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Quando se negociou a paz do mundo em Lausanne

Ouverture d une conférence
A cerimônia de abertura da conferência, no Casino de Montbenon, em 20 de novembro de 1922. Archives de la Ville de Lausanne

Há exatamente cem anos, a I Guerra Mundial encontrou seu epílogo às margens do Lago Genebra. Em 24 de julho de 1923, representantes das potências aliadas e da Turquia assinaram o Tratado de Lausanne, que regulamentava os termos de paz com o antigo Império Otomano. Mas por que um evento de tamanha importância em Lausanne? Elementos de resposta com Laurent Golay, diretor do Museu Histórico de Lausanne.

Embora menos conhecido nos dias de hoje do que o famoso Tratado de Versalhes, o Tratado de Lausanne foi, no entanto, um evento diplomático considerável, o primeiro de tal importância a ser realizado na Suíça. Durante oito meses, diplomatas e jornalistas de todo o mundo se reuniram às margens do Lago Genebra.  

No âmbito de sua exposição “Frontières (Fronteiras) – O Tratado de Lausanne, 1923-2023”, em exibição até 8 de outubro, o Museu Histórico de Lausanne revisita esse evento que virou do avesso o cotidiano dessa pacata cidadezinha de cerca de 70.000 habitantes na época, como lembra o diretor do museu, Laurent Golay. Uma entrevista.

swissinfo.ch: Como explicar que um evento de tamanha importância tenha se desenrolado em Lausanne?

Laurent Golay: Havia razões políticas, sendo a neutralidade suíça, evidentemente, um elemento determinante. Os turcos queriam que a conferência de paz fosse realizada em seu próprio território, o que os Aliados naturalmente recusaram.

A região de Lausanne também abrigava um número expressivo de emigrantes turcos que se opunha ao sultão. Na década de 1910, eles criaram o que era conhecido como “lares turcos”, que eram a cabeça de ponte da propaganda nacionalista dos Jovens Turcos na Europa. Vários dos responsáveis por esses albergues turcos acabariam se tornando ministros da nova República Turca.

Em termos de infraestrutura, Lausanne dispunha de uma grande capacidade hoteleira, com estabelecimentos de luxo construídos recentemente. A cidade estava muito bem conectada à rede ferroviária internacional desde a inauguração do túnel do Simplon em 1906. Era possível viajar diretamente para Constantinopla no Expresso Oriente. Por via aérea, o aeroporto de La Blécherette em Lausanne oferecia voos diários para Londres e Paris. Todas essas infraestruturas também fizeram a balança pender a favor de Lausanne.

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swissinfo.ch: Hoje em dia, um evento diplomático como esse suscitaria a cobiça de muitas cidades. Houve muita concorrência na época?

L.G.: Não, na verdade não. Não demorou muito para que os ingleses, franceses, italianos e, em menor escala, os gregos decidissem a favor de Lausanne. Mas, de qualquer maneira, não havia muitas cidades na disputa. Naquela época, não havia essa ideia de usar um evento internacional para promover uma cidade.

swissinfo.ch: Essa conferência foi realmente um evento “extraordinário” para Lausanne?

L.G.: Sim, houve uma intensa cobertura da mídia, com diversos artigos na imprensa suíça e estrangeira. O público acompanhou tudo de perto, e com muita curiosidade. Isso pode ser visto nas fotografias da época, em que multidões se reuniam do lado de fora dos hotéis ou do Château d’Ouchy, sede da conferência, para ver a chegada dos grandes de tal mundo. Também foi um evento “people”, isto é, com muitas celebridades e figuras públicas.

Foule dans les rues de Lausanne en 1923
A multidão em frente ao Château d’Ouchy, o local da conferência. Agence ROL – Bibliothèque nationale de France

swissinfo.ch: Podemos considerar que a Conferência de Paz de Lausanne foi a primeira reunião diplomática importante para a Suíça e o ponto de partida do que se tornaria uma tradição?

L.G.: Foi de fato a primeira grande reunião diplomática realizada em solo suíço. Não havia acontecido muita coisa antes disso, com exceção do primeiro Tratado de Lausanne – também conhecido como Tratado de Ouchy – em 1912, que pôs fim à guerra entre o Reino da Itália e a Sublime Porta na Líbia. Mas foi um evento bem menor.

No entanto, a Conferência de Lausanne não pode realmente ser considerada o ponto de partida para a tradição de grandes reuniões diplomáticas na Suíça. Essa tradição tomou forma após a Segunda Guerra Mundial, com a designação de Genebra como a sede europeia das Nações Unidas. É uma época e uma tradição diferentes.

Por tudo isso, porém, a Conferência de Lausanne provavelmente permanecerá na memória. Ela provou que a Suíça era capaz de sediar, organizar e assegurar a segurança para um grande evento diplomático.

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Palais des Nations, Geneva

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swissinfo.ch: Enfim, a questão da segurança… A Conferência de Lausanne testemunhou o assassinato de um delegado soviético!

L.G.: É verdade, o delegado Vatzlav Vorowsky foi morto a tiros em um hotel por Moritz Conradi, um suíço de origem russa que havia fugido do país após a Revolução Bolchevique. Mas a delegação soviética não contava com proteção policial.

Penso que é justo afirmar que a Suíça não foi nem um pouco proativa em proteger a delegação soviética, porque existia um sentimento antibolchevique bastante forte na Suíça naquela época. O julgamento do assassino se transformou em um julgamento do bolchevismo e o tribunal de polícia de Lausanne finalmente absolveu Conradi, o que levou a um longo congelamento das relações diplomáticas entre a Suíça e a URSS.

Adaptação: Karleno Bocarro

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