Manifestação antinuclear em Zurique em 2011
Keystone / Steffen Schmidt
Construir um depósito seguro e definitivo para resíduos altamente radioativos. Esse é o desafio que os países produtores de energia atômica vêm enfrentando há décadas. O Japão, que hoje relembra as vítimas do acidente de Fukushima, também está interessado pela abordagem desenvolvida na Suíça.
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Eu cubro mudanças climáticas e energia através de reportagens, artigos, entrevistas e relatórios aprofundados. Estou interessado nos impactos do aquecimento global na vida cotidiana e soluções para um planeta livre de emissões.
Apaixonado por viagens e descobertas, estudei biologia e outras ciências naturais. Sou jornalista da SWI swissinfo.ch há mais de 20 anos.
Sou chefe das redações estrangeiras da SWI swissinfo.ch, garantindo que nosso conteúdo seja envolvente para um público global. Supervisiono seis redações: em língua árabe, chinês, japonês, russo, espanhol e português. Também sou colaboradora na redação Genebra "internacional".
Nasci em Yokohama (Japão), vivo na Suíça desde 1999 e tenho mestrado em relações internacionais. Trabalho para a SWI swissinfo.ch desde 2016, depois de atuar 15 anos como correspondente do jornal Asahi Shimbun no escritório da ONU em Genebra, onde cobria assuntos multilaterais e suíços.
Oito anos se passaram desde a terrível sexta-feira de março, quando um terremoto e um tsunami atingiram a costa leste do Japão. A onda também atingiu a usina nuclear de Fukushima, comprometendo seus sistemas de resfriamento. Isso resultou na fusão do núcleo de três reatores e no mais grave acidente nuclear, junto com Chernobyl.
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A vida continua após a catástrofe de Fukushima
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O acidente de Fukushima foi um desastre nuclear ocorrido na Central Nuclear de Fukushima após o derretimento de três dos seis reatores nucleares da usina. A falha ocorreu quando a usina foi atingida por um tsunami provocado por um terremoto de magnitude 9,0. Ele provocou a morte de vinte mil pessoas e destruição de 600…
A catástrofe de 11 de março de 2011, chamou a atenção, mais uma vez, para os riscos associados à energia atômica. Mas enquanto as consequências de Fukushima sobre as pessoas e o meio ambiente ainda estão sendo avaliadas, outro problema muito mais antigo permanece sem solução. Onde armazenar as milhares de toneladas de resíduos radioativos produzidos a cada ano em todo o mundo?
Debaixo da terra, diz Pascale Jana Künzi, presidente do Fórum sobre Confiança das Partes Interessadas (FSC) da Agência de Energia Nuclear da OCDE e especialista em eliminação de resíduos radioativos do Departamento Federal de Energia (OFEN, na sigla em francês).
“Atualmente, os resíduos são armazenados na superfície. Esta não é uma solução sustentável, porque não sabemos nada sobre os próximos séculos. No último século, houve duas guerras mundiais. Estaremos mais seguros se os resíduos forem armazenados em camadas geológicas profundas”, diz a especialista para swissinfo.ch.
Três lugares em estudo
Na Suíça, a gestão de resíduos radioativos é de responsabilidade do produtor. No caso, as operadoras das usinas nucleares que têm um local de armazenamento intermediário em Würelingen, no cantão da Argóvia. Mas também a Confederação, que é responsável pelos resíduos médicos, industriais e de pesquisa. Segundo a lei, “a Suíça deve, em princípio, assumir a responsabilidade pela eliminação de seus resíduos radioativos”, diz o OFEN.
Lançada em 2008 com a criação do plano setorial para depósitos geológicos profundos, a seleção de locais para a construção de depósitos definitivos na Suíça entrou recentemente em sua terceira e última fase. Atualmente, existem três locais potenciais, todos localizados no norte do país. O subsolo dos cantões de Zurique, Argóvia e Turgóvia apresenta condições geológicas consideradas ideais para o armazenamento seguro e sustentável, com camadas impermeáveis de argila opalina a uma profundidade de 600 metros.
swissinfo.ch
Durante a próxima década, o conhecimento geológico vai ser aprofundado e as vantagens e desvantagens de cada local avaliadas, de acordo com Pascale Jana Künzi: “O objetivo é criar um depósito para os resíduos médio e altamente radioativos. O depósito de Olkiluoto, na Finlândia, é atualmente o único no mundo para armazenar resíduos altamente radioativos.
