“É melhor do que estar jogando golfe”
Um banqueiro que abandona as rédeas da maior instituição financeira da Suíça e admite ter sido co-responsável por decisões que levaram a prejuízos bilionários. Hoje Peter Wuffli, ex-CEO do UBS, dedica seu tempo a ajudar países africanos a sair da pobreza.
No pequeno escritório da sua fundação Elea, em Zurique, ele recebeu swissinfo para falar de filantropia e globalização. Temas como UBS e crise financeira são ainda um tabu para o suíço.
Peter Wuffli, 51 anos, chegou ao Olimpo das finanças internacionais. Por seis anos ele foi o presidente executivo do UBS. Tão elevada foi a acessão, também foi sua queda. Quando renunciou ao cargo em 6 de julho 2007, o maior banco helvético ainda anunciava resultados recordes. Três meses depois, as perdas causada pela crise dos créditos hipotecários de risco (os “subprime”) nos EUA já se acumulavam em quatro bilhões de francos (R$ 8 bilhões). Desde então, um revés sucede ao outro, colocando até em questão a própria existência do UBS.
Acusado de ser um dos executivos responsáveis pelo cassino financeiro internacional e de ter enriquecido à custa do seu empregador, Wuffli se tornou uma pessoa “non grata” para muitas pessoas. Porém, em novembro de 2008, ele abriu um precedente ao ser o primeiro dos grandes banqueiros a renunciar a partes das suas bonificações – 12 milhões de francos. Ele traduziu o ato com uma frase que se tornou célebre: “Nada justifica pagamentos elevados a ex-executivos de uma empresa que se encontra em dificuldades”. Logo depois outras personalidades empresariais também eram forçadas a seguí-lo.
Quando ainda dirigia o UBS, em dezembro de 2006, Peter e sua esposa, Susanna Wuffli, criaram a Fundação Elea para Ética na Globalização e colocaram parte da própria fortuna nela: 20 milhões de francos. Depois que saiu do banco, esta se tornou sua principal atividade, além de um mandato no conselho de administração da Karl Steiner, uma grande empresa de Zurique atuante no setor de serviços imobiliários.
Seu escritório está distante apenas poucos passos de importantes jornais do país como o “NZZ” e o “Blick”. Por isso sua atenção é redobrada, sobretudo ao conversar com jornalistas. “Se falar sobre alguns temas, tudo estará na primeira página dos jornais no dia seguinte”, explica, ressaltando que sente até hoje ter sofrido muitas injustiças por parte da mídia. Assim explica seu silêncio em relação ao passado.
swissinfo: A Europa do leste está em crise por ter aberto seus mercados ao capital barato. A África quase não consegue mais exportar matérias-primas. Estamos vivendo uma crise da globalização?
Peter Wuffl: A globalização é um processo de aprendizado. Vários países aprenderam com a crise asiática nos anos 90 e, por exemplo, acumularam reservas e não se endividaram fortemente. Alguns países não adotaram essas medidas. Eu acredito que esse processo só pode ser controlado parcialmente. Seguramente o modelo liberal baseia-se na iniciativa própria, na responsabilidade individual. Isso faz com que os processos se desenvolvam de forma dinâmica e que as crises apareçam. Elas sempre existirão. Porém não vejo que a situação atual nos levará a acreditar que a economia planificada é a solução.
O economista liberal africano James Shikwati disse em uma entrevista que o que a África necessita é de mercados abertos e não doações. O senhor, como um liberal convicto, o que pensa dessa idéia?
Não sou o dono da verdade, mas acho que a minha iniciativa não está caindo nesse conceito. Por isso falamos de investimentos e não de dar presentes. Só damos dinheiro quando temos a impressão de estar além da simples doação e realmente colaborando para uma melhoria. Queremos fazer parcerias. Só podemos trazer know-how e energia quando podemos juntos elaborar objetivos e controlar o desenvolvimento. É uma ilusão acreditar que apenas a abertura dos mercados, e sem capital, possibilita o desenvolvimento. É preciso concretamente ir a um país desses e visitar uma aldeia para ver que não há dinheiro. Nada vem do nada. Quando pego o exemplo de Madagascar, na aldeia que estive não existe dinheiro para construir moinhos de vento. O investimento tem de vir de algum lugar.
Em países como Venezuela ou Bolívia os governo parecem não acreditar mais na mensagem do liberalismo e estão até estatizando empresas. Você não está indo contra a corrente?
A globalização é um processo complexo e deve lutar por reconhecimento político, sobretudo pelo fato de haver crises. Isso é uma das razões que me levaram a essa iniciativa (de criar uma fundação). Eu confesso que sou um liberal incorrigível – acredito que o sistema da iniciativa privada e responsabilidade individual são superiores ao Estado de economia planejada, não só do ponto de vista econômico, mas também ético. Eu acredito nisso, mas vejo também que é necessário haver sinais de que a iniciativa privada é capaz de lidar de forma responsável com recursos e a liberdade. Isso é o que eu tento fazer com a minha humilde iniciativa de criar a Elea.
