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Como se sentir bem trabalhando com suíços?

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As aparências enganam: o novo emprego na Suíça pode ser mais difícil do que aparenta, especialmente para os estrangeiros. © Keystone / Ennio Leanza

É preciso ser formal no trabalho? E cumprir compromissos? Quantas pessoas decidem? Essas são algumas perguntas feitas por estrangeiros recém-chegados no primeiro dia de trabalho na Suíça, onde os sinais tão diferentes como as culturas. Dois especialistas culturais explicam como funciona a integração.

Margaret Oertig-Davidson nunca mais se esquece do primeiro “lapso”. “Eu cheguei na festa com atraso, pensando que seria a coisa mais normal do mundo. O anfitrião não escondeu o desapontamento”, conta.

Nascida na Escócia e hoje vivendo na Basileia, ela ajuda há duas décadas outros expatriados – que prefere chamar, “recém-chegados” – a entender as regras da vida cotidiana na Suíça e evitar que passem situações desagradáveis…ou até mesmo conflitos.

No início do ano lançou a segunda edição do livro “O Novo Além do Chocolate: entendendo a cultura suíça”, cuja primeira edição foi publicada há vinte anos.

Um dos primeiros conflitos culturais vividos por Valeria Harlay foi quando cumprimentou uma nova amizade com um beijo na bochecha, algo muito comum no seu país de origem, a Argentina. “A pessoa deu um passo para trás e me cumprimentou com um aperto de mão.”

Harlay, que antes havia trabalhado como especialista em comunicação em várias empresas antes de se tornar consultora na parte francófona da Suíça e escrever o livro “Vivendo no (cantão) de Vaud”, afirma que as diferenças entre suíços e outras culturas podem parecer sutis, mas o fato é que, defende, a “Suíça tem um monte de particularidades.”

Em casa na Suíça

Uma pesquisa de opinião recém-realizada com estrangeiros radicados na Suíça mostrou que apenas um terço dos expatriados se consideraram familiarizados com a cultura suíça. O país ficou na 65ª posição de 68 no ranking dos países considerados “fáceis para se adaptar” – uma queda de quatro posições em relação ao ano passado. O tema “fazer amigos na Suíça” é mais do que recorrente, porém a questão da adaptação no trabalho também pode ser uma fonte de tensão ou de situações desconfortáveis. Se mal compreendidas, elas podem deixar as pessoas isoladas e improdutivas.

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Margaret Oertig-Davidson: “…integração não é recusar a própria cultura, mas sim mostrar respeito aos valores vigentes no país de acolho…” Margaret Oertig

Formalidade ou não?

Para muitos recém-chegados na parte germanófona, as primeiras barreiras são vividas logo no início. Posso cumprimentar meus novos colegas com um beijo no rosto ou apenas apertar a mão? Eu uso o nome de batismo ou o sobrenome? São muitas as possibilidades de cometer uma gafe com o chefe, colegas ou até os clientes da empresa. 

Harlay aprendeu depois do primeiro erro: a distância física da zona de conforto de um suíço ao cumprimentá-lo (pela primeira vez) é de 80 centímetros. Isso vale especialmente para o ambiente de trabalho, onde o aperto de mão é a norma nos primeiros encontros.

Porém essas regras não são aplicadas fora do ambiente de trabalho, especialmente se são colegas da mesma idade ou mais próximos. Harlay ressalta que os três beijos na face, especialmente entre mulheres, é a forma mais comum de cumprimento na parte francófona do que o tradicional aperto de mãos. Porem tudo depende das preferências pessoais.

Para Oertig, uma das maiores diferenças entre a Suíça e a Escócia nativa, é o uso dos sobrenomes. “Acho importante me dirigir às pessoas pelo nome de batismo. É uma forma de quebrar barreiras”, analisa. Mas ao começar a lidar com clientes suíços, aprendeu que era importante ser mais formal, ou seja, dirigindo-lhes a palavra através do sobrenome ou o pronome de tratamento correto. No alemão seria o “Sie” (O Senhor ou Senhora, em alemão) ao invés do “Du” (você), ou “Vous” (O Senhor) ao invés de “Tu” (você).

