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Os sete referendos mais curiosos já votados na Suíça

Homem com barba segurando uma bandeira
O responsável pelo projeto de lei da "Vaca com chifres", Armin Capaul, promoveu sua causa de uma maneira aberta que muitos na Suíça acharam atraente. Keystone / Laurent Gillieron

Com um sistema de democracia direta que permite votações frequentes desde 1848, a Suíça já levou às urnas temas que hoje soam inusitados: de proibir o absinto a proteger vacas com chifres. Entre cerca de 650 plebiscitos, sete se destacam pelo caráter curioso e pela forma como revelam mudanças sociais, culturais e ambientais ao longo do tempo.

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A Suíça é um paraíso da democracia direta. Qualquer ideia que obtenha 100 mil assinaturas é submetida a votação. Qualquer proposta de lei que seja contestada por ao menos 50 mil eleitores também vai a votação. Sempre que o governo e o Parlamento buscam alterar a Constituição, há uma votação.

Desde 1848, os eleitores suíços tomaram cerca de 650 decisões. Aqui apresentamos as mais peculiares – e também aquelas que hoje soam peculiares.

7. Novo Direito Matrimonial (1985)

Representando muitas votações da categoria “o eterno passado não está tão distante assim”, temos aqui o plebiscito sobre a nova lei do casamento de 1985. Antes disso, o marido podia decidir tudo sozinhoLink externo. Ele podia rescindir o contrato de aluguel ou vender a casa sem que a esposa tivesse qualquer direito a opinar. Ele até administrava os bens que a mulher trazia para o casamento. Ademais, o marido podia proibir a esposa de trabalhar.

Governo e parlamento queriam mudar isso. A proposta foi submetida a voto porque um comitê conservador convocou um referendo.

Em setembro de 1985, pelo menos 54% dos votantes aprovaram a nova legislação sobre casamento e herançaLink externo. Se apenas os homens tivessem votado, a antiga lei teria permanecido em vigor.

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Schwarzweiss Foto: Männer und Frauen heben die Hand zur Abstimmung

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6. Iniciativa “por 12 domingos por ano sem veículos motorizados nem aviões” (1978)

As imagens das rodovias suíças vazias em 1973 ainda causam espanto. Durante a crise do petróleo, três domingos sem carros foram uma tentativa de economizar recursos.

Um grupo de estudantes queria transformar isso em parte de uma nova normalidade suíça. No segundo domingo de cada mês, não apenas os carros, mas todo tipo de transporte motorizado “por terra, água e ar” seria proibido. Como os proponentes queriam incluir cada detalhe na Constituição Federal, hoje talvez até as bicicletas elétricas fossem proibidas – “veículos com motor auxiliar” foram explicitamente mencionados.

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Pessoas reunidas em uma praça

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Se a iniciativa tivesse sido aprovada, certamente teriam sido publicados na Suíça – país obcecado por esportes de lazer – livros como “Passeios de bicicleta na faixa de ultrapassagem”, “As doze trilhas mais bonitas pelas rodovias” e, para os mais contemplativos, “Lugares de paz no canteiro central”.

Mas não chegou a tanto. A iniciativa por 12 domingos por anoLink externo sem veículos motorizados nem aviões recebeu apoio de pequenos partidos de direita, esquerda e centro. Contudo, em maior de 1978, mais de 63% dos votantes rejeitaram a proposta.

5. Iniciativa pela proibição do absinto (1908)

Um verdadeiro “pânico moral” na virada do século 20 fez com que jovens suíços, já no limiar do século 21, acreditassem que o absinto seria comparável à cocaína ou ao LSD.

O absinto só voltou a ser legal na Suíça em março de 2005. Com isso, uma “regulamentação anacrônica” foi finalmente revogada, segundo informouLink externo o Ministério suíço da Saúde (BAGLink externo, na sigla em alemão) em fevereiro de 2005. Ainda assim, manteve-se meticuloso, como se espera da administração pública: “Até 1º de março de 2005, o absinto continua ilegal”.

Após o assassinatoLink externo de uma criança e casos de feminicídio cometidos sob efeito do absinto, surgiram em 1905 petições e proibições em alguns cantões. Esse movimento encontrou respaldo em organizações contra o alcoolismo – ou mesmo a favor da abstinência – além do lobby do vinho e da cerveja, que via com maus olhos o fato de o absinto ser mais barato do que suas bebidas.

A iniciativa foi apoiada politicamente por social-democratas e católicos-conservadores. A controvérsia em torno do álcool do Val de Travers, onde é destilado o absinto, inflamou-se principalmente na Suíça francófona. Ironia ou não, foram proporcionalmente os suíços de língua alemã e do leste do país que mais queriam tirar essa bebida dos habitantes da parte francesa.

