A ‘paz total’ de Petro para conter a violência na Colômbia

Gustavo Petro, o primeiro presidente de esquerda da Colômbia, aspira outra reviravolta na história: alcançar a “paz total” com rebeldes e traficantes de drogas para extinguir mais de meio século de conflito armado.
Seguem quatro questões sobre a nova política de Estado e os desafios que enfrenta em meio ao aumento do tráfico e da violência.
– O que é a “paz total”?
A política de “paz total” foi transformada em lei em novembro, depois que o Congresso, de maioria governista, apoiou uma ambiciosa proposta de Petro para dialogar com guerrilheiros, traficantes e grupos de origem paramilitar com a intenção de desarmar o conflito.
O Legislativo ajustou um marco legal existente desde 1997 para que o governo possa negociar a paz com organizações armadas de natureza política e desmobilizar gangues criminosas por meio de submissões à Justiça em troca de benefícios.
“O que aprovamos no Congresso é que a política de paz deve começar a ser uma política de Estado”, disse à AFP o parlamentar de esquerda Iván Cepeda.
Petro, um ex-guerrilheiro que assinou a paz em 1990 antes de entrar para a política, tomou posse em 7 de agosto como o primeiro esquerdista a governar a Colômbia.
Com um número considerável de críticos, o presidente defende uma solução negociada para o conflito e o fim da “fracassada” guerra às drogas no maior produtor de cocaína do mundo.
Paralelamente, o governo abandonou a erradicação forçada dos pequenos cultivos de coca, enquanto a produção de cocaína bate recordes históricos.
– Quem será aceito?
O exemplo mais claro na carta de apresentação da “paz total” é a retomada das negociações com o Exército de Libertação Nacional (ELN), após três anos de suspensão.
“A lógica que desenvolvemos na Colômbia é que na guerra tudo é possível e na paz nada é suficiente. É preciso ser cauteloso, minimalista, ir passo a passo”, admitiu Cepeda.
Embora um acordo histórico de 2016 tenha transformado a guerrilha mais poderosa do continente, as Farc, em um partido político, o conflito continua depois de seis décadas e mais de nove milhões de vítimas.
As Farc foram substituídas por uma proliferação de novas organizações, sem margem para negociação até a chegada do Petro.
Desde 21 de novembro, delegados de Petro, entre eles Cepeda, dialogam com a última guerrilha reconhecida na Colômbia.
Especialistas alertam para as dificuldades no processo de paz com o ELN devido à sua estrutura descentralizada com diferentes lideranças que põem em dúvida a sua unidade de comando.
O Clã do Golfo, a principal organização de traficantes de drogas do país, e os dissidentes das Farc que se afastaram do acordo de paz também sinalizaram que se qualificariam para a “paz total”.
O centro de estudos independente Indepaz calcula que pelo menos 24 organizações bateram nesta porta.
Também se somaram os detidos no contexto dos protestos massivos contra o governo de Iván Duque (2018-2022), que serão soltos com amparo nesta lei e designados como “gestores da paz”.
“O governo deve cuidar para que a paz total não se transforme em uma espécie de guarda-chuva onde cabe todo mundo e depois entra em colapso”, diz Alejo Vargas, especialista no conflito colombiano da Universidade Nacional.
– Outros precedentes?
Em 2006, o ex-presidente de direita Álvaro Uribe (2002-2010) concordou em desarmar a maior parte dos paramilitares.
O líder do tráfico de drogas Pablo Escobar se entregou à Justiça na década de 1990 em troca da não extradição, mas depois escapou da prisão.
Nessa década, guerrilhas como M-19, à qual pertencia Petro, e o Exército Popular de Libertação se desmobilizaram.
Nenhum desses processos pretendia negociar com todos os grupos armados ao mesmo tempo.
“A proposta (de paz total) não é ambiciosa, é realista. A Colômbia tem que sair de um conflito que já dura décadas, não pode continuar sendo o país da violência para sempre”, argumenta Cepeda.
– Quais são os desafios?
O partido Centro Democrático (oposição) descreveu a “paz total” como uma “apologia ao crime e à impunidade”.
Outros críticos destacam a dificuldade de negociar com grupos tão diversos ao mesmo tempo.
“Não só a parte operacional e de gestão, mas a parte jurídica, é um problema”, analisa Juana Cabezas, pesquisadora do Indepaz.
Para Cabezas, o governo deve “ter uma contribuição muito rigorosa das organizações da sociedade civil e do próprio Estado para definir o caminho que cada grupo seguirá”, além de medir suas verdadeiras intenções de acabar com a violência.