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ONU tenta acordo para frear poluição plástica até 2040

Traços de poluição em um lago
Voluntários coletam resíduos plásticos durante uma operação de limpeza nas margens do Lago de Genebra. Keystone / Jean-Christophe Bott

Negociações decisivas para um tratado internacional contra a poluição plástica começam em agosto, em Genebra, com 170 países. O objetivo é frear a produção e proteger a saúde humana e ambiental, mas divergências geopolíticas podem comprometer o acordo.

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A partir da próxima semana, o Palácio das Nações será palco de intensas negociações que podem levar a um acordo histórico para acabar com a poluição plástica em todo o mundo. De 5 a 14 de agosto, 170 delegações de todo o mundo se reunirão às margens do lago de Genebra para finalizar este texto inédito e juridicamente vinculativo. Mas várias questões delicadas precisarão ser resolvidas antes da assinatura do tratado.

Todos os anos, mais de 400 milhões de toneladasLink externo de plástico são produzidas, metade das quais para uso único. Menos de 10% desse lixo é reciclado. O restante se acumula em aterros sanitários, solos e mares, ou se decompõe em microplásticos que contaminam ecossistemas e contaminam até mesmo o sangue humano. A produção global de plástico dobrou em vinte anos e pode triplicar até 2060, segundo a OCDELink externo, alimentando um tsunami de poluição cujas consequências para a saúde e o meio ambiente ainda são amplamente desconhecidas.

Negociações de última chance

Diante desse flagelo, a Assembleia das Nações Unidas votando sobre o meio ambiente adotou uma resolução histórica em 2022 para desenvolver um tratado internacional juridicamente vinculativo contra a poluição por plástico. Este texto visa abranger todo o ciclo de vida do plástico, principalmente por meio da redução de sua produção e da melhoria da gestão de resíduos.

Mas o caminho para um acordo continua repleto de obstáculos. Em dezembro de 2024, durante o que deveriam ser as negociações finais em Busan, Coreia do Sul, um bloco de países produtores de petróleo que incluíam Arábia Saudita, Rússia e Irã, se opôs a qualquer limite de produção, resultando em um fracasso retumbante. A Rodada de Genebra, em agosto, deverá ser a última chance para se chegar a um acordo.

Tensões persistem

“A redução da produção é a questão mais importante, mas também a mais difícil de negociar”, explica Giulia Carlini, do Centro Internacional de Direito Ambiental (CIEL), que participa das negociações como observadora. Essa questão delicada coloca dois lados em um impasse que ecoa as negociações climáticas.

De um lado, uma coalizão ambiciosa liderada pela Noruega e Ruanda, à qual a Suíça pertence, defende uma meta vinculativa de redução da produção até 2040, em conformidade com o mandato da ONU, que abrange todo o ciclo de vida do plástico, da fabricação ao descarte.

Diante disso, países produtores de petróleo e plástico, como Arábia Saudita, Rússia, Irã e China, querem limitar o tratado à gestão de resíduos, sem restringir a produção. “Sem reduzir a produção, será impossível eliminar a poluição plástica”, alerta Giulia Carlini.

Vídeo: assista abaixo uma reportagem sobre o aproveitamento industrial do plástico (em francês)

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A ideia é estabelecer um teto global para a produção de plástico e, em seguida, reduzi-lo gradualmente, limitando as substâncias tóxicas utilizadas em sua fabricação. “Mais de 16 mil produtos químicos são usados em plásticos, mas os perigos de mais de 60% deles são desconhecidos”, enfatiza a advogada.

Outras questões importantes incluem a melhoria do design dos produtos para facilitar a reciclagem, o financiamento de medidas em países em desenvolvimento e a transição para a tomada de decisões por votação, em vez de consenso. “Sem um mecanismo de votação, poderíamos chegar ao último dia em Genebra com um texto efetivo, mas com um Estado bloqueando todo o processo”, alerta Giulia Carlini.