Nos cantões de Nidwalden e Grisões, mais de 80% votaram pela proibição do absinto. Em toda a Suíça, mais de 63% dos homens votantes aprovaram a medida em julho de 1908.

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4. Aumento do limite máximo de apostas em jogos de cassino (1958)

Outra votação da categoria “o país inteiro discute comportamentos viciantes e pouco saudáveis”. Desde 1874, cassinos eram proibidos na Suíça. Após idas e vindas nos anos 1920, passou a valer, a partir de 1928, um limite máximo de aposta que hoje soa como uma regra de mesada de pais preocupados: dois francos por rodada.

A votaçãoLink externo no final dos anos 1950 trouxe então a libertação da alma dos jogadores: depois disso, passou a ser permitido apostar uma moeda de cinco francos (um Fünfliber).

Contra a liberação do Fünfliber estavam pequenos partidos moderados e círculos religiosos – mas quase 60% dos votantes (homens) aprovaram a medida em dezembro de 1958.

Aliás, hoje, no Grand Casino de BernaLink externo, os cinco francos são o valor mínimo para uma aposta na roleta americana.

3. Iniciativa “Vaca com Chifres” (2018)

O agricultor montanhês Armin Capaul dançou em seu estábulo ao som de Jimi Hendrix diante da imprensa internacional, e assim conquistou o coração do público suíço. A iniciativa popular de seu grupo “IG Hornkuh” pretendia inscrever na Constituição Federal que criadores de vacas e cabras fossem financeiramente recompensados caso mantivessem os chifres dos animais adultos. O autêntico Capaul sensibilizou muitos ao destacar que a descorna é dolorosa para os animais, e que os chifres têm importância para as vacas.

Mas os opositores também argumentaram em nome do bem-estar animal: se, por causa dos chifres, aumentassem os estábulos de contenção (onde os animais ficam presos), para evitar ferimentos, isso não beneficiaria os animais.

Não se sabe exatamente qual foi o peso, na decisão de voto de alguns, da opinião de Capaul de que vacas com chifres são um “valioso patrimônio cultural”.

A favor da iniciativa Vaca com chifresLink externo estavam o Partido Socialista (SP), os Verdes, o Partido Liberal Verde (GLP), o Partido Evangélico (EVP), além de várias organizações de proteção aos animais e à natureza. Porém, em novembro de 2018, mais de 54% dos votantes foram contra.

2. Monopólio dos palitos de fósforo (1895)

Vindo uma outra era, mais precisamente do ano de 1895, surgiu a proposta de que o Estado deveria ter o monopólioLink externo sobre a produção de palitos de fósforo. O motivo pelo qual o governo queria esse monopólio estatal era, contudo, bem sério: o fósforo branco, usado na produção na época, não era apenas altamente inflamável, mas também causava uma doença fatal entre os trabalhadores. O fósforo vermelho, que não apresentava riscos à saúde, já havia sido descoberto, mas era mais caro. Após uma primeira proibição, o contrabando de fósforos floresceu. O monopólio estatal seria uma alternativa a fim de enfrentar o problema.

A proposta foi apoiada pelos liberais, pelos democratas e pelos social-democratas – mas, em setembro de 1895, mais de 56% dos votantes se colocaram contra.

1. Iniciativa “contra o barulho de jatos de combate em áreas turísticas” (2008)

Luta por proteção contra o barulho! O nome da iniciativa “Contra o barulho de jatos de combate em áreas turísticasLink externo“, votada em 2008, levanta a pergunta: estaria alguém a favor do barulho dos caças em outros lugares, se fosse contra essa iniciativa? E, claro, também onde os jatos poderiam fazer barulho, já que poucas regiões na Suíça não se consideram áreas turísticas. Em quase toda prefeitura, de Kreuzlingen a Genebra ou de Basileia a Chiasso, acredita-se firmemente que há algo a oferecer aos turistas.

O pano de fundo da iniciativa era o plano de estacionar caças F/A-18 em Meiringen. A fundação de um grande hotel e uma organização ambientalista queriam inscrever na Constituição suíça que, em “áreas utilizadas para o turismo”, durante “tempos de paz”, não deveriam ocorrer exercícios com caças de guerra.

Opositores das Forças Armadas e partidos de esquerda apoiaram a proposta – mas, em fevereiro de 2008, mais de 68% dos votantes decidiram contra a iniciativa.

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Pessoas reunidas em uma praça

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Edição: Samuel Jaberg/jg

Adaptação: Karleno Bocarro

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