
Suíça teme perda de exclusividade do Gruyère nos EUA

Frente ao risco de tarifas adicionais impostas pelos Estados Unidos e à decisão que torna “Gruyère” um nome genérico no país, produtores suíços de queijo com denominação de origem protegida (DOP) intensificam os esforços para diversificar as exportações.
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Os Estados Unidos são o principal mercado de exportação do queijo suíço tipo Gruyère, com denominação de origem protegida (DOP). No entanto, o aumento das tarifas sobre todas as importações está levando os produtores a buscar estratégias de diversificação. Dois mercados importantes (China e Rússia) continuam difíceis de acessar.
Nosso jornalista visitou a queijaria Casa do GruyèreLink externo para conversar com Philippe Bardet. O diretor deixa o cargo que ocupa desde 1997 e fala sobre os riscos e desafios que aguardam o setor e a marca.

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Selo de indicação geográfica garante preço alto para queijos
swissinfo.ch: O presidente dos EUA, Donald Trump, ameaçou impor tarifas adicionais a todas as importações. O que isso significaria para o Gruyère?
Philippe Bardet: Nossa estratégia é diversificar os mercados de exportação. Mas os Estados Unidos são um país tão vasto que, nos últimos 20 anos, passamos de duas mil para mais de quatro mil toneladas por ano, apesar da valorização do franco suíço e da aversão dos americanos a produtos de leite cru. Tradicionalmente, as tarifas sobre o Gruyère ficavam em 10%. Agora, podem chegar a 31%. A maior dificuldade é a incerteza. Isso faz com que os importadores dos EUA adotem uma postura de espera para ver o que acontecerá.
Caso os preços aumentem, ainda não sabemos qual será o impacto nas vendas. Por ser um produto premium, consumido regularmente, mas em pequenas quantidades, o prejuízo pode ser limitado, a não ser que muitos americanos percam o emprego, pois os benefícios de desemprego no país são baixos. Vale lembrar que o Gruyère custa, em média, 50 francos (60 dólares) por quilo nos EUA, mais que o dobro do valor praticado na Suíça.

swissinfo.ch: Desde 2023, a marca “Gruyère” é considerada um termo genérico nos EUA, o que permite que qualquer produto use essa denominação. Isso é um problema real, dado o reconhecimento da marca e o sabor único do queijo suíço?
P.B.: É um enorme problema, pois não afeta apenas o Gruyère, mas também outros produtos europeus comparáveis, como parmesão, presunto de Parma e conhaque. Essa decisão judicial nos EUA reduz a exclusividade dos nossos produtos e, no longo prazo, podemos enfrentar o mesmo destino do Emmental suíço. Além disso, sob o pretexto do livre comércio, os EUA tentam convencer a América Latina, o Canadá e, possivelmente, a Austrália a seguir o mesmo caminho.

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O queijo Gruyère entra no vocabulário dos americanos
swissinfo.ch: Quais são as oportunidades de crescimento internacional? E quanto à China e à Rússia?
P.B.: Mais da metade das 30 mil toneladas de Gruyère produzidas anualmente é consumida na Suíça. Cerca de sete mil toneladas vão para a União Europeia e quatro mil para os EUA. Nosso foco é fortalecer mercados onde já atuamos, em vez de conquistar novos. Na Europa, temos apenas 0,2% de participação. O potencial de crescimento é enorme, sobretudo no Norte europeu.
Na China, realizamos diversos testes, mas o Gruyère não se encaixa bem na culinária local. Investimos fortemente na Rússia, com resultados promissores, mas o mercado se tornou mais complexo após a guerra na Ucrânia.
swissinfo.ch: Por que o Gruyère é o mais conhecido e consumido entre os cerca de 700 queijos suíços?
P.B.: Isso se deve ao reconhecimento conquistado ao longo dos séculos e à promoção da qualidade e do artesanato, regidos por especificações rigorosasLink externo. O sabor distinto é valorizado por consumidores e compradores intermediários. Os consumidores também apreciam a conexão entre o queijo e sua região. Além disso, apenas os queijos que atingem a pontuação mínima na avaliação podem ser vendidos como Gruyère DOP.

swissinfo.ch: Houve 31 recursos contra o sistema de avaliação em 2024. Como explicar?
P.B.: Realizamos duas mil avaliações por ano. Apenas queijos com nota mínima de 18 (de 20) podem ser vendidos sem restrições; isso ocorre em 95% dos casos. Entre 16,5 e 18 pontos, o queijo pode ser vendido ralado, por exemplo. Abaixo disso, só como produto genérico. A diferença de preço entre essas categorias pode chegar ao dobro. Isso justifica os recursos, que são analisados por um novo comitê. A classificação também estimula a competição saudável entre os produtores.
swissinfo.ch: Como lidar com as críticas de que o Gruyère usa muito sal?
P.B.: Esse tema gerou debate e não houve consenso nas especificações. Pessoalmente, acho razoável permitir certa liberdade ao varejo, embora termos como “salgado” não reflitam a realidade, além de o teor de sal ser uma questão sensível.
swissinfo.ch: Por que se opõe ao sistema Nutri-Score?
P.B.: O Nutri-Score simplifica demais. O Gruyère sempre será classificado como laranja ou vermelho, o que é injusto, pois os produtores seguem regras rígidas. O consumo médio anual de Gruyère na Suíça é de três quilos por pessoa, o que não oferece riscos. E o queijo é isento de lactose, o que não é indicado no Nutri-Score.