O local final proposto pela NagraLink externo (Cooperativa Nacional para a Eliminação de Resíduos Radioativos) deverá ser aprovado pelo governo suíço e o parlamento. Mas talvez a última palavra caberá aos suíços, porque a decisão do Parlamento – que vai envolver uma mudança na lei sobre a energia nuclear – está sujeita a um referendo facultativo.
É precisamente a participação da população no processo de seleção que interessa os países como o Japão, que ao contrário da Suíça, ainda está no início do procedimento.
Uma confiança corroída
No final de novembro de 2018, a especialista participou de um workshop em Tóquio reunindo especialistas de oito países, incluindo os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a França. “O Japão quer saber mais sobre a experiência de outros países em termos de participação popular. O armazenamento em profundidade é uma questão difícil em todos os países. É por isso que o intercâmbio é importante”, explica Pascale Jana Künzi.
Ao contrário da Suíça, que baseia sua escolha apenas em considerações geológicas, o Japão optou por um procedimento no qual as municipalidades são convidadas a se anunciar para uma análise mais aprofundada, com base em um mapa que indica as zonas mais apropriadas. Problema: a confiança dos cidadãos no governo e nas instituições públicas foi severamente abalada depois da catástrofe de Fukushima.
No Japão, um centro móvel NUMO para informar os jovens sobre os problemas da eliminação de resíduos nucleares
www.numo.or.jp
Erros de Wellenberg
Pascale Jana Künzi queria apresentar a seus colegas japoneses alguns erros a serem evitados. Durante dez anos, a Suíça Central ficou presa em uma disputa entre a Confederação, o cantão de Nidwalden e a população, que se opõe repetidamente à eliminação de lixo radioativo no local de Wellenberg.
“O caso de Wellenberg mostrou que, se um cantão tiver o direito de veto, não vamos a lugar nenhum. Ninguém quer ter um depósito em sua região. É por isso que o veto aos depósitos geológicos profundos só existe em nível nacional”, explica a especialista do departamento de energia.
Uma lição igualmente importante de Wellenberg é que, em termos de comunicação, competência e procedimentos, “é necessária a máxima transparência”, continua Pascale Jana Künzi. “É necessário definir claramente os passos e os responsáveis pelo procedimento. Também é importante engajar toda a região, e não apenas as comunidades diretamente envolvidas”.
A Suíça e o Japão têm culturas diferentes, “mas acho que elas têm muito em comum”, disse Yuta Hikichi, da Agência de Recursos Naturais e Energia do Japão. “Queremos criar um fórum de diálogo e recolher opiniões em diferentes regiões, inspiradas no procedimento suíço. Organizamos sessões de estudo nas áreas relacionadas com a eliminação de resíduos nucleares, onde convidamos especialistas, organizamos visitas a instalações nucleares e cursos em escolas e universidades”, conta.
Dar voz aos cidadãos
Embora a população local na Suíça não possa se opor à construção de um depósito, é importante que ela tenha a oportunidade de se integrar ao projeto, de acordo com Pascale Jana Künzi. Esta é a ideia por trás das conferências regionais nos locais selecionados pela Nagra.
Durante essas reuniões, delegados municipais, representantes de organizações e cidadãos comuns podem fazer perguntas e fazer solicitações. Quer seja a localização exata da instalação de armazenamento acima do solo, o desenvolvimento econômico da região ou questões de segurança, diz Hanspeter Lienhart, presidente da Conferência Regional Lägern Nord, que reúne 125 pessoas.
“A energia nuclear tem seus defensores e adversários. Nem todos são a favor de um depósito na região, mas isso não é o assunto das discussões. As pessoas diretamente envolvidas estão cientes de que uma solução segura deve ser encontrada para os resíduos que produzimos. É importante para elas discutir as consequências de um depósito e acompanhar o andamento do trabalho”, explica Hanspeter Lienhart.
Essas discussões levarão tempo. Segundo o governo federal, o armazenamento dos resíduos mais perigosos não estará operacional antes de 2060.