Oertig se lembra de uma reunião com dois holandeses e um suíço. Eles eram diretores de recursos humanos. A língua era o inglês e os holandeses se dirigiam aos outros pelo nome de batismo. Ela também. No final do encontro, o chefe suíço apertou as mãos dos presentes e disse com firmeza: “Auf Wiedersehen Frau Oertig” (Adeus, Senhora Oertig). Objetivo: marcar a distância entre os interlocutores.

Ela considera que as pessoas mudam para os nomes de batismo e títulos informais rapidamente nos dias de hoje, especialmente na faixa etária abaixo dos 35 anos. Porém e-mails e cartas continuam aplicando algumas regras mais conservadoras.

“É muito comum usá-las (saudações formais) por e-mail até que você tenha o primeiro encontro pessoal”, avalia Oertig. Um leitor conta:

“Estava escrevendo para um órgão público e utilizei a forma ‘Sehr Geehrte Simone’ (Cara Sra. Simone), o nome de batismo da pessoa, pois já havíamos trocados muitos e-mails. “Mesmo se enviava uma mensagem formal, pensei que poderia utilizar o primeiro nome dela com uma saudação formal. Meu chefe disse que isso não seria apropriado.”

As formalidades não terminam por aí. Muitos estrangeiros acham complicado a forma suíça de inicializar e finalizar e-mails, mas um leitor afirmou ter aprendido bem cedo que, nos locais de trabalho, você não pode responder um e-mail simplesmente com um “Obrigado!” ou “Até mais.”

O uso de aplicativos de mensagens e outras tecnologias tornam o tratamento mais informal, porém modificam a linguagem ao criar novas formas de saudação, capazes de demonstrar um nível elevado de respeito, mas que não são comuns para os falantes nativos do inglês. “Por exemplo, percebi que as pessoas respondem e-mails com um “obrigado, cara Margaret”, observa Oertig.  Sua impressão é que as regras de etiqueta se tornaram menos claras com a introdução das novas tecnologias.

A dica de Oertig: deixe os suíços tomarem a dianteira para determinar o nível de formalidade no tratamento.

De olho no relógio

Muitas vezes erros de comunicação e conflitos ocorrem ao se tratar de compromissos assumidos.

Oertig argumenta que os suíços tendem a ser realistas ao lidar com prazos. “Eles realmente avaliam se são capazes de atender às expectativas antes de assumir algum compromisso. Já os americanos, por exemplo, veem uma falta de flexibilidade nesse comportamento.

Mas para muitos suíços, se atrasar é um erro fundamental. “Você perde a credibilidade”, afirma Oertig. “Em alguns países é mais comum ter grandes expectativas e então aceitar que os problemas aparecem ou que as coisas tomem outra direção. Ser ambicioso é importante, mas não dessa forma.”

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Valeria Coloiera Harlay nasceu na Argentina. Se lembra que não foi uma boa ideia cumprimentar com beijos: “A pessoa deu um passo para trás e me cumprimentou com um aperto de mão”. Mariecphotography.com

Isso se aplica também a outras situações. Oertig dá um exemplo clássico de duas companhias recentemente fusionadas. Um gerente ofereceu levar os colegas americanos para um passeio nas montanhas logo que chegasse à Suíça. Os americanos responderam com entusiasmo e aceitaram o convite.

Mas ao pousar no país, estavam totalmente despreparados. Não haviam trazidos botas de montanha e nem tinham realmente vontade de percorrer trilhas. “A impressão dos suíços é que eles não estavam cumprindo a palavra. Já para os americanos, a proposta soava como uma boa ideia, mas não um verdadeiro compromisso.”

Oertig supõe que confusão possa ter sido causada por problemas de tradução. Em inglês há diferentes tempos de futuro. Eles são utilizados segundo o grau de probabilidade que algo possa acontecer. “No alemão isso não existe, especialmente no dialeto suíço-alemão. Alguns deles chegam até a ignorar a forma de futuro do alemão culto: “werden” (verbo auxiliar colocado antes do verbo em infinitivo) para dizer que você está fazendo algo.”

