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Trabalho às escuras: quais os limites da informalidade

Homem tomando café
Bekim Qerimi sobre a informalidade na Suíça: "Isso não é incomum, mas um risco muito grande", diz. swissinfo.ch

Manicures, cabeleireiros, jardineiros, pedreiros, babás, domésticas e cia. Muitos estrangeiros morando na Suíça trabalham informalmente, prestando "bicos" dentro da própria comunidade. Para os clientes que contratam seus serviços não é fácil identificar em que momento uma simples ajuda passa a ser uma violação da lei configurando trabalho clandestino, ou "às escuras".

A brasileira M.U. de 40 anos é um exemplo de profissional que opera na informalidade. “Eu estou totalmente ilegal, entrei como turista há cinco meses atrás” reconhece a residente do cantão de Friburgo que trabalha como doméstica e cabeleireira.

Nascida e criada na favela da Rocinha no Rio de Janeiro, a carioca não se importa em ter que trabalhar “por debaixo dos panos”. Viver na Suíça é, antes de mais nada, uma realização: “Eu sempre tive esse sonho de vir pra cá”, comemora orgulhosa.

Trazida por uma outra brasileira, cujo marido é suíço, M.U. conta que fez com a patroa um acerto no qual ela trabalha como doméstica e cabeleireira em retribuição pela passagem aérea e a hospedagem. 

A relação poderia ser configurada até mesmo como tráfico de seres humanos, mas na percepção de M.U. é um acordo de mútuo consentimento. “Não me falta nada aqui. Eu sinto que eu sou praticamente da família e estou realmente em casa”. Ela mantém o próprio passaporte em mãos e alega não sofrer maus tratos.

Quando não está lavando, passando ou cozinhando, M.U. atende amigas da patroa e clientes que conhece via internet. Ela aplica extensões capilares e faz alisamentos. Apesar da jornada dupla, a carioca não se sente explorada e aproveita o dinheiro para ajudar à filha e os dois netos que deixou no Rio.

M.U. estima faturar cerca de 400 francos suíços (US$ 400) ao mês, um salário bem abaixo do piso pago às empregadas domésticas e cabeleireiras formadas na Suíça. Uma diarista com encargos sociais ganha entre 35 e 55 Francos por hora, enquanto cabeleireiros faturam na média CHF 4375 ao mês. 

Ainda assim ela se diz satisfeita e tem a esperança de sair da ilegalidade com a ajuda da patroa. “Ela está montando um salão e eu vou trabalhar com ela”, conta.

No escuro

Há diferentes maneiras de se trabalhar na informalidade, ou “no escuro”, e cada uma representa uma violação diferente, explica a advogada Fernanda Pontes Clavadetscher, que atende a comunidade lusófona na Suíça, ajudando imigrantes a se regularizar.

“Bem, um trabalhador estrangeiro precisa estar dentro da legalidade nesses três aspectos: primeiro, precisa ter permissão de permanência adequada, segundo, precisa estar com os encargos sociais e o pagamento de tributos em dia, terceiro, precisa ser remunerado pelos seus serviços” esclarece.

Outro exemplo de trabalho ilegal, mas bastante comum na comunidade brasileira, é a contratação de babás ou domésticas por até 90 dias. Muitas famílias que têm vínculo com o Brasil trazem “uma moça” para servir de Au-pair por pouco tempo. Essa relação, entretanto, configura trabalho clandestino. “Os brasileiros não podem trabalhar quando não possuem a permissão de estadia ou de residência”, destaca Pontes Clavadetscher.

“E não seria possível se conseguir essa autorização para uma babá, tratando-se de pessoas do mesmo país, pois a regulamentação para o trabalho de Au-pair é bastante rígida”, avalia a advogada.

Fazendo de acordo com a lei

Antes de mais nada, cidadãos estrangeiros que queiram viver e trabalhar na SuíçaLink externo precisam estar registrados junto às autoridades cantonais e ter uma permissão de residência apropriada, que garanta ao portador o direito de exercer atividade econômica. Quem é cidadão dos 27 países da União Europeia ou da EFTA (Associação Europeia de Livre Comércio) pode trabalhar desde que notifique as autoridades. As exceções são os romenos, búlgaros e croatas, sobre os quais de aplicam condições específicas.

