Böögg, o boneco de neve que prevê o clima na Suíça

Quanto mais rápido a cabeça cheia de dinamite do Böögg explodir, mais quente será o verão. Essa é a teoria. Mas de onde veio a tradição e, o que é mais importante, quão precisa ela é?
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A cada ano, às seis da tarde de uma segunda–feira de abril (este ano aconteceu no dia 28), um boneco de neve de lã de algodão é incendiado na Sechseläutenplatz de Zurique. Mas não é um boneco de neve qualquer que queima na praça. É o Böögg (pronuncia–se “berk”), que ganha as manchetes durante o Sechseläuten, tradicional feriado de primavera em Zurique.

O Sechseläuten, que significa “o toque dos sinos às seis horas”, tem várias raízes. De um lado, veio dos rituais com fogo que celebravam o equinócio da primavera, em que os meninos queimavam esculturas de palha feitas por eles mesmos com máscaras assustadoras – “Bööggen”, ligado etimologicamente ao bicho–papão – pela cidade. De outro, é uma lembrança de quando os membros de diferentes fraternidades medievais costumavam regular o horário de trabalho tocando sinos; no inverno, os artesãos e comerciantes trabalhavam até as 17h e, no verão, até às 18h.
Em 1892, ambas as tradições se fundiram e, desde 1902, queimar um boneco de neve, representando o fim do inverno, virou um uma tradição do Sechseläuten.

O desfile com várias guildasLink externo (fraternidades) começa às 15 horas. Cerca de 3.500 membros fantasiados, 50 carros alegóricos puxados por cavalos e 30 bandas percorrem a cidade até a Sechseläutenplatz. A procissão – e a queima do Böögg – atrai dezenas de milhares de espectadores, incluindo muitos políticos e grandes nomes do mundo dos negócios, do esporte e da cultura. Centenas de milhares de pessoas também acompanham o drama no conforto de suas casas, pela TV.

Às 18 horas, na sexta badalada dos sinos da catedral de Grossmünster, a pira sob o Böögg, empoleirado em um trono de dez metros, é acesa. Os cavaleiros circundam o boneco de neve em chamas até o final explosivo. A marmota Punxsutawney Phil (veja o quadro) pode ter inspirado uma comédia de Hollywood, mas o Böögg é difícil de ser superado em termos de drama.
O Dia da Marmota é, sem dúvida, a tradição de previsão do tempo mais conhecida, comemorado regionalmente nos Estados Unidos e no Canadá em 2 de fevereiro. O ritual deriva da superstição holandesa da Pensilvânia de que, se uma marmota sair de sua toca nesse dia e vir sua sombra, ela se recolherá à sua toca e o inverno continuará por mais seis semanas; se não vir sua sombra, a primavera chegará mais cedo. A cerimônia realizada em Punxsutawney, no oeste da Pensilvânia, estrelada por uma marmota semi–mítica chamada Punxsutawney Phil, caiu no gosto popular.
Sombras de ursos
Semelhante ao Dia da Marmota, na Sérvia, Romênia e Hungria as pessoas observam os ursos que saem da hibernação em 2 de fevereiro (ou 15 de fevereiro na Sérvia). A teoria diz que se o urso ver sua sombra, ele voltará para sua toca e dormirá por mais 40 dias, prolongando o inverno.
Lagartas do urso de lã
Todos os anos, milhares de pessoas se reúnem em uma cidade da Carolina do Norte para assistir à maior corrida de lagartas de urso de lã dos EUA. O vencedor tem a honra de prever o clima para o próximo inverno. Se você tem interesse em entender mais do curioso ritual, Link externoaqui vai um guiaLink externo sobre como “ler uma minhoca” (envolve a cor e o padrão das listras).
Rãs em potes
Havia uma crença nas regiões de língua alemã (inclusive na Suíça) de que as rãs podiam prever o tempo. Essa crença surgiu da observação de sapos europeus subindo em árvores em dias ensolarados. O termo Wetterfrosch (sapo do tempo) sobreviveu como um nome um tanto pejorativo para os meteorologistas, o que implica que suas previsões não são confiáveis.
Formigas
As mulheres afar da Etiópia observam o comportamento das formigas, especificamente a formiga Dakura, para prever a próxima estação chuvosa. As mulheres que vão buscar água se reúnem ao redor dos poços e raspam uma vala em frente a um exército de formigas dakura. Se as formigas entrarem na vala ou atravessarem a vala, considera–se que a próxima estação chuvosa será seca. Entretanto, se as formigas evitarem as valas e se apressarem em dar a volta sem cruzar diretamente ou entrar nas valas, isso é um indicador de uma boa estação chuvosa. Link externoComo este documento explicaLink externo, a comunidade Afar diz que as formigas evitam as valas porque sentiram instintivamente a ocorrência de chuvas ou enchentes e estão tentando evitar serem levadas pela água.
Bööggs de reserva
Voltando ao ritual incendiário de Zurique, não dá para se dizer que tudo sempre ocorre sem problemas. Em 1923, choveu tanto que o Böögg encharcado não pegou fogo.