Arena de lobistas

As negociações estão ocorrendo sob o olhar atento da indústria. Em Busan, aproximadamente 220 lobistasLink externo das indústrias de combustíveis fósseis e química participaram das negociações, formando a maior delegação presente, segundo estimativas do CIEL. “A cada sessão, o número de lobistas das indústrias de combustíveis fósseis e química aumenta”, observa Giulia Carlini. Este é um grande obstáculo para um tratado ambicioso.”

Para evitar um impasse, alguns propõem uma meta geral de redução da produção e do consumo, adiando os detalhes da implementação para os anexos, que são mais facilmente alterados. “O risco é que alguns Estados se recusem a ratificar o tratado se acreditarem que ele vai longe demais”, enfatiza Giulia Carlini.

Suíça, poluente, mas ambiciosa

Segunda maior produtora de resíduos plásticos per capita da Europa, de acordo com um estudo da revista Science Advances, a Suíça está comprometida com um tratado ambicioso. “A delegação suíça defenderá um tratado eficaz com disposições vinculativas em nível internacional, abrangendo todo o ciclo de vida dos plásticos”, disse à swissinfo.com Felix Wertli, Embaixador e Chefe da Divisão de Assuntos Internacionais do Ministério suíço do Meio Ambiente (Bafü, na sigla em alemão)

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Entre suas prioridades estão: a redução sustentável da produção e do consumo de plástico, incluindo a limitação de plásticos descartáveis, a restrição de produtos químicos preocupantes, maior transparência na cadeia de valor e um melhor design de produtos.

Até o momento, diversas iniciativas nesse sentido foram rejeitadas pelo Conselho Federal, alegando “liberdade econômica”. Mas a situação pode mudar: novas regrasLink externo foram consagrada na Lei de Proteção Ambiental em janeiro para fortalecer a economia circularLink externo, inclusive para plásticos. Medidas para melhorar a reciclagem e proibirLink externo certos microplásticos também estão em consulta.

Desafio para a saúde pública

Em Genebra, as discussões sobre o futuro tratado começaram bem antes da abertura oficial das negociações. Há vários meses, especialistas em saúde e direitos humanos trabalham para garantir que o tratado leve em consideração os impactos dos plásticos na saúde e nos direitos humanos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) desempenhará um papel fundamental nessas discussões: “Este tratado é uma importante questão de saúde pública. A saúde humana e a ambiental estão intrinsecamente ligadas”, enfatiza a organização. Certos aditivos e produtos químicos encontrados em plásticos podem afetar o sistema hormonal, afetar a reprodução e aumentar o risco de câncer. Eles também estão associados a doenças crônicas como diabetes, obesidade, doenças cardiovasculares, além de distúrbios respiratórios, digestivos e neurológicos.

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O próprio setor da saúde precisará evoluir, pois gera quase 1,7 milhão de toneladas de resíduos plásticos por ano, principalmente de equipamentos descartáveis. “Muitos hospitais já estão adotando soluções para reduzir seu impacto plástico. Este tratado pode incentivar essas iniciativas”, acredita a OMS.

Incluindo os mais vulneráveis

O reconhecimento dos direitos humanos, em particular o direito a um ambiente saudável, é um limite para vários especialistas. “A poluição por plásticos afeta desproporcionalmente crianças, trabalhadores expostos a esses produtos, bem como comunidades que vivem perto de instalações industriais, incluindo povos indígenas”, enfatiza a OMS.

Durante as negociações em Busan, representantes indígenasLink externo denunciaram que não foram suficientemente incluídos nas decisões que os afetam diretamente. “Este é um ponto a ser monitorado de perto durante as próximas discussões em Genebra”, alerta Giulia Carlini. Ela está confiante de que as negociações resultarão em um tratado? “É melhor dedicar tempo para adotar um tratado ambicioso que repense nossos sistemas de produção e consumo, do que um texto fraco e sem impacto.”

Edição: Virginie Mangin

Adaptação: DvSperling 

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