Longas reuniões

O número de participantes e o tempo gasto nas discussões também marcam diferenças. Oerting avalia que muitos expatriados se espantam nos primeiros dias ao perceber como colegas da empresa, que não fazem parte da sua equipe, são consultados de forma inesperada e convidados a participar de longas discussões sobre temas que parecem estar fora do seu contexto de trabalho.

Harlay concorda: as decisões são muitas vezes analisadas nos mínimos detalhes e especialistas são consultados para assegurar que a empresa não esteja assumindo riscos ou perdendo alguma possibilidade importante. Ela explica que “existe um desejo de fazer as coisas de forma ‘correta’, o que exige tempo. O processo é uma parte importante do produto.”

Oertig concorda: “Não é comum para o suíço opinar sem estar completamente por dentro do assunto”. É um processo que atrasa a tomada de decisões, algo de difícil compreensão para muitos estrangeiros

Mas os chefes realmente escutam seus subordinados? Oerting observou que a participação coletiva no processo decisório tem seus limites na Suíça. Mas quando uma decisão é tomada, os membros de uma equipe compreendem melhor porque elas foram tomadas, especialmente devido às longas discussões

Na raiz de tudo, explica Harlay: existe um nível elevado de confiança no ambiente de trabalho na Suíça, onde os chefes geralmente confiam na capacidade dos subordinados.

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Montanhas suíças sob chuva

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Suíça se sai mal em pesquisa entre expatriados

Este conteúdo foi publicado em Mas vamos começar com as boas novas. Na pesquisa “InterNations Expat Survey 2018Link externo“, publicada na semana passada, a Suíça mais uma vez se saiu particularmente bem nos quesitos estabilidade política (2ª de 68 países), qualidade do meio ambiente (3ª), oportunidades de viagens e infraestrutura de transporte (4ª), segurança infantil (5ª), tranqüilidade (6º), e segurança pessoal…

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Os suíços são “workaholics”?

Os suíços são geralmente conhecidos por se dedicar ao trabalho, mas também por apreciar as horas livres. Eles gostam de estar com a família, amigos ou se dedicando aos hobbies ou às atividades de um clube. Em média, um suíço trabalha 41 horas por semana. As atuais leis laborais determinam um limite de 45 a 50 horas por semana, dependendo do setor.

Em resposta à questão feita por um leitor japonês sobre as horas-extras, Oertig explica: trata-se de uma questão delicada até para os juízes do trabalho.

Por lei, um funcionário pode ter de fazer horas-extras se o chefe tem uma boa razão para justificá-las e o empregado não tiver nenhuma boa razão para não as cumprir. O funcionário pode ser então compensado financeiramente ou com horas livres.

Do ponto de vista cultural, fazer hora-extra não é um costume suíço. Oertig lembra-se do caso em que uma suíça considerou desagradável o fato de o chefe, de outra nacionalidade, esperar que ela trabalhasse além do horário combinado. “Ela aceitou fazer algumas horas extras, mas não aceitou ficar no escritório depois das dez da noite.”

Harlay analisa essa situação, explicando que os suíços valorizam o tempo fora do trabalho. “A tendência atual é de conciliação do trabalho com a vida privada, o que explica, possivelmente, porque há tantos empregos de ocupação parcial na Suíça.”

No entanto, Harlay explica que a situação difere para homens e mulheres. A Suíça tem uma das maiores taxas de ocupação de mulheres no mercado de trabalho: 80%. Porém 59% das mulheres empregadas trabalham em tempo parcial. Já os homens: 17,6%. 

Conselhos finais

Segundo a especialista cultural, integração não é recusar a própria cultura, mas sim mostrar respeito aos valores vigentes no país de acolho. Mudanças simples de hábito podem ser bem acolhidas, dentre elas, cumprimentar os colegas de trabalho no seu próprio idioma.

Para Harlay, os recém-chegados devem ouvir, observar e tomar consciência dos sentimentos locais. E não julgar as pessoas pelos estereótipos, diz. “É importante lembrar que não há uma poção mágica ou fórmula para ajudar você a se sentir integrado. Depende muito da vontade e das habilidades individuais cada pessoa.

E dá uma última dica para conquistar a simpatia dos suíços: “No seu aniversário, leve croissants para distribuir no trabalho.”

Adaptação: Alexander Thoele

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