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OMS considera receber financiamento privado para tentar cobrir déficit de bilhões

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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assina uma ordem executiva sobre a retirada dos EUA da OMS (Organização Mundial da Saúde) no Salão Oval da Casa Branca, em Washington, DC, em 20 de janeiro de 2025. Afp Or Licensors

A Organização Mundial da Saúde precisa conseguir cerca de US$ 1,7 bilhão para completar seu orçamento de 2026. O financiamento privado pode ser uma solução, mas é visto com ressalvas. 

Enfrentando um aperto financeiro sem precedentes, principalmente devido à decisão do presidente americano Donald Trump de sair da organização, a OMS implementou uma série de medidas de corte de custos, incluindo reduções na equipe de nível sênior, diminuição da área de cobertura do órgão global e congelamento de contratações, para aliviar parte da pressão. 

Recentemente, o número de cargos de diretores gerais assistentes foi reduzido de 12 para 6 e o número de diretores de departamentos na sede em Genebra foi reduzido de mais de 70 para 36. 

No entanto, os cortes orçamentários e de pessoal, por si só, não dão conta de preencher o déficit crônico e cada vez maior de financiamento da OMS, o que pode levar a organização a aumentar sua dependência de doadores privados e corporativos. Esses doadores têm seus próprios interesses políticos e comerciais, que podem se desviar do objetivo principal da OMS de ajudar a facilitar “a obtenção do mais alto nível possível de saúde por todos os povos”, conforme consta em sua Link externoprópria constituiçãoLink externo.

De acordo com Judd Walson, presidente e professor do Departamento de Saúde Internacional da Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, localizada no estado americano de Maryland, a pergunta que precisamos fazer no contexto do aumento do financiamento privado é se estamos “caminhando para um mundo em que estamos permitindo que a saúde de todos seja ditada pelas prioridades de alguns”.

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Saída dos EUA da OMS ameaça a segurança sanitária mundial

Este conteúdo foi publicado em Os EUA deixam a OMS, criando um buraco no orçamento da organização e ameaçando a saúde global. A decisão de Trump pode levar ao ressurgimento de doenças e enfraquecer a resposta a pandemias.

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Subfinanciamento crônico

Desde sua fundação em 1948, a OMS tem lutado repetidamente para cumprir suas metas orçamentárias, tornando-a fortemente dependente de seu maior doador, os EUA. Conforme relatado anteriormente pela Swissinfo, para o período de 2024-2025, os EUA concordaram em contribuir com aproximadamente US$ 988 milhões (cerca de CHF 795 milhões), representando 14% do financiamento total da OMS em ambas as contribuições avaliadas, que são pagamentos obrigatórios feitos pelos estados membros da ONU e contribuições voluntárias que podem ser destinadas a projetos específicos. 

Assim, quando em 20 de janeiro o presidente Trump assinou uma Link externoordem executivaLink externo retirando-se da OMS e suspendendo os fundos dos EUA, criou o que Pete Baker, vice-diretor do Programa de Saúde Global do Centro para o Desenvolvimento Global, um think tank internacional, chama de “crise aguda e crônica” para a OMS, que exige mudanças “gerais” que vão além de apenas “cortar o orçamento”.

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Em um e-mail, o porta-voz da OMS, Tarik Jasarevic, disse à Swissinfo que “desde o anúncio dos EUA em janeiro de sua intenção de se retirar, as comunicações limitadas entre a OMS e as contrapartes dos EUA continuaram tanto no nível técnico quanto no de liderança”. Desde janeiro de 2025, “a OMS não recebeu nenhum novo financiamento dos EUA”, acrescentou. A retirada dos EUA não entrará em vigor até janeiro de 2026 e, até lá, o país continuará sendo membro da OMS.

Ainda assim, a retirada dos EUA não é o único fator que contribui para o atual déficit orçamentário da OMS, diz Lawrence Gostin, professor de Direito da Saúde Global na Universidade de Georgetown e diretor do Centro de Colaboração da OMS em Direito da Saúde Global. Gostin disse que os problemas orçamentários da OMS também estão ligados à mudança de prioridades dos demais estados-membros da ONU. 

“Os governos nunca estiveram dispostos a financiar totalmente a OMS. Esse é um triste reflexo das prioridades do mundo”, diz Gostin. “Há também um imperativo político para financiar a defesa, especialmente devido à guerra na Ucrânia.”

A Assembleia Mundial da Saúde, composta por todos os 194 estados-membros da ONU, é o órgão decisório da OMS. Ela se reúne uma vez por ano em Genebra, na Suíça, para determinar as políticas da organização e aprovar o orçamento. Na Assembleia Mundial da Saúde deste ano, realizada em Genebra em maio, os Estados membros concordaram em Link externoaumentar suas contribuiçõesLink externo para 20% no período de 2026 a 2027. Nos anos anteriores, as contribuições avaliadas foram limitadas a 16%. A Assembleia também Link externoaprovou um orçamento reduzidoLink externo de US$ 4,2 bilhões para o mesmo período, uma redução de 21% em relação ao orçamento originalmente proposto de US$ 5,3 bilhões.