A história da energia atômica na Suíça começou em 1962 com a construção de um reator experimental em uma caverna de Lucens, no cantão de Vaud.
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Em 1969, um problema com o sistema de refrigeração provoca a fusão parcial do reator de Lucens. Posteriormente a central foi desligada. O acidente de Lucens foi considerado um dos dez mais graves do mundo no campo da energia nuclear civil.
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Em 1969 foi ativado o primeiro reator da central nuclear de Beznau, no cantão da Argóvia. O segundo reator entrou em funcionamento em 1971.
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A central nuclear de Mühleberg, no cantão de Berna, entrou em operação em 1972. Depois foi a de Gösgen, no cantão da Argóvia (1979) e Leibstadt, cantão de Solothurn (1984), a central atômica mais potente da Suíça.
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A Sociedade Cooperativa Nacional para o Armazenamento de Resíduos Radioativos, mais conhecido por “Nagra”, foi fundada em 1972. Seu objetivo: encontrar um lugar seguro para depositar os resíduos permanentemente.
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Os dejetos radioativos da usinas nucleares suíças são armazenados no centro provisório de ZWILAG Würenlingen, no cantão da Argóvia, enquanto ainda não foi encontrado um depósito permanente.
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Os primeiros movimentos contrário à energia nuclear surgiram nos anos 1970. Em 1975, centenas de manifestantes ocuparam o canteiro de obras da central de Kaiseraugst (Argóvia).
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Os protestos contra a central de Kaiseraugst aumentam: a necessidade e segurança da energia nuclear são cada vez mais questionadas. Na sequência do acidente nuclear de Chernobyl, em 1986, o governo suíço decidiu abandonar definitivamente o projeto.
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Milhares de opositores da energia nuclear protestam em 1977 na frente do canteiro de obras da central de Gösgen, que será ativada, no entanto, dois anos depois.
RDB
No laboratório subterrâneo de Mont Terri, no cantão do Jura, a Sociedade Nagra estuda as propriedades da argila opalina. O objetivo é avaliar se esse tipo de rocha permite o armazenamento seguro e de longo prazo dos resíduos nucleares em depósitos geológicos profundos.
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Os eleitores suíços participaram em diversas ocasiões de plebiscitos relacionados à energia nuclear. Em 1990, por exemplo, a maioria concordou com a proibição de construir novas usinas de energia por um período de dez anos. Em 2003, os eleitores rejeitaram tanto a proposta de renunciar à energia atômica como estender a moratória de 1990.
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A região de Wellenberg, no cantão de Nidwalden, estava entre os locais selecionados pela Sociedade Nagra para a construção de um depósito definitivo para o lixo nuclear. O projeto não foi aprovado pelos eleitores do cantão e foi mais tarde abandonado.
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Em 2011, após o acidente de Fukushima, a ministra suíça da Energia, Doris Leuthard, anunciou a decisão do governo suíço de abandonar progressivamente a energia nuclear.
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Em 2012, o Partido Verde da Suíça entrega a iniciativa (projeto de mudança constitucional que é levado à plebiscito federal). Ele pede para desligar as usinas nucleares do país após 45 anos de atividade.
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Em 2016, o Parlamento federal aprova a Estratégia para a Energia 2050, o plano governamental que prevê o abandono da energia nuclear em etapas, sem fixar prazos.
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A central nuclear de Mühleberg será a primeiro na Suíça a ser desativada. Seu desmantelamento começará em 2019.
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107 Boeings 747 de resíduos radioativos
As cinco usinas nucleares suíças produzem cerca de 70 toneladas de resíduos irradiados por ano. Com uma vida útil de 47 anos (para a usina de Mühleberg, que será fechada no final de 2019) e de 60 anos (para as outras quatro instalações), a quantidade total de resíduos altamente radioativos é de 4100 toneladas (9400 metros cúbicos).
Além disso, serão gerados 63 mil m³ de resíduos radioativos de baixo e médio nível (provenientes, por exemplo, do desmantelamento de usinas elétricas) e 20.000 m³ de resíduos médicos, industriais e de pesquisa. Para transportar todo esse lixo, seria necessário 107 Boeings 747.
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