. 

Este conteúdo foi publicado em 14. dezembro 2021 minutos

Pamela Farrell guarda uma memória de infância marcante. Se lembra com clareza dos dias em que esperava junto com a mãe a chegada dos 'ônibus MigrosLink externo' - veículos da rede de supermercados suíça que entregavam alimentos em todo o país, até 2007.

"A comida vinha até nós e podíamos comprar mantimentos frescos", relembra à SWI swissinfo.ch. No atual país de Farrell, no entanto, em algumas regiões ainda é impensável conseguir produtos frescos com facilidade. Em grande parte do Canadá, encontrar comida fresca, saudável e perto de casa muitas vezes não é uma opção.

Na América do Norte existem muitos "desertos alimentares" - áreas onde as pessoas têm acesso limitado a alimentos nutritivos e baratos - espalhados pelo continente. De acordo com uma definição do termo, "deserto alimentar" é um lugar onde o supermercado mais próximo fica a dois quilômetros de distância (para áreas urbanas ou suburbanas) e a mais de 15 quilômetros de distância (para áreas rurais).

Caricatura: o "deserto alimentar" tem produtos, mas nenhum deles é saudável ou fresco. Rob Rogers/pittsburgh Post-gazette

Essas regiões geralmente não atraem grandes redes de supermercados, já que boa parte dos habitantes têm baixa renda e mobilidade limitada. Nessas localidades, a população têm acesso principalmente a produtos ultra processados e industrializados. A dificuldade em acessar uma gama variada de produtos frescos e saudáveis é apontada como um dos motivos do aumento das taxas de obesidade nos Estados Unidos e no Canadá.

"Mas, paradoxalmente, esses desertos alimentares costumam coincidir com áreas agrícolas onde, na verdade, não há escassez de alimentos frescos", diz Farrell. Foi a partir dessa contradição que ela começou a lutar pela criação de um centro comunitário de educação alimentar, até enfim abrir as portas do centro "GrowLink externo" - "cultivar" em tradução livre - em 2020. 

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"Pamela está fazendo uma grande diferença para os mais pobres em meio à pandemia. Ela é um exemplo para todos nós e uma excelente embaixadora da Suíça ", diz John Turner, que é voluntário no Grow. Turner ficou tão impressionado com o compromisso dessa suíça que mora no exterior que entrou em contato com a swissinfo.ch para contar sobre o projeto.

Pamela Farrell. zVG

Pobreza latente

Farrell nasceu em Zurique, em 1977, onde também cresceu. Em 2001, se mudou para o Canadá e agora, depois de 20 anos morando no continente americano, está se aproximando de um momento decisivo: "em breve terei vivido mais tempo aqui do que na Suíça", disse. A senhora de 44 anos preferiu dar a entrevista ao swssinfo.ch em inglês. 

Pamela contou que depois de estudar economia na Suíça, no final da década de 1990 conheceu em Londres o canadense que viraria seu marido. A relação, que começou como um caso de verão, se tornou séria e ela se mudou para Toronto, no Canadá. Lá, trabalhou para um empregador suíço e frequentou vários cursos universitários. "Quanto mais eu aprendia, mais percebia o quão pouco eu sabia", contou. Agora, Farrell é professora, mora perto das Cataratas do Niágara e está prestes a concluir um doutorado na área de educação.

Mesmo depois de duas décadas no exterior, a expatriada suíça ainda se impressiona com o quanto a pobreza é mais visível na América do Norte do que na Suíça. "Na América do Norte, os beneficiários da previdência social têm direito apenas a um pequeno pagamento mensal, que geralmente dá conta de cobrir somente o aluguel", diz ela. "Na Suíça, as políticas de bem-estar social são estruturadas de tal forma que você recebe auxílios mais amplos e suficientes". 

No Canadá, diz ela, como consequência da insuficiência dos auxílios, as pessoas de baixa renda raramente podem comprar alimentos saudáveis. É simplesmente muito caro. Em paralelo, as deficiências da rede de transporte público também tornam mais difícil conseguir um emprego. "Não se pode chegar longe aqui sem um carro." É um círculo vicioso, diz. 

Quilômetros sem comida fresca

Tudo isso levou Farrell a questionar pessoas-chave da cidade onde vive, no entorno das Cataratas do Niágara. O que a região precisa? Como podemos ajudar os trabalhadores pobres, que inclusive aumentaram em número, devido às consequências da pandemia para o setor turístico da região? 

A questão da comida logo surgiu. As Cataratas do Niágara são um deserto alimentar. "A uma distância curta é possível achar uma loja de bebidas, uma cervejaria e três dispensários de maconha, mas nenhum lugar para comprar alimentos frescos", diz Turner.

Conteúdo externo

Ao contrário dos bancos de alimentos, que distribuem principalmente alimentos enlatados e fast food para pessoas necessitadas, Farrell sonhava em criar um oásis que além de fornecer alimentos frescos, também ajudasse a fortalecer a comunidade. 

Segundo Farrell, o que a motiva é o desejo de justiça social. "Como professora, vejo as desigualdades sociais que existem em nossas diferentes escolas e bairros diariamente", desabafa. 

Fila do pão

A ideia do centro de alfabetização alimentar logo encontrou um solo fértil. Depois de muito trabalho e graças a uma grande equipe de voluntários, o centro Grow abriu suas portas em 2020. Farrell recebeu verbas do governo e muitas doações para o projeto.

Normal na Suíça, mas uma incomum em muitas partes do Canadá: uma loja cheia de produtos frescos. zVg

Agora, ela passa cerca de 20 horas por semana no projeto - principalmente quando seus filhos estão dormindo - e tudo de forma voluntária. "A gestão do tempo é um dos meus pontos fortes", diz ela. Turner confirma isso: "Pamela é tão bem organizada. Ela funciona como um relógio suíço", diz ele.

No Grow, as pessoas podem comprar comida, frequentar aulas de culinária e - quando a pandemia permitir - simplesmente passar algum tempo juntas. Em média, 150 compradores vêm ao Grow todos os dias. "A fila se estende ao redor do quarteirão frequentemente", diz Turner. Existe apenas um pré-requisito para fazer compras lá: "é necessário provar que se tem uma renda baixa", acrescenta Farrell.

A loja se tornou tão popular que muitas vezes há filas para entrar. zVg

"O fato de ter crescido na Suíça me dá coragem para lutar por mudanças e defender os outros", diz a emigrante suíça, acrescentando que seu projeto tem "planos ambiciosos". Comer, cozinhar e reunir pessoas é só o começo. Com o tempo, também almeja estimular as pessoas a se mobilizarem na busca por direitos na participação política através do voto. 

Farrell também espera expandir o projeto e criar mais centros de educação alimentar na região. "A chave é tornar nosso projeto atraente para outras comunidades e, assim, abandonar os programas alimentares de emergência". Ela está convencida de que encontrou um modelo sustentável e viável para fazer isso.

Adaptação: Clarissa Levy

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