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O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, é visto em uma tela apresentando seu relatório aos delegados durante a Assembleia Mundial da Saúde em Genebra, em 19 de maio de 2025. Afp Or Licensors

Em seu discurso de aberturaLink externo na Assembleia, em 19 de maio, o Diretor Geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, estimou um déficit orçamentário previsto para 2026-2027 em US$ 1,7 bilhão. Esse número provavelmente foi ajustado desde que o anúncio foi feito, pois o financiamento continua chegando. 

O precedente da Fundação Gates

Depois dos EUA, a Fundação Gates, uma organização filantrópica privada fundada pelo bilionário magnata da tecnologia Bill Gates e sua ex-companheira, Melinda French Gates, é o segundo maior doador da OMS, representando 13% do financiamento da organização. No entanto, mesmo sendo uma das maiores organizações beneficentes do mundo na área de saúde global, as contribuições da Fundação Gates para a OMS não estão isentas de críticas.

“Há algo de errado no fato de uma pessoa ou fundação muito rica ter muita influência sobre a agência de saúde global do mundo”, diz Gostin, da Universidade de Georgetown. “Bill Gates e outros doadores privados têm seus próprios projetos de estimação que nem sempre se alinham bem com as prioridades da saúde global”, acrescentou.

De acordo com uma fonte da mídiaLink externo, embora o projeto de erradicação da poliomielite, fortemente financiado pela Fundação Gates, tenha tido um impacto positivo, esse foco específico desviou o financiamento das iniciativas de cobertura universal de saúde da OMS. 

Até que os governos nacionais estejam dispostos e sejam capazes de compensar os déficits da OMS, Gostin acredita que é “errado criticar a OMS por receber fundos privados, desde que isso seja transparente e não haja conflitos de interesse”.

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Bill Gates, à esquerda, cofundador da Microsoft e copresidente da Fundação Bill e Melinda Gates, ouve durante a reunião de parceiros globais sobre doenças tropicais negligenciadas (NTDs), na sede da Organização Mundial da Saúde em Genebra, Suíça, 19 de abril de 2017. Keystone / Martial Trezzini

A OMS publicou diretrizesLink externo sobre como a organização deve conduzir parcerias com agentes não estatais, incluindo o setor privado. Essas diretrizes incluem não comprometer a integridade, a independência, a credibilidade e a reputação da OMS, aplicar a abordagem científica e baseada em evidências que sustentam o trabalho da OMS e proteger a OMS de qualquer influência indevida.

Daqui para frente

Em maio, juntamente com a Assembleia Mundial da Saúde em Genebra, a OMS organizou um evento de captaçãoLink externo que arrecadou pelo menos US$ 250 milhões em fundos que apoiarão o orçamento base da OMS de 2025 a 2028. As promessas desta recente rodada de investimentos incluem US$ 57 milhões da Fundação Novo Nordisk, sediada na Dinamarca. Não foram fornecidos detalhes adicionais sobre como a OMS usará o financiamento.

“O envolvimento de agentes privados na saúde e no bem-estar geral da população mundial não é algo inerentemente ruim e, na verdade, pode trazer benefícios positivos significativos”, diz Walson, da Universidade Johns Hopkins. Anteriormente, Walson trabalhou para a OMS como oficial médico e continuou a trabalhar com a organização por meio de um grupo de consultoria técnica e projetos de pesquisa. 

Em um vídeo de cerca de três minutos,Link externo disponível em seu site, a Fundação Novo Nordisk é descrita como uma “fundação dinamarquesa com interesses corporativos que apoiam causas científicas, sociais e humanitárias”. Por meio de sua empresa holding – chamada Novo Holdings – a Fundação é proprietária da Novo Nordisk, a maior empresa farmacêutica da Dinamarca, que, entre outras iniciativas, fabrica e vende medicamentos para o tratamento de diabetes, como o Ozempic e o Wegovy, que também são usados para obesidade e perda de peso. A Fundação Novo Nordisk usa os lucros obtidos pela Novo Nordisk para “conceder subsídios para fins científicos, sociais e humanitários”. De acordo com notícias publicadasLink externo em 2024, as vendas do Ozempic e do Wegovy renderam à Novo Nordisk a impressionante quantia de US$ 42 bilhões, tornando a gigante farmacêutica uma das empresas mais valiosas da Europa. 

“Há esse tipo de potencial comercial direto que pode se alinhar com os interesses de saúde da Organização Mundial da Saúde”, diz Walson. “Tradicionalmente, a OMS tem sido muito cuidadosa, e acho que com razão, evitando ser influenciada ou percebida como influenciada por interesses privados, mas a questão é: essa postura pode ser mantida no atual cenário de subfinanciamento?”

Edição: Virginie Mangin/fh
Adaptação: Clarissa Levy
 
 
 
 
 
 

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