swissinfo.ch: O Gruyère DOP é fabricado por 1.700 produtores de leite, 160 queijarias, 61 fabricantes de queijos alpinos e 11 maturadores de queijo. É permitida a entrada de novos produtores, incluindo grandes grupos suíços ou estrangeiros?
P.B.: Nossa associação não é um clube fechado. Novos participantes podem se associar, desde que cumpram as especificaçõesLink externo e o guiaLink externo de práticas recomendadas. É muito importante sermos rigorosos com relação a isso. Sem esse rigor, poderíamos ter o mesmo destino do Emmental suíço, que não se destaca o suficiente em termos de sabor do Emmental estrangeiro mais barato. Assim, a produção de Emmental suíço caiu de 45 mil toneladas no início dos anos 2000 para 13 mil toneladas atualmente, e muitas queijarias em nossa área de produção deixaram de produzir Emmental para produzir Gruyère DOP. Em termos práticos, nossa organização interprofissional verifica as capacidades dos novos participantes, em especial suas instalações, e garante que qualquer aumento no fornecimento ocorra gradualmente.

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Gruyère nomeado melhor queijo do mundo (novamente)
Alguns maturadores de queijo pertencem a grandes grupos suíços, como Emmi e Migros. Em teoria, esses grupos também poderiam ser estrangeiros, mas nenhum deles é no momento; e provavelmente é melhor assim, para garantir o caráter local do Gruyère DOP. Também acho que esses grandes grupos estrangeiros preferem comercializar produtos já fabricados, em vez de produzi-los eles mesmos, pois isso pode envolver muitos riscos e problemas.
swissinfo.ch: Quem cuida da comercialização do Gruyère DOP no exterior?
P.B.: A Empresa de Marketing do Queijo SuíçoLink externo promove – mas não vende – o queijo suíço em todo o mundo. Nossa organização é responsável pela promoção do Gruyère, às vezes com o apoio público. São sobretudo os maturadores que vendem o Gruyère DOP, principalmente para importadores ou atacadistas ou diretamente para grandes redes de varejo.
swissinfo.ch: Você considera os suíços do estrangeiro como embaixadores informais?
P.B.: De certa forma sim, pois é provável que eles ofereçam nossos produtos a seus amigos no exterior. De modo mais geral, porém, nossos embaixadores informais no exterior são todos aqueles que são apaixonados por nossos produtos.

swissinfo.ch: Suas especificações e seu guia de práticas recomendadas são documentos muito detalhados que podem ser acessados publicamente. Existe o risco de ajudar possíveis concorrentes no exterior?
P.B.: Acho que não. Produzir Gruyère DOP requer um conhecimento prático que não pode ser encontrado nesses documentos. Um empresário estrangeiro poderia contratar alguns especialistas suíços, mas seria incapaz de criar uma marca tão forte quanto a nossa, que está profundamente enraizada em uma região histórica de produção. A tentativa malsucedida de transferir toda a produção do Toblerone para a Eslováquia demonstra claramente a importância do local histórico de produção para os consumidores.

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Um queijo “Emmental” deve ter grandes furos
swissinfo.ch: A legislação suíça, em particular a portaria DOP/IGPLink externo (indicação geográfica protegida), é aplicável na Suíça. Como isso o protege no exterior?
P.B.: Nossos acordos com a UE e o Reino Unido garantem o reconhecimento mútuo das DOP. Temos acordos específicos com alguns outros países, às vezes como parte de acordos de livre comércio. Mas há outros países com os quais não temos acordo algum, o que complica as coisas.
swissinfo.ch: Para garantir a rastreabilidade e combater as falsificações, na última década, queijos como o Emmental e o Appenzeller têm usado “culturas traçadoras”, ou seja, bactérias de ácido láctico que atuam como marcadores para certificar a origem. E quanto ao Gruyère DOP?
P.B.: Há muito tempo queremos usar essas culturas marcadoras, mas é tecnicamente muito complexo, pois o Gruyère DOP é um produto natural, sem nenhum aditivo. No entanto, estamos chegando lá gradualmente e esperamos começar a usar essas culturas traçadoras em 2027 ou 2028.
Edição: Virginie Mangin
Colaboração de Anand Chandrasekhar
Adaptação: Alexander Thoele

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