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“Eu recuso ser homem”

Candidata a deputada federal, o transexual Esther Brunner vê a Suíça como país liberal. swissinfo.ch

Esther Brunner é candidata pelo Partido Socialista (PS) a deputada federal. A diferença é que ela é a primeira transexual a se aventurar na política suíça.

Depois de brigar na justiça, Esther obrigou o cantão de Zurique a imprimir 800 mil novas cédulas para as eleições. Razão: seu nome estava escrito na versão masculina.

“Se eu tivesse nascido mulher, meus pais teriam me chamado de Esther”, explica a estudante de filosofia na Universidade de Zurique, uma jovem e bela suíça de 27 anos, de cabelos castanhos e simpático sorriso.

A carteira de identidade revela, porém uma outra pessoa: Christian Brunner, nascido em 3 de maio de 1976.

“Christian não existe mais”, ressalta Esther. Depois de duas operações, a suíça aguarda apenas a última intervenção cirúrgica para transformá-la definitivamente em mulher. Isso não impede, porém, que ela já assuma sua nova identidade e participe até da política.

Esther Brunner é candidata a deputada federal na lista 24 dos Jovens Socialistas (JS) e do grupo multipartidário de homossexuais e lésbicas de Zurique.

Apesar da pouca idade, a jovem já é uma figura com um certo destaque na imprensa suíça. Isso graças à batalha judicial que colocou a transexual contra o cantão de Zurique.

No fim de agosto, Esther processou o Estado pelo fato das células eleitorais terem sido impressas sem o seu nome. O governo alegou que a transformação sexual de Christian em Esther não havia ainda sido completada até o prazo final da inscrição dos candidatos na lista eleitoral e, por isso, não seria possível increvê-la como mulher.

Esther explicou aos tribunais que a operação será realizada em outubro, exatamente na época das eleições. Sua alegação baseou-se numa questão moral e legal. “Para mim, candidatar-me como homem seria uma arbitrariedade contra minha individualidade e um atentado contra meus direitos políticos”.

Os tribunais deram razão ao transexual e o cantão de Zurique foi obrigado a reimprimir as 800 mil cédulas que serão utilizadas no dia da votação em outubro próximo.

swissinfo convidou Esther Brunner para um bate-papo informal no café da estação ferroviária central de Zurique.

Há quantos anos você milita na política?

Esther Brunner: eu sempre me interessei por igualdade social. Por isso sou ativa no Partido Socialista há mais de seis anos. Entrei na Juventude Socialista um pouco mais tarde, pois eles organizam atividades políticas interessantes.

E como foi a idéia de candidatar-se a deputada?

Muito simples. Meus colegas na Juventude Socialista sugeriram minha candidatura, quando tomamos a decisão de criar uma lista própria de candidatos a deputado federal para as eleições de outubro. Porém eu os avisei que poderíamos ter problemas com relação ao meu sexo, pois ainda estou registrado oficialmente no cadastro eleitoral como homem, apesar de já viver há três anos como mulher.

Qual a dificuldade de mudar o sexo num país como a Suíça?

A mudança de sexo é um processo muito complicado. Primeiro eu tive sessões com um psiquiatra, onde fui aconselhado a viver como mulher sem modificar nada fundamentalmente. Depois eu fiz tratamento à base de laser para retirar a barba. Depois comecei a tomar hormônios. Quanto à questão da mudança de sexo no papel, ela só pode ocorrer na Suíça depois de uma operação de mudança de sexo. Eu serei operada agora no outono.

Como você começou a sentir que não estava no corpo certo?

Na escola eu ainda não sabia ao certo o que era diferente comigo. Eu só sabia que não era como os outros garotos e também não queria ser como eles. Porém esse foi um longo processo de autoprocura até tomar a decisão: eu não posso viver como homem, eu quero ser uma mulher, eu sou uma mulher e preciso viver assim.

Existe um outro exemplo de transexual ativo na política de um país?

Sim, no Japão. Lá a transexual Aya Kamikawa foi eleita em maio para o Câmara municipal de Tóquio. Esse caso é muito parecido com o meu, pois ela teve no início problemas legais para ser aceita como candidata, pois ainda era homem no momento da inscrição. Assim como eu, ela ainda não havia feito a operação.

Você já sofreu ou sofre preconceitos na Suíça pela sua condição de transexual?

Aqui em Zurique eu quase nunca vivi discriminação. Às vezes eu escuto comentários imbecis, feito muitas vezes por jovens homens que ainda estão inseguros da sua própria sexualidade. O principal é que eu posso viver como quero aqui neste país. Isso é o mais importante!

Caso eleita, como será sua atuação no Parlamento suíço?

Eu pretendo combater todo o tipo de preconceitos. Um deles é em relação a um quinto da população suíça, os estrangeiros, que não têm nenhum direito político. Em grande parte, muitos deles já vivem há anos neste país. Ao mesmo tempo, pretendo lutar pela igualdade de direitos dos homossexuais, lésbicas e transexuais e acabar com qualquer forma de discriminação.

Como seria essa igualdade de direitos para os transexuais, por exemplo?

No caso dos transexuais, acredito que seja importante possibilitar a criação de uma carteira de identidade complementar. Ela irá possibilitar que, entre a fase de transformação que vai do coming-out, onde a pessoa começa a descobrir sua verdadeira sexualidade, até a troca sexual definitiva, seja resolvida a questão legal do nome. Eu, até hoje, não posso abrir uma conta de banco com o meu nome feminino. Ainda existem outros exemplos em que preciso justificar minha situação. Isso deveria ser modificado.

Quantos transexuais existem na Suíça?

Eu conheço pessoalmente 20 pessoas que vivem a mesma situação que eu. Porém calculo que existam de 200 a 500 pessoas na Suíça que também podem ser consideradas transexuais. Porém não estou segura desses números.

swissinfo, Alexander Thoele em Zurique

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