Cidadãos de países terceiros – com as quais a Suíça não possui acordo de livre acesso ao mercado de trabalho – precisam obter a permissão de permanência antes de iniciar qualquer atividade econômica. Investir no país empreendendo ou comprando imóveis também é uma maneira dos estrangeiros conseguirem a permissão de permanência.

Além disso, pela lei, cônjuges de suíços, ou de pessoas que já possuem uma autorização de permanência, não precisam de permissão adicional para exercer o trabalho autônomo na confederação.

Por exemplo, uma estrangeira casada com um suíço que queira empreender como manicure ou esteticista atendendo a domicílio está perfeitamente dentro da lei. O trabalho dela só seria considerado “no escuro” se ela não se declarasse autônoma e não honrasse as contribuições sociais ou os impostos devidos.

Ralf Voger, advogado da Studhalter & Pfister Rechtsanwälte, do cantão de Lucerna, aponta que a contribuição para o primeiro pilar da seguridade social (AHVLink externo) é obrigatória para todos os profissionais que trabalham na Suíça: autônomo ou empregado, estrangeiro ou local. A contribuição obrigatória para os trabalhadores assalariados começa no dia 1 de janeiro após a idade de 17 anos e termina com o término do emprego.

Nos casos em que o salário associado a um contrato de trabalho individual não excede CHF 2300 por ano, a contribuição não é obrigatória; ao invés disso, só será pago se for a pedido do empregado. Uma exceção a essa regra é o emprego de indivíduos em domicílios particulares, como babás, caso em que a contribuição é obrigatória independentemente do valor do salário anual.

“Indivíduos autônomos podem escolher se eles coletam a contribuição secundária, o segundo pilar, ou não. Nestes casos não há obrigação e podem, por exemplo, contribuir com esses valores para uma previdência privada em seu país de origem “, explica.

Culpa da clandestinidade

Mas qual a culpa de quem contrata um profissional que não cumpre com as suas obrigações de autônomo? “Um cliente de um autônomo normalmente não tem como saber se a pessoa está cumprindo ou não com o pagamento de encargos e impostos”, explicou Pontes. Não é responsabilidade dela cobrar comprovação de AHV ou tributos”, reforça a advogada Pontes Clavadetscher.

Quando há a contratação de um serviço regular, como uma diarista que atende à mesma família semanalmente, por exemplo, é recomendado fazer um contrato por escrito no qual conste que o tomador do serviço se compromete com o pagamento dos encargos.

No caso de prestações de serviços esporádicas, como quando uma manicure atende a cada dois meses a mesma cliente, recai sobre a profissional autônoma a responsabilidade de manter as contribuições em dia.

“É a subordinação e a frequência da relação que estabelece vínculo de trabalho, mas a lei não especifica essa frequência sendo avaliado caso a caso as situações de litígio”, diz Pontes Clavadetscher.

Empreendendo sob a luz da legalidade

O pedreiro kosovar Bekim Qerimi conta que já viu muitos obreiros imigrantes trabalhando ilegalmente na Suíça. “Isso não é incomum, mas um risco muito grande. Todos sabem que não vale a pena. É uma complicação se a polícia descobre”, diz.

Qerimi, conseguiu entrar legalmente no mercado de trabalho local porque foi casado com uma cidadã suíça de ascendência albanesa-kosovar. Durante o primeiro ano após a mudança à confederação, ele acumulou muitas horas extras e economizou cada centavo até somar CHF 20 mil Francos para estabelecer o registro da sua própria companhia limitada (GmbH).

Atualmente ele opera por meio do registro de pessoa jurídica e tem a flexibilidade para contratar temporariamente funcionários, quando necessário. Obter o registro de companhia limitada é uma solução que Qerimi recomenda a outros profissionais. Ele conquistou um visto de permanência “C”, mesmo após o divórcio precoce da esposa suíça. “Acho que a minha permissão foi concedida porque me tornei um empresário”, avalia.  

O empreendedor diz honrar todos os encargos e não trabalhar por valores inferiores ao piso da categoria. Na média, um pedreiro ganha CHF 5790 ao mês. Ele se queixa, entretanto, dos tributos. “Eu acho que pagamos muitos impostos. Isso me deixa frustrado”. Ainda assim faz planos: “Vou me aposentar no sistema daqui e depois retornar ao meu país”.

Há diferentes tipos de permissão de permanência para estrangeiros. Saiba mais visitando o siteLink externo da Secretaria Nacional de Imigração

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