E por que o ex-CEO do maior banco suíço prefere se preocupar com a pobreza no mundo e não ocupar seu tempo com atividades mais “leves”?
Para mim outro princípio ético importante é o do engajamento. Existem vários argumentos para não fazer nada. Na época que estudava esse tema já era bem controverso. Falava-se de muitos casos de projetos de desenvolvimento que terminaram em fracasso. Por isso existem muitas pessoas que utilizam essa realidade como desculpa para não ser ativo. Mas essa não é a resposta correta. Minha opinião é que devemos tentar sempre, com humildade e sabedoria. A economia é capaz de alcançar muitas coisas, mas também destruí-las. Por isso é que passo uma grande parte das minhas horas de trabalho nessa fundação e não fazendo uma viagem ao redor do mundo ou jogando golfe.
Com tanta experiência na área de finanças, não seria melhor ensinar os africanos a criar ou dirigir um banco?
Você está falando de um aspecto muito importante. Vejo uma grande chance de desenvolvimento das estruturas financeiras nesses países, mesmo em pequena escala. Nessa aldeia de Madagascar as mulheres envolvidas no projeto, e que agora têm dinheiro, perguntam: o que fazer com ele? Levá-lo para o banco que está distante três horas de carro? Ou fazer algo local, no sentido de microfinança. A outra temática e em grande escala: como é possível direcionar fluxos de capital comercial nesse setor? Agora já existem exemplos de fundos de private equity que investem em iniciativas empresariais sociais, porém essas são iniciativas isoladas e que estão ainda bem no começo. Esse é um setor que nos interessa de fato e onde queremos nos posicionar. O objetivo é procurar caminhos de fazer com que fortunas institucionais e, por que não, até mesmo privadas, sejam investidas nele.
Genebra está comemorando o 500° aniversário de João Calvino. Com a crise financeira e os vários escândalos, será que a Suíça não deixou de ser um exemplo de puritanismo como era no passado?
Eu não acredito que as pessoas no passado eram mais éticas do que hoje. Mesmo no passado tivemos exemplos espetaculares de líderes e empreendedores e que eram pessoas demedidas. Hoje elas existem também. Seria uma deturpação procurar a cura no passado, pois este passou e essas pessoas não eram tão sagradas como parecem.
O que irá acontecer com a sua fundação se o senhor for convidado para outro posto importante na economia?
Tenho um mandato no conselho de administração de uma empresa, mas a Elea é um questão de coração. É lá que invisto boa parte do meu tempo. Além disso, estou sou ativo na Ópera de Zurique, na Escola de Administração de Lausanne e ainda na política. Esse é um portfólio de várias atividades que me satisfazem plenamente.
Mas se houver um convite para dirigir uma grande empresa cotada na bolsa, o tempo não ficaria curto para atividades sociais?
No momento essa não é minha preocupação.
O grau de conhecimento que o senhor tem na Suíça abre ou fecha as portas? Em um país tão pequeno não deve ser fácil estar na sua pele, não?
Eu acho que ele abre em 90% dos casos, mas em 10% as pessoas têm de fato medo de manter contato com uma pessoa que fez o que eu fiz.
Clique AQUI para ler a segunda parte da entrevista com Peter Wuffli.
swissinfo, Alexander Thoele
Peter Wuffli nasceu em 26 de outubro de 1957.
Seu pai, Heinz Wuffli, foi de 1967 a 1977 diretor-geral do “Schweizerischen Kreditanstalt”, o banco que resultaria em 1997 no Credit Suisse.
Ele estudou de 1976 a 1980 economia e ciências sociais na Universidade de St. Gallen. Em 1984 concluiu o doutorado em administração de empresas. Paralelamente ao estudo Wuffli também trabalhou como jornalista freelancer para o NZZ de Zurique, a partir de 1978.
Em 1984 entrou para a consultoria de empresas McKinsey, em 1990 se tornou “partner”.
Em 1994 assumiu a diretoria financeira do banco Schweizerischen Bankverein. Cinco anos depois, com a fusão com o banco “Schweizerischen Bankgesellschaft” para formar o atual UBS, Wuffli se tornou chefe do setor de asset management.
Em 18 de dezembro de 2001, Wuffli foi nomeado presidente executivo (CEO) do UBS. Ele demitiu-se do cargo em 6 de julho de 2007.
Hoje é presidente do conselho da Fundação Elea, criada por ele e pela esposa em dezembro de 2006.
Wuffli é casado e tem três filhos. Ele é presidente da Associação dos Amigos do Partido Liberal e membro do conselho de administração da Ópera de Zurique.
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