Em 1941, a política agrícola da Suíça em tempos de guerra determinou que o campo onde ocorre sua queima era necessário para o cultivo de alimentos, de modo que o Böögg teve que ser reagendado. No ano seguinte, ele não teve tanta sorte, mas como o campo ainda estava sendo usado para o cultivo de batatas, as multidões tiveram que manter distância. Em 1943, o mesmo terreno ainda era necessário para a produção de alimentos, então o Böögg foi transferido para a represa no porto de Enge, onde, no ano seguinte, caiu no Lago Zurique. Ele foi pescado e sua cabeça foi jogada no fogo. Que maneira de morrer.

Quem diria que um boneco de neve poderia ser político: em 2006, o Böögg foi sequestrado por “revolucionários” de esquerda alguns dias antes do Sechseläuten. Em um ataque à meia–noite, eles quebraram uma janela da garagem onde ele estava guardado e deixaram um coelhinho da Páscoa de chocolate e um emblema de foice e martelo em seu lugar, dizendo que o boneco de neve “já estava farto de colocar sua cabeça em risco pelos capitalistas”. Desde então, vários Bööggs de reserva foram mantidos, com o principal deles armazenado em um banco próximo à Sechseläutenplatz.
Em 2020 e 2021, o desfile de Sechseläuten foi cancelado devido à Covid, voltando ao normal em 25 de abril de 2022. Enquanto o Böögg teve um ano de folga em 2020, em 2021 a queima foi realizada em um desfiladeiro, sem público, no cantão de Uri. O evento foi transmitido ao vivo pela televisão.
No ano passado, ocorreu o “desastre de Böögg”, quando ventos fortes forçaram os organizadores, preocupados com faíscas e brasas, a abortar o evento pouco antes de riscar o fósforo. “O fogo poderia ter resultado em pânico em massa”, Link externodisse, na época, FelixLink externo Boller, presidente do Comitê da Guilda de Zurique.
No entanto, o Böögg não teve um ano de folga: ele foi queimado dois meses depois em Heiden, no cantão anfitrião de Appenzell. O Böögg exilado provou ser particularmente resistente: enquanto a pira queimou relativamente rápido apesar das condições úmidas, demorou um pouco para os ombros e a cabeça do boneco de neve pegarem fogo: sua cabeça explodiu após 31:28 minutos, prevendo um verão medíocre. E ele não estava tão errado assim.

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Cientificamente questionável
Embora a capacidade do Böögg de prever o tempo seja errática, ele consegue acertar algumas vezes.
“É digno de nota o fato de que, antes do verão quente de 2003, o Böögg explodiu depois de apenas cinco minutos e 42 segundos”, Link externoafirma o Escritório Federal de Meteorologia e Climatologia (MeteoSwiss)Link externo. “Entretanto, isso foi obviamente pura coincidência. As previsões do Sechseläuten não resistem ao escrutínio climatológico.”
O menor tempo registrado foi de 5:07 minutos em 1974 e o maior foi de 57 minutos em 2023.

“Antes do segundo verão mais quente de 2022, o Böögg só explodiu depois de quase 40 minutos. Antes do terceiro e quarto verões mais quentes de 2018 e 2015, o tempo de queima era de 20 a 21 minutos. Nesses três anos, o Böögg nos deu uma previsão ruim. Mesmo em 2019, com o quinto verão mais quente já registrado, ele não forneceu uma previsão precisa, queimando por pouco menos de 18 minutos.”
De acordo com a MeteoSwiss, não é “surpreendente” que o Böögg tenha um desempenho tão ruim como previsão. “Como um boneco de neve em chamas feito de algodão pode prever o tempo com precisão?
“Na realidade, o tempo de queima depende da construção da pira, da umidade da lenha e do clima no dia do Sechseläuten. Por último, mas não menos importante, há o fator importantíssimo de quanta pólvora é usada”, explicou.
“No entanto, embora a previsão de verão do Böögg não possa ser aceita cientificamente, Zurique certamente não ficaria sem seu oráculo.”
>> Como o Böögg é feito, em imagens:

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O boneco de neve “explosivo”
Edição: Samuel Jaberg/fh
(Adaptação: Clarissa